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A. Tantas vezes já fizemos esta pergunta
Não espanta, por isso, que esta pergunta surja frequentemente na Bíblia. De resto, pôr as pessoas as perguntar «o que devemos fazer?» é habitual em S. Lucas: aqui, no Evangelho, e também no Livro dos Actos dos Apóstolos (cf. Act 2,37; 16,30; 22,10). Tal pergunta indica uma coisa que, à partida, já é muito importante e meritória. De facto, perguntar pelo que se deve fazer sugere, pelo menos, uma abertura à proposta de salvação que vem de Deus.
Façamos, pois, esta pergunta todos os dias ao amanhecer. E procuremos responder a esta pergunta, ininterruptamente, até ao anoitecer. Não foi em vão que Martin Heidegger disse que «a pergunta é a “oração” do pensamento». É que, a partir de certas perguntas, tudo pode ser diferente, tudo pode ser melhor. Por isso, perguntemos a Deus sobre o que Ele quer que nós façamos. E, depois, não nos descuidemos de responder. Uma pergunta séria requer uma resposta séria. Pelo que de uma resposta séria a uma pergunta séria dependerá, em grande medida, a nossa salvação e a nossa felicidade.
B. Deus quer que tudo mude
3. Que havemos nós de fazer então? Que é que Deus quer que nós façamos? Esta pergunta já foi levada, há dois mil anos, a João Baptista pelas multidões, pelos publicanos e pelos soldados. Para todos — e para sempre —, a resposta é clara. Deus quer que tudo mude na nossa vida. Deus quer que tudo mude no nosso pensar, no nosso sentir e no nosso agir. Deus vem ao mundo não para que o mundo fique na mesma, mas para que o mundo fique diferente, para que o mundo seja diferente.
Acontece que o mundo só será diferente se cada pessoa que há no mundo começar a ser diferente. Daí o apelo de Gandhi: «Sê tu mesmo a mudança que queres para o mundo». E daí também o caminho para a mudança indicado por Roger Schutz: «Começa por ti». Comecemos então a mudança. Comecemos a mudança por nós. Comecemos a mudança por nós, hoje, agora, já.
A mudança não pode ser selectiva. A mudança, para ser real, tem de ser total. A conversão é para a mente e para o coração. João Baptista não dá lugar a dúvidas: é preciso partir e repartir. «Quem tem duas túnicas reparta com aquele que não tem e quem tiver alimentos proceda da mesma forma»(Lc 3, 11). Acresce que, hoje em dia, continua a haver gente sem roupa e tanta gente sem pão. Hoje em dia, Jesus continua a aparecer-nos desnudado e faminto. Há que passar de uma «economia do mero ter» a uma urgente «economia do dar, do partilhar».
C. Deus quer que haja mais misericórdia
5. E que havemos de fazer mais? Há que ser tolerante, respeitador e misericordioso. Neste início do Ano Santo da Misericórdia, é oportuno reter estas recomendações de João Baptista: «Não exijais nada além do que vos está fixado»(Lc 3, 13); «não useis de violência com ninguém nem denuncieis injustamente»(Lc 3, 14). Ou seja, tudo ao contrário do que estamos habituados a fazer.
Na verdade, não paramos de reivindicar nem cessamos de violentar. O nosso mundo é feito de palavras alteradas e de atitudes alterosas. Em suma, há um excesso de violência nas palavras e nas atitudes.
Curiosamente, só se vê misericórdia quando se dá misericórdia. A misericórdia é aquilo que só se possui quando se dá. Assim sendo, a misericórdia nunca pode ser poupada; a misericórdia tem de ser saudavelmenteesbanjada e generosamente distribuída. Porque Deus é «rico em misericórdia»(Ef 2, 4), ninguém, em nome de Deus, tem o direito de ser avarento em misericórdia.
D. O Natal é — essencialmente — a festa da misericórdia
7. O modelo da misericórdia é Deus, é o Pai. Percebe-se, por isso, que, para este Ano Santo, o Papa Francisco tenha proposto o lema «Misericordiosos como o Pai». Porque o Pai é misericordioso, cria o homem. Porque o Pai é misericordioso, envia o Seu Filho para salvar o homem (cf. Jo 3, 16). Porque o Pai é misericordioso, está sempre pronto a acolher o homem e a perdoar o homem.
O Natal celebra a imensa — e infinda — misericórdia de Deus. O que mais encanta — e permanentemente se canta — é a misericórdia de um Deus que vem ao mundo e Se faz um de nós no mundo. Em Cristo, Deus faz-Se o que nós somos. Será que nós, no mesmo Cristo, estamos dispostos a fazermo-nos o que Ele é?
Não é por acaso que o Papa Francisco se refere a Cristo como «o rosto da misericórdia do Pai». A misericórdia de Deus não é uma validação — nem um branqueamento — dos nossos frequentes descaminhos. A misericórdia não é para ficar onde estamos, mas para sair donde costumamos estar.
E. Mais misericórdia, mais alegria
9. A misericórdia de Deus desinstala-nos, torna-nos diferentes. Não é lícito invocar a misericórdia de Deus para continuar na mesma. É fundamental que recorramos à misericórdia de Deus para sermos diferente.
A misericórdia de Deus não confirma o cego na cegueira; pelo contrário, cobre-o com uma inundação de luz (cf. Mc 10, 47-52). A misericórdia de Deus também não se conforma com o pecado da pecadora: «Vai e não tornes a pecar»(Jo 8, 11). A mesma misericórdia de Deus também não se resigna à nossa situação. Na misericórdia de Deus está o segredo da nossa conversão.
Alegremo-nos, pois. Alegremo-nos sempre. Alegremo-nos porque a misericórdia de Deus nos inunda. Alegremo-nos porque o próprio Deus está próximo e porque o próprio Deus é sempre próximo (cf. Fil 4, 5). Enfim, alegremo-nos sem fim. Ou seja, alegremo-nos no Senhor (cf. Fil 4, 4). Porque só n’Ele estará sempre a nossa alegria!
Do blogue THEOSFERA