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A. Nem sempre a facilidade facilita
A esta luz, entende-se que, nos primeiros séculos, a celebração da Páscoa não precisasse de um período de preparação, além de um jejum realizado nos dois dias anteriores. Naquela altura, os cristãos viviam tão entranhadamente a vida cristã — a que nem faltava o martírio —, que não havia necessidade de um tempo especial para responder ao apelo à conversão. A adversidade aguçava a qualidade. Muitos cristãos eram perseguidos, mas, em vez de vacilar, ainda fortaleciam mais o seu compromisso com o Evangelho. Nem a iminência da morte amortecia a eminência da fé. Curiosamente, já nessa época a alegria pascal prolongava-se or 50 dias, até ao Pentecostes.
É por isso que a Quaresma é um tempo bastante propício para a celebração do Sacramento da Reconciliação. O objectivo, como se compreende, é para que nos voltemos a conciliar com a vida recebida no Baptismo. Neste sacramento, recebemos uma vida nova: deixámos de ser Adão e passámos a ser Cristo. O problema é que, como notamos por experiência própria, nem sempre vivemos em sintonia com a graça do Baptismo. No balanceamento que pauta a nossa existência, por vezes recuamos e trocamos Cristo por Adão. Daí que necessitemos de recuperar o que vamos perdendo.
B. O que o Baptismo oferece e o pecado obscurece
3. Se o pecado é grande, a graça que vence o pecado é muito maior. Se o assédio do pecado é contínuo, a presença da graça é ainda mais constante. Não existe, portanto, uma simetria entre graça e pecado. Como bem notou S. Paulo, «onde abundou o pecado, superabundou a graça»(Rom 5, 20). Afinal, o bem é mais abundante que o mal. O mérito é de Jesus Cristo que, segundo palavras de S. Pedro, «morreu pelos nossos pecados» para «nos conduzir a Deus» (1Ped 3, 18).
A Confissão é, para usar uma expressão da Liturgia, uma «segunda tábua de salvação depois do Baptismo». Com muita propriedade, os escritores cristãos antigos chamavam-lhe «Baptismo laborioso». De facto, a Confissão é como que uma extensão do Baptismo. Ela devolve a graça que o Baptismo nos oferece e que o nosso pecado obscurece. Profundo deve ser, pois, o nosso amor pela Confissão. Não há que ter medo da Confissão. Ter medo da confissão seria ter medo da vida e medo de nós. Ter medo da Confissão seria ter medo de nos conhecermos. Ter medo da Confissão seria ter medo de mudar, medo de nos convertermos.
Ele está em condições únicas para nos curar do pecado, pois até Ele foi tentado (cf. Mc 1, 13). Só em Jesus conseguiremos não cair na tentação. Só em Jesus seremos capazes de nos levantar quando cairmos na tentação.
C. A Confissão é uma cura, não uma tortura
5. Os santos cultivaram sempre um enraizado amor pela Confissão. Como eles, reconheçamos — na humildade e na verdade — que nem tudo está bem na nossa vida. E como eles, acreditemos — igualmente com humildade e com verdade — que tudo pode ser melhor na nossa história.
A Confissão ajuda-nos a perceber que toda a Quaresma é um tempo saudavelmente penitencial, o que não quer dizer que tenha de ser um tempo triste. A penitência não é umatortura, é uma cura. É por tal motivo que, enquanto tempo penitencial, a Quaresma é habitada por uma persistente alegria: pela alegria de quem se sente livre, curado, amado e salvo.
Na sua Mensagem para a Quaresma de 2015, o Papa Francisco alertou-nos para o perigo «da globalização da indiferença». Esta, a indiferença, é o oitavo pecado mortal e seguramente não menos grave que os outros sete.
D. Se cada um mudar, o mundo mudará
7. Como exorta o Santo Padre, cada um de nós «tem necessidade de renovação, para não cair na indiferença nem se fechar em si mesmo». De facto, quem se fecha a Deus, fecha-se também aos outros e quem se fecha aos outros, fecha-se também a Deus. O amor a Deus e o amor ao próximo foram intimamente vinculados por Cristo de tal forma que, como proclama S. João, quem ama a Deus também deve amar o seu irmão (cf. 1Jo 4, 21). Com os nossos gestos de partilha, compreenderemos melhor que Deus não Se conforma com a situação actual do nosso mundo. Deus não aposta na manutenção, mas na transformação.
Há, pois, uma imensa sabedoria na proposta quaresmal. A mudança no mundo tem de começar pela transformação de cada pessoa que há no mundo. Se nós não mudarmos, como poderemos esperar que o mundo mude? Razão tinha Gandhi quando aconselhava: «Sê tu mesmo a mudança que queres para o mundo».
A reflexão ajudar-nos-á a intensificar a nossa relação com Deus. E a solidariedade ajudar-nos-á a fortalecer a nossa relação com o próximo. Aqui se compendia, aliás, todo o ensinamento de Jesus. Ele fala-nos de Deus como Pai e, nessa medida, apresenta-nos cada ser humano como Irmão. É por tudo isto que a Quaresma é um precioso auxílio para escovar a poeira do egoísmo que nos infecta.
E. Até onde pode — e deve — ir o jejum
9. Juntamente com a partilha, a oração e o jejum compõem o grande tripé do itinerário quaresmal. O jejum, ao despojar-nos da satisfação do nosso apetite, despoja-nos de nós e habilita-nos para uma vida centrada em Deus e no próximo. Não fazemos nós jejum por razões egoístas? Porque é que não havemos de fazer também por razões altruístas? Se nos privamos de alimentos para manter a linha, porque é que não nos privamos de alimento para nos mantermos em linha com Jesus?
Não nos esqueçamos de que, enquanto cristãos, somos discípulos d’Aquele que jejuou durante muito tempo (cf. Mt 4, 2). O nosso jejum ajuda-nos a ver melhor a situação de quem está quase sempre em jejum, passando fome. Tenhamos presente que nos famintos é Jesus que passa fome (cf. Mt 25, 35). Tudo o que fizermos a eles será feito a Ele (cf. Mt 25, 40).
O tempo de Deus chegou. O tempo de Deus chegou. Convertamo-nos à Boa Nova!
Do blogue THEOSFERA