O burro do Alfredo é o vizinho mais próximo do cemitério. É ele que, do seu posto de trabalho, vela cada campa. É um burro sossegado, mas atento. Não se dá por ele a não ser nos funerais ou nos finados. Chegados ao cemitério, findo o canto fúnebre, o burro do Alfredo continua a salmodia na sua língua materna. É difícil manter a compostura e guardar a seriedade. O seu dono é o primeiro a desfazer-se em prantos de gargalhada contida. Já o avisei para que guarde o animal a sete chaves quando há funeral, mas o Alfredo esquece-se. É que ninguém consegue ficar-lhe indiferente numa cerimónia que exige tanto recato. Foi quando o Alfredo me contou que em tempos o padre que eu substituíra, para dar início ao ritual das exéquias e efectuar a despedida do defunto no cemitério, dado que os presentes faziam barulho inapropriado, pediu, alto e bom som, que se fizesse silêncio a fim de ele prosseguir a oração com a devida dignidade. As pessoas aceitaram o pedido e calaram-se. Nisto, o burro do Alfredo, quase em tom de gozo com o padre, abre as goelas e esboça um zurro do nunca visto. Sorriram as pessoas e conformou-se o padre, dizendo. Bem, a este não posso eu mandar calar.