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QUE LUGAR PARA A SURPRESA NO MEIO DE TANTA (in)CERTEZA? (Sexto Domingo do Tempo Comum)

por Zulmiro Sarmento, em 12.02.17
 

A. Uma porta aberta em hora incerta

  1. No meio de tanta certeza e no fundo de tanta incerteza, que espaço fica para a surpresa? A surpresa é, tantas vezes, o mais belo cartão de visita de Deus. Só que nós, hoje em dia, muito gostamos de programar. Nesse caso, que disposição temos para esperar? É importante fazer alguma programação. Mas deixemos espaço para a surpresa no nosso coração.

Habituámo-nos a olhar para a existência como uma contínua decadência. Para muita gente, o caminho do mundo é descendente. Segundo alguns, o presente já expulsou o que há de melhor; por isso, o futuro será pior. Com o pessimismo a atingir estes níveis de destemperança, que lugar resta para a esperança?

 

  1. É nas horas mais cruéis que à esperança temos de ser fiéis. Vergílio Ferreira lembrava que, «quando a situação é mais dura, a esperança tem de ser mais forte». Infelizmente, o maior défice dos tempos que correm é o défice de esperança. Andamos órfãos de esperança. O desespero tortura-nos sem o menor destempero.

Mas nesta hora tão incerta, porque não deixar uma porta aberta? Abramos as portas à esperança e não as fechemos à surpresa. Porque não acreditar que amanhã pode ser melhor? É verdade que, na vida, temos de contar com tudo, também com o pior. Mas estar preparado para o pior não nos impede — muito pelo contrário — de nos mantermos abertos ao que há de melhor.

 

B. Para a felicidade é fundamental o sentido da eternidade

 

3. Na primeira carta que escreveu aos cristãos de Corinto, São Paulo, decalcando um pequeno trecho de Isaías (cf. Is 64, 4), convoca-nos para as energias da esperança. E dá-nos uma preciosa garantia: «Nem os olhos viram, nem os ouvidos escutaram, nem jamais passou pela mente humana o que Deus tem preparado para aqueles que O amam» (1Cor 2, 9). O que Deus tem preparado é infinitamente melhor que o melhor que possamos conceber ou desejar.

Por isso, não desfaleçamos nem recuemos. Não nos deixemos degolar pela tirania do desespero. Sentir as nuvens que estão por debaixo do sol não nos inibe de saber que há muito sol por cima das nuvens.

 

  1. O nosso problema é que a nossa época quase baniu o sentido da eternidade. Falamos muito do futuro e quase não falamos da eternidade. Mesmo nós, cristãos (que professamos a fé na «vida eterna» e no «mundo que há-de vir»), parece que apostamos tudo no horizonte desta vida. Não percebemos que aquilo a que o nosso coração aspira, não pode ser dado por nada — nem por ninguém — neste mundo.

Somos seres finitos com ânsias de infinito. Só o infinito pode trazer o que este mundo não consegue oferecer. É por isso que, no tempo, somos todos peregrinos da eternidade. É o sentido da eternidade que permite vitaminar em nós a felicidade. Porque a eternidade é vida, a vida é eterna.

 

C. Muito conhecimento, muita sabedoria?

 

5. A eternidade não é só o que vem depois da morte. A eternidade é o sentido presente em toda a vida: antes da morte, depois da morte e para lá da morte. É esta a sabedoria que falta, é esta a sabedoria que urge. Acostumamo-nos a ligar a sabedoria à previsão e ao domínio das situações. É importante que nos habituemos a religar a sabedoria à surpresa e à esperança que Deus coloca nos nossos corações.

Na actualidade, há muita informação, mas será que existe muito conhecimento? O conhecimento inclui a informação, mas não se reduz a ela. E quanto ao conhecimento, será que ele corresponde sempre a muita sabedoria? A sabedoria não subestima o conhecimento, mas todos sentimos que vai mais longe que ele.

 

  1. Por vezes, somos confrontados com uma espécie de paralelismo assimptótico entre conhecimento e sabedoria. Há quem tenha muitos conhecimentos, mas não revele muita sabedoria e há quem revele muita sabedoria, mesmo sem possuir muitos conhecimentos.

O melhor é que tudo ande harmoniosamente interligado entre informação, conhecimento e sabedoria. Nem sempre tal harmonia se consegue. Nunca desistamos, porém, de a procurar. Nunca é demais, por isso, meditar na interrogação que, há já muitos anos, Thomas Stearns Eliot nos deixou: «Onde está a sabedoria que nós perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que nós perdemos na informação?»

 

D. Antes da investigação está a contemplação

 

7. É óbvio que nem sempre perdemos sabedoria no conhecimento nem conhecimento na informação. Mas manda a verdade que reconheçamos que, às vezes, não ganhamos muita sabedoria no conhecimento nem muito conhecimento na informação. Há quem, não sabendo ler, leia melhor que muitos letrados. Não se trata de fazer a apologia da ignorância, mas de apontar para a verdadeira nascente da sabedoria.

São Paulo tem o cuidado de apontar para a «sabedoria de Deus» (1Cor 2, 7). Esta sabedoria não exclui nenhuma outra já que está na origem de toda a sabedoria. É uma sabedoria que se bebe de joelhos. É uma sabedoria que vem pela via da contemplação antes de sobrevir pela via da investigação.

 

  1. A primeira leitura, que tem o cuidado de advertir para a grandeza da sabedoria de Deus (cf. Eclo 15, 18), realça que «os Seus olhos estão postos naqueles que O temem» (Eclo 15, 19). Só com os olhos de Deus conseguiremos ver. É por isso que Deus é a raiz da Sofia e a mãe da autêntica Sabedoria.

Peçamos-Lhe, pois (como fazíamos no Salmo Responsorial), que abra os nossos olhos (cf. Sal 119, 18), que nos mostre o Seu caminho (cf. Sal 119, 33), que nos ajude a obedecer à Sua Lei e a guardá-la de todo o coração (cf. Sal 119, 34).

 

E. A comunicação de Deus é sempre verbal, embora nem sempre seja vocal

 

9. A sabedoria divina não fornece apenas a ciência; também oferece caminhos para transformar a existência. Não abandonemos a sabedoria dos livros, mas apeguemo-nos, cada vez mais, ao verdadeiro Livro da Sabedoria, que é a Palavra de Deus. Tantas são as vezes em que dizemos que Deus não fala para nós; mas será que nos estamos atentos à Sua voz? Deus está sempre a falar; nós é que raramente nos dispomos a escutar.

Deus fala na Bíblia, Deus fala na natureza, Deus fala na Igreja, Deus fala nos acontecimentos, Deus fala nas pessoas. Deus fala sempre pelo Seu Verbo, pelo Seu Verbo que Se fez carne em Jesus (cf. Jo 1, 14). Daí que a comunicação divina seja sempre verbal, embora nem sempre seja vocal. Mas é uma comunicação fortemente existencial. É uma comunicação que está na vida. Por conseguinte, aquilo que nós consideramos silêncio de Deus acaba por ser a Sua comunicação mais forte. Afinal, Deus não está mudo, nós é que parecemos surdos.

 

  1. Acolhamos Deus em cada momento, no Novo e (também) no Antigo Testamento. Jesus veio aperfeiçoar, mas não revogar (cf. Mt 5, 17). O Antigo também tem valor e, por isso, deve ser acolhido com amor. Mas o Novo é a plenitude e, nessa medida, é a maior fonte de virtude. Jesus mostra um grande discernimento, valorizando o que está bem e aperfeiçoando o que pode ser melhor. São várias as antíteses que nos aparecem neste texto, mostrando que Jesus não Se revê em todo o passado; há muito para ser modificado.

Na avaliação do antigo e na proposta do novo, Jesus é sempre o critério. É Jesus que temos de levar a sério. Jesus não quer menos que o máximo: o máximo da justiça, o máximo do amor, o máximo da perfeição. Eis a diferença que faz toda a diferença: a Sabedoria que vem de Deus não é só para mais saber; é, acima de tudo, para melhor viver!

Do blogue A Paz na Verdade

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