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Vazia seria uma fé soporífera ou levemente sedosa. O seu horizonte não pode ser, pois, a mera satisfação, mas a nossa permanente conversão.
O discurso crente não é aquele que passa por cima dos problemas, mas aquele que «aterra» totalmente nos problemas.
É bom não esquecer que a fé acontece sempre na realidade, não fora da realidade.
Não falta, porém, quem faça constante publicidade a uma «fé fácil».
No fundo, é uma fé que não encara a vida como ela se mostra nem acolhe Deus como Ele é.
A fé inclui, obviamente, a confiança em que tudo pode ser melhor. Mas não exclui a predisposição para aceitar as adversidades.
Ou seja, quem seguir os Seus ensinamentos tem de se dispor a seguir a totalidade dos Seus passos. E aqui é preciso contar com a perseguição, a condenação e até a morte.
Um «Cristianismo de eventos» é claramente insuficiente. Reduz-se a momentos que se esgotam quando terminam. Não parece haver «antes» nem «depois».
Como há-de fermentar o compromisso?
Os eventos ganham alma quando pré-existe — coexiste e pós-existe — uma vivência. Afinal, não será a vivência quotidiana da fé o mais belo evento de fé?
Porque, se as tivesse, teriam de estar sempre abertas.
Ela inclui até os que o mundo exclui.
Optou por alguém que tinha dado sinais de ser incoerente, inconstante e até medroso.
Segundo Chesterton, «todos os impérios se desfizeram devido à intrínseca fraqueza de terem sido fundados por homens fortes sobre homens fortes. Só esta coisa única, que é a Igreja de Cristo, foi fundada sobre um homem fraco, e por isso é indestrutível».
A força de Pedro consistiu em não se resignar à sua fraqueza. A força de Pedro era a força de Cristo nele.
É por isso que, como notou Henri de Lubac, «a Igreja não é uma academia de sábios, nem um cenáculo de intelectuais sublimes, nem uma assembleia de super-homens. É precisamente o oposto. Os coxos, os aleijados e os miseráveis de toda a espécie têm cabimento na Igreja, e a legião dos medíocres são os que lhe dão o seu tom».
Como lembra Timothy Radcliffe, o Salvador não deixou ninguém de lado, muito menos «aqueles cujas vidas são um caos».
É nela que os marginalizados nunca serão postos à margem. É nela que os feridos jamais continuarão a ser magoados.
Alguém nega que a salvação é a grande — e definitiva — cura?
Afinal, quando perceberemos que um cristão sem conversão é como um doente sem cura?
Segundo um estudo do «Forum Pew para Religião e Vida Pública», 84 em cada 100 pessoas assumem pertencer a uma religião.
Depois do Cristianismo (31,5%) e do Islamismo (23,2%), constitui mesmo o grupo mais numeroso.
É o caso da República Checa (76%), da Coreia do Sul (71%), da Estónia (60%), do Japão (57%) ou da China (52%).
Por exemplo, 68% dos 20% de norte-americanos sem religião acreditam em Deus ou numa «força maior».
Para muitos, crer não obriga a pertencer. Pelo que acham possível ter fé sem ter religião.
A religião não conta para os descrentes e parece contar pouco para muitos crentes.
De uma maneira geral, a sociedade não é hostil à religião. O que acontece é que, sobretudo no Ocidente, vai dando sinais de se converter numa sociedade «sem religião».
Descontando o óbvio exagero, salta à vista que a religião já não é um elemento tão marcante na vida dos europeus. Curiosamente, essa marca torna-se mais visível no quotidiano dos que têm vindo de fora para dentro a Europa.
A religião estará em baixa, mas a «religação» não parece estar em queda.
Uma religião que desligasse os homens uns dos outros conseguiria «religar» alguém a Deus?
O mesmo acaba — quase sempre — por sufocar o diferente.
Ele irrompe na história para romper com muitas zonas de conforto da nossa vida.
Ele hospeda-Se em nós para nos desinstalar de nós.
Aliás, Jesus sempre teve uma predilecção pelas margens. Não só pelas margens dos rios (cf. Lc 8, 22), mas também pelo que ficava à margem dos grandes centros.
Em Jesus, o marginal torna-se definitivamente central.
Não nos retiramos para fazer o que fazíamos. Mudamos de ambiente para procurar mudar de vida.
Muitas vezes, é no fundo de nós que está o maior entrave à presença de Deus em nós. O egoísmo é o obstáculo mais resistente, aquele que mais custa remover.
O perfil do retiro é mais ermítico que cenobítico. Predomina o silêncio para prevalecer a escuta. Rareiam as palavras para melhor acolher a Palavra.
Só que o convívio do retiro é com Deus. É este convívio que antecede — e alimenta — todo o convívio.
Um retiro ajuda a esvaziar o eu que ainda subsiste em nós. E começa a levar Deus até (mais) além de nós!
O que dizemos acerca de Deus diz mais sobre nós do que sobre Deus.
Não esqueçamos que a própria palavra Deus é uma criação humana.
Alguém pode garantir que tal dizer sobre Deus corresponde cabalmente ao ser de Deus?
Por conseguinte, «se compreendeste, não é Deus. Se pudestes compreender, não foi Deus que compreendeste, mas apenas uma representação de Deus».
O certo é que até a Bíblia reconhece que caminhamos em contraluz. Deus é luz (cf. Sal 27, 1), mas surge ante nós como uma luz inacessível, que ninguém vê (cf. 1Tim 6, 16).
Os textos sagrados garantem que Deus vem até nós através da nuvem (cf. Êx 19, 9), falando connosco por entre nuvens (cf. Êx 24, 6; Mt 17, 5).
Acontece que os nossos olhos não vêem tudo (cf. 1Cor 2, 9). O essencial permanece-lhes vedado.
Só na Sua luz encontramos a luz (cf. Sal 36, 5).
Como confessamos no Símbolo, Jesus é a «luz da luz». É a luz que vem da luz para acender, em nós, mais luz.
Uma Quaresma sem ruído, uma Quaresma na humildade, uma Quaresma de escuta, uma Quaresma de espera depositar-nos-á — transfigurados! — na manhã luminosa da Páscoa!
Para mim tem servido bastante esta pequena história. Devendranath Tagore, é pai de um dos grandes escritores da minha vida Rabindranath Tagore, indu, que escreveu várias obras de poesia, conto e romance. Li para nunca mais esquecer o belíssimo romance «A casa e o mundo»... Recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1913 e tornou-se mundialmente famoso graças ao seu livro de poemas Gitanjali («Oferenda Lírica»).
«O homem só ensina bem o que para ele tem poesia» Rabindranath Tagore |
Um Céptico perguntou a Devendranath Tagore:
- Sempre falas de Deus, mas tens provas de sua existência?
Devendranath apontou para uma luz:
- Sabes o que é isto?
- É uma luz - respondeu o céptico.
- Como sabes que é uma luz? - perguntou Devendranath.
- Eu a vejo, portanto, não há necessidade de prova.
- Então o mesmo se dá com a existência de Deus. Eu O vejo em mim, e fora de mim, eu O vejo dentro e através de cada coisa. Portanto, não há necessidade de prova.
E continuou:
- Enquanto a abelha se encontra no exterior das pétalas do lírio e não experimentou ainda a doçura de seu suco, ela plana em volta da flor e emite um zumbido. Mas, logo que ela penetra no seu interior; ela bebe silenciosamente o néctar.
Quando alguém ainda estiver discutindo e especulando sobre uma doutrina e os dogmas religiosos, é por que ainda não experimentou o néctar da verdadeira fé. Por isso, faz silêncio e compreenderás! Onde o Espírito Eterno vem com a sua Luz, a nossa lâmpada terrestre já não é necessária. Pobres homens que creem que as miseráveis lâmpadas do intelecto humano dão mais luz que o doce cintilar das estrelas divinas!
É possível que esse não-saber nos forneça palavras menos impróprias e atitudes mais adequadas.
Acontece que os resultados nem sempre são brilhantes.
Como entender, então, que haja tantas palavras absolutas sobre Deus? E tantas atitudes irreversíveis em nome de Deus?
Até parece que Deus Se contradiz a Si mesmo.
Por vezes, o ser divino é representado como alguém menos humano do que muitos seres humanos. Como aceitar que se renda culto a Deus maltratando pessoas e eliminando vidas?
Os ateus negam a existência de Deus, ao passo que muitos crentes negam a natureza de Deus, a identidade de Deus.
Deus é imensamente mais do que uma não-existência. E é infinitamente melhor do que muitas existências que Lhe atribuem.
Os que estiveram mais perto de Deus, os santos, foram sempre muito cautelosos. Sto. Anselmo, para mencionar as pessoas divinas, referia-se aos «três não sei quê». A própria Bíblia reconhece que «nuvens e trevas» envolvem a presença de Deus (cf. Sal 97, 2).
O principal sobre Deus pode estar no que (ainda) não sabemos. Mas o que sabemos basta para ter a certeza de que Deus só ama (cf. Jo 3, 16), não arma. E até desarma os que se armam, os que estão armados (cf. Jo 18, 11)!
Notamos uma busca de Deus neste mundo materializado em que vivemos. Há uma curiosa lenda que tenta explicar essa ânsia nostálgica de Deus no íntimo de cada ser humano.
Depois do primeiro fracasso com o primeiro homem, Deus decidiu criar outro. Fez um belo boneco de barro e depois de activá-lo com o sopro a vida iria modelar-lhe um rosto. Tomou o boneco nas suas mãos e animou-o. Mas o boneco, logo que se sentiu com vida, fugiu das mãos do Criador. Queria ser ele mesmo a escolher o seu próprio rosto. Andou, andou e, longe de Deus, parou para pensar qual seria o seu rosto.
Foi experimentando diversos rostos que viu à sua volta na Natureza. Tomou o rosto de águia e passou a viver orgulhoso, como ave de rapina. Tomou o rosto de réptil e a sua língua só lançava veneno. Tomou o rosto de leão e passou a viver à custa dos mais fracos. Tomou o rosto de flor, mas cansou-se de ser objecto de adorno. Tomou o rosto de pedra, mas não pôde resistir muito tempo a tanta passividade.
Continuou a fazer várias experiências, mas cada vez se sentia menos homem. Começou a ficar cada vez mais triste e a sentir saudades do calor das mãos que o tinham criado e lhe iam modelar um rosto. Mas não sabia o caminho do regresso...
Esta procura ansiosa de Deus que se vem observando no decurso da História e mais se observa actualmente pelo aparecimento de numerosas seitas e de movimentos de cariz religioso, esta procura do Transcendente revela-nos essa nostalgia. Mas nem sempre os homens encontram o caminho do regresso às mãos do Criador. Alguns desistem e dizem-se agnósticos. Outros, torturados por esse desencontro, acham mais fácil negá-lo. E dizem-se ateus.
Outros procuram identificar-se com o rosto de Jesus Cristo, rosto visível do Pai Criador de todas as coisas.
Esta é a imagem verdadeira do Deus-Pai apresentada por Jesus Cristo. Só esta imagem pode levar à verdade sobre a fé e a esperança.
Mario Salgueirinho