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NADA FALTARÁ SE TODOS (nos) SOUBERMOS DAR (17º Domingo do Tempo Comum)

por Zulmiro Sarmento, em 26.07.15
 

A. Um só corpo no mesmo Corpo

  1. Não falta quem, como Hipócrates, reconheça que «o homem é aquilo que come». A esta luz, se na Eucaristia todos nós comemos Cristo, então podemos dizer que todos nós somos Cristo. E, de facto, ser cristão não é só seguir Cristo, ser cristão é ser Cristo. Ser cristão é acolher Cristo. Ser cristão é perceber que Cristo Se transforma em nós para que nós nos transformemos em Cristo.

Neste e nos próximos domingos, o Evangelho apresenta-nos Cristo como pão e apresenta-nos o pão como figura de Cristo. É Cristo que nos alimenta, é Cristo que sacia a nossa fome. E uma vez que é o mesmo pão que comemos, então, como exorta S. Paulo, formamos todos um só corpo (cf. Ef 4, 4).

 

  1. Toda a liturgia deste 17º Domingo do Tempo Comum se faz eco da preocupação de Deus em saciar a fome da humanidade. Não se trata apenas da fome corporal, mas de todas as fomes, incluindo também a fome espiritual, a fome de sentido, a fome de esperança, a fome de felicidade.

Mas Deus vai mais longe. Ele quer saciar a fome do homem através do homem. É através de nós que o pão tem de chegar a todos os famintos desta vida. No fundo, Deus está em quem tem fome e em quem faz tudo para saciar a fome.

 

B. Mais divisão que multiplicação

 

3. Na verdade, Deus quer contar connosco para que o Seu pão chegue a todos aqueles que têm fome de amor, de liberdade, de justiça e de paz. Na Primeira Leitura, o profeta Eliseu, ao partilhar o pão que lhe foi oferecido com as pessoas que o rodeiam, testemunha a vontade de Deus em saciar a fome do mundo. Ao mesmo tempo, insinua que Deus vem ao encontro dos necessitados mediante os gestos de partilha e de generosidade para com os irmãos. No Evangelho, Jesus apercebe-Se da fome da multidão que O segue. É aos discípulos que Ele confia a tarefa de distribuir o pão.

Na Segunda Leitura, encontramos como que os requisitos que os cristãos devem ter nesta missão de distribuir o pão. Não devemos repartir com arrogância ou qualquer complexo de superioridade. Os cristãos devem comportar-se sempre com «humildade, mansidão e paciência»(Ef 4, 2). Afinal, Deus está em todos (cf. Ef 4, 6): está em nós, que distribuímos o pão, e está também em quem tem fome de toda a espécie de pão.

 

  1. No nosso tempo, é a Igreja de Cristo que é chamada a distribuir o pão na Eucaristia e na caridade como sequência — e consequência — da Eucaristia. Ou seja, quem encontra o pão é convidado a distribuir o pão. Foi o que aconteceu aos discípulos. André encontrou alguém com cinco pães e dois peixes (cf. Jo 6, 9). E foram esses pães e dois peixes que foram distribuídos pela multidão (cf. Jo 6, 11).

A bem dizer, mais do que uma multiplicação, o que encontramos neste texto é uma divisão. É aquele pouco — cinco pães e dois peixes — que se divide por muitos e que sacia muitos. Como é possível? Na sua sabedoria simples e na sua simplicidade sábia, o povo costuma dizer que «o pouco com Deus é muito». É isto, com efeito, que se passa aqui. Jesus pega no pouco recebido do homem (cinco pães e dois peixes), «dá graças» e distribui (cf. Jo 6, 11). O nosso pouco é muito quando Deus intervém.

 

C. Os pães que são figura do Pão

 

5. Deus não quer que demos muito. Deus quer que demos tudo, ainda que o nosso tudo seja pouco. Quando damos tudo — e sobretudo quando nos damos totalmente —, deixamos de nos pertencer a nós. Passando a pertencer a Deus, aceitamos que Deus faça tudo à Sua maneira. E quando as coisas correm à maneira de Deus, ninguém passa fome, ninguém passa mal.

Não espanta que o capítulo 6 seja o capítulo eucarístico do Evangelho segundo S. João. Não tendo um relato sobre a instituição da Eucaristia, oferece-nos, aqui, uma preciosa — e deliciosa — catequese sobre o significado da Eucaristia. Jesus começa por experimentar os discípulos de ontem, como nos experimenta a nós, Seus discípulos de hoje. E o estado inicial dos discípulos é um retrato do nosso estado habitual. Vejamos, então, como tudo aconteceu e acontece.

 

  1. Na Sua passagem para o outro lado do Mar da Galileia, Jesus é acompanhado por uma numerosa multidão (cf. Jo 6, 2). Jesus sobe ao monte, senta-Se aí com os discípulos (cf. Jo 6, 3). Menciona-se também a proximidade da festa da Páscoa, enquanto festa dos judeus (cf. Jo 6, 4).

Isso, por um lado, explica que muita gente estivesse em movimento. E, por outro lado, ajuda a fortalecer a ligação entre a Páscoa e a Eucaristia. Aquela Páscoa ainda era a festa dos judeus, mas a futura Páscoa não iria ser a festa só dos judeus. Naquela Páscoa, o alimento ainda é o cordeiro ao passo que, na futura Páscoa, o alimento é o pão da vida. É esse pão que está figurado nos pães. E esse pão da vida é o próprio Jesus.

 

D. O pouco com Jesus é muito

 

7. Acontece que os discípulos ainda estavam longe de entender o que estava em causa. Jesus pergunta-lhes «onde haviam de comprar pão»(Jo 6, 5). E os discípulos têm noção de que, acima do local da compra, havia o problema do montante da compra: «Duzentos denários não bastariam para dar um pedaço a cada um»(Jo 6, 7). Sucede que um denário equivalia ao salário de um dia de trabalho, pelo que nem o dinheiro de mais de meio ano de trabalho daria para resolver o problema. Isto significa que a solução não estava no dinheiro. Era necessário procurar alternativas.

A solução para o problema não passa por comprar, mas por oferecer e repartir. É o que acontece quando André disponibiliza os cinco pães e os dois peixes que estavam nas mãos de um rapaz (cf. Jo 6, 9). Ou seja, ele sabe que a solução não passa por comprar, mas por dar. Só que também acha que se trata de uma solução insuficiente. Pouco dará para poucos. Pouca coisa dará para pouca gente (cf. Jo 6, 9).

 

  1. No fundo, André não estava longe da verdade. A solução para matar a fome não passava por comprar o que falta, mas por repartir o que se possuía. Só lhe faltava compreender que, para chegar aos outros, aquilo que possuímos tem de passar por Jesus. Antes de dar, temos de nos dar a Jesus: temos de dar tudo, temos de nos dar totalmente. Quem se dá inteiramente a Jesus, dá-se inteiramente aos outros.

Neste sentido, será bom notar que os números «cinco» (pães) e «dois» (peixes) não estão aqui por acaso. A soma de cinco mais dois dá «sete», o número que significa totalidade. Isto significa que é na partilha da totalidade do que temos — e do que somos — que ajudamos a combater as carências das pessoas. Salta à vista que Jesus não censura a posse das coisas. O que Jesus quer é que estejamos dispostos a repartir por quem não possui. Nada faltará se todos soubemos dar, se todos (nos) soubermos dar.

 

E. Deus não faz «cortes», só quer que cortemos com o egoísmo

 

9. Esta partilha do que se possui sinaliza que, em rigor, o verdadeiro proprietário de tudo é Deus. Ao «dar graças» sobre os pães e os peixes (cf. Jo 6, 11), Jesus mostra que os bens são dons que vêm de Deus. Ele é o único Senhor. O que Ele nos entrega não entrega só a nós. O que Ele nos entrega é para chegar a todos. «Dar graças» é reconhecer que os bens recebidos pertencem a todos e que quem os possui é uma espécie de administrador encarregado de os pôr à disposição de todos. Se tudo recebemos de graça, também é de graça que tudo devemos distribuir. Daí que a solução não seja comprar nem vender, mas oferecer e repartir.

Jesus manda recolher o que sobra (cf. Jo 6, 12), o que torna claro que os dons de Deus são abundantes: chegam para todos e não faltam a ninguém. Deus não é «austeritário», mas verdadeiramente generoso. Deus não faz «cortes». Deus só quer que cortemos com o egoísmo e com o calculismo.

 

  1. Jesus não quer que nada se perca (cf. Jo 6, 12). Que não se perca nenhum pão, que não se perca nenhum peixe e que não se perca sobretudo a disponibilidade para distribuir o pão e o peixe. O que não se pode jamais perder é o amor, a generosidade e a partilha. A referência aos doze cestos recolhidos (cf. Jo 6, 13) pode ser vista como uma alusão a Israel, o povo das doze tribos, e à Igreja, o povo firmado nos doze apóstolos. Se soubermos repartir o que recebemos de Deus, não haverá fome na humanidade.

É isso o que falta. É isso o que urge. É preciso aprender com Jesus. Ele não aceita que O façam rei (cf. Jo 6, 15) porque não veio para ser servido, mas para servir (cf. Mt 20, 28). O importante não é o poder, mas o serviço. É este mundo novo que não pode ser adiado. Jesus conta connosco para que esse mundo novo possa começar quanto antes. Se possível, agora!

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