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A. Ele anda e manda
A missão desponta, pois, como o principal mandato de Jesus. Ele manda em missão não apenas depois d’Ele, mas também à frente d’Ele e com Ele. Ao mandar, Jesus explica a missão e previne para a rejeição. Ele próprio tinha acabado de passar pela rejeição na Sua terra. Agora, alerta os Doze para a possibilidade de rejeição na sua missão pela terra. Afinal, o discípulo não é superior ao mestre; bom será o discípulo que procurar ser como o seu mestre (cf. Lc 6, 40).
Por aqui se vê como o êxito da missão não consiste necessariamente numa missão com êxito. De resto, não é o êxito que deve ser procurado. O verdadeiro êxito da missão não está no aplauso. Jesus até tem o cuidado de ressalvar: «Ai de vós quando todos disserem bem de vós»(Lc 6, 26). Por muito agradável que possa ser ouvir falar bem de nós, não é isso que interessa. O evangelizador não existe para agradar, mas para servir. E servir não rima com agradar. O segredo do êxito da missão não está no resultado, mas no esforço e na atitude.
B. Não a popularidade, mas a fidelidade
3. Independentemente da aceitação ou da rejeição, o importante é que a missão se faça. Jesus até dá a entender que, quando se cumpre a missão, o mais certo é que apareçam focos de rejeição. O que nunca se pode é alterar a mensagem. Alterar a mensagem seria adulterar a missão. Por conseguinte, mais vale enfrentar a rejeição do que adulterar a missão.
Os cristãos não andam a disputar um qualquer «campeonato de popularidade». Os cristãos não devem procurar a popularidade, mas a fidelidade. O fundamental é que a proposta chegue, mesmo que a resposta não venha.
Daí o despojamento que a missão deve revestir. Jesus deixa, por assim dizer, uma espécie de «código ético» para o missionário. O apóstolo deve levar o mínimo para que possa transportar o máximo: deve levar o mínimo de si para transportar o máximo de Cristo. Neste aspecto, a exigência chega a ser extrema. O apóstolo não há-de levar nada para o caminho, a não ser um cajado: nem pão, nem saco, nem moedas, nem duas túnicas (cf. Mc 6, 8-9). Ou seja, o apóstolo deve levar Cristo. Nada mais, ninguém mais. Cristo há-de ser tudo para o apóstolo. Quem olhar para o apóstolo não há-de ver o apóstolo, mas Cristo no apóstolo.
C. Evangelizar é (também) provocar
5. Esta presença de Jesus nos apóstolos é tal que, ao enviar em missão, como que delega os Seus poderes naqueles que envia (cf. Mc 6, 7). No fundo, Jesus vai com aqueles que envia. Ele mesmo o garante: «Quem vos ouve a Mim ouve; quem vos rejeita a Mim rejeita»(Lc 10, 16).
Nada é deixado ao acaso. Jesus manda em nome dos mandamentos. Como entreviu S. Gregório Magno, Jesus manda os discípulos dois a dois (cf. Mc 6, 7) porque dois são os mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a nós mesmos. Ou, melhor, amar o próximo com o amor com que Jesus o ama.
Os enviados devem ter, como principal desígnio, a fidelidade ao projecto de Deus e não a defesa dos seus próprios interesses. Neste sentido, não admira que a vocação tenha muito deprovocação. A Primeira Leitura apresenta-nos o exemplo do profeta Amós. Escolhido, chamado e enviado por Deus, o profeta vive para propor aos homens os projectos e os sonhos de Deus para o mundo. Actuando com total liberdade, o profeta não se deixa manipular pelos poderosos nem condicionar pelas suas perspectivas pessoais.
D. Um profeta corajoso
7. Já agora, convém referir que Amós, embora pouco conhecido, foi um profeta importante e um profeta corajoso. Ele foi o «profeta da justiça social», exercendo o seu ministério em meados do séc. VIII a.C., durante o reinado de Jeroboão II. É uma época de prosperidade económica e de tranquilidade política: as conquistas do rei alargaram os limites do reino. O comércio e a indústria desenvolveram-se bastante.
Acontece que o bem-estar das classes favorecidas contrastava, de uma maneira flagrante, com a miséria das classes mais pobres. A classe dirigente, rica e poderosa, dominava os tribunais e subornava os juízes, impedindo que se fizesse justiça e se defendesse os direitos dos mais humildes. Entretanto, a religião sobressaía através de ritos e festas. Tratava-se de um culto que não tinha nada que ver com a vida. Os mesmos que participavam nos ritos e nas festas praticavam injustiças contra o pobre e cometiam toda a espécie de atentados contra a lei.
O episódio que a Primeira Leitura nos propõe decorre no santuário de Betel, no centro da Palestina. Trata-se de um lugar considerado sagrado, desde tempos imemoriais (cf. Gén 35,1-8). Quando o Povo de Deus se dividiu em dois reinos, após a morte de Salomão (932 a.C.), os reis de Israel intensificaram o culto em Betel, para impedir que os seus súbditos se deslocassem a Jerusalém, situado no reino inimigo de Judá. Betel transformou-se, então, numa espécie de «santuário oficial» do regime, onde o culto era financiado, em grande parte, pelo próprio rei. O sacerdote que presidia ao culto era uma espécie de «funcionário real», encarregado de zelar para que os interesses do rei fossem defendidos.
E. O que nos não fizermos, Deus fará
9. Na época em que Amós exerce o seu ministério, o sacerdote encarregado do santuário era Amasias. A Primeira Leitura descreve um confronto entre os dois. É um texto fundamental para entendermos a missão do profeta diante dos poderes instituídos. Para Amasias, o que interessa é manter um sistema que assegura benefícios, quer ao poder, quer à religião. A tarefa da religião é deixar tudo na mesma: o sacerdote defende o rei e, em troca, o rei sustenta o sacerdote.
Amós não se conforma com esta situação e não fica calado. Não espanta, por isso, que o sacerdote convide o profeta a voltar para a sua terra. Só que o profeta não se deixa intimidar nem abater. A resposta de Amós deixa claro que o profeta é um homem livre, que não actua por interesses humanos, mas por mandato de Deus. Amós é profeta porque Deus invadiu a sua vida com uma força irresistível. Ele foi chamado para ser a voz de Deus e só lhe interessa cumprir a missão que Deus lhe confiou.
Os cristãos não estão no mundo como ornamento dos poderes. A nossa missão é ser alternativa, não redundância. Não estamos na vida para que tudo continue na mesma, mas para que tudo possa ser diferente, para que tudo possa (finalmente) ser melhor. É muito pesada esta missão. É por isso que, como diz a Segunda Leitura, o Senhor nos enche com «toda a espécie de bênçãos espirituais»(Ef 1, 3). Não tenhamos medo. O que nós não fizermos, Deus fará em nós, connosco!