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É JESUS QUE ACENDE EM NÓS A LUZ (Quarto Domingo da Quaresma)

por Zulmiro Sarmento, em 26.03.17
 

A. De Sicar para Siloé

  1. A passagem do Terceiro para o Quarto Domingo da Quaresma sinaliza a passagem de Sicar para Siloé. Se, no passado Domingo, acompanhamos o diálogo de Jesus com a Samaritana no poço de Jacob em Sicar (na Samaria), hoje ouvimos Jesus mandar um cego de nascença lavar-se na Piscina de Siloé (cf. Jo 9, 7). Siloé em hebraico diz-se «Selá», que significa «Enviado» ou «Remetente».

Esta piscina situa-se num local que fazia parte da antiga Jerusalém, a oeste do vale do Cédron e da antiga Cidade de David. Tratava-se de um receptáculo para as águas da fonte de Giom, que eram conduzidas por dois aquedutos: um canal da Idade de Bronze, descoberto em 1867,  e o chamado túnel de Ezequias, construído no tempo rei Ezequias (700 a.C.) Isaías menciona as águas desta piscina (cf. Is 8, 6; 22, 9). 

 

  1. As águas de Siloé são vistas como símbolo das águas do Baptismo. São águas que fazem ver. Jesus, depois de cuspir na terra e de fazer lama com a saliva, untou com ela os olhos do cego (cf. Jo 9, 6), mandando-o lavar-se na referida Piscina de Siloé. Ele assim fez e da piscina voltou a ver (cf. Jo 9, 7).

O que se passou com estas águas é figura do que se passa com as águas do Baptismo. São águas que trazem luz: a luz de Jesus, a luz que é Jesus. Ante a ameaça da noite (cf. Jo 9, 4), Jesus apresenta-se como luz: «Eu sou a luz do mundo» (Jo 9, 5).

 

B. Só em Jesus encontramos luz

 

3. Esta fórmula de revelação —«Eu sou» — assume um carácter identitário. Jesus é sempre luz. E tendo em conta que nós somos Seus discípulos, então também nós somos chamados a ser luz. É sumamente curioso verificar que Jesus diz dos discípulos exactamente o mesmo que diz de Si próprio: «Eu sou a luz de mundo» (Jo 9, 5); «Vós sois a luz do mundo» (Mt 5, 14).

A luz dos discípulos não é uma luz própria, mas derivada. A luz que está nos discípulos é a luz de Jesus. No Ritual do Baptismo, a luz do novo cristão é acesa na luz de Cristo, figurada no Círio Pascal. É a luz de Cristo que passa, assim, para o cristão. Pode parecer uma luz pequena (como a luz da vela que então se acende), mas é uma luz destinada a crescer e a iluminar o mundo inteiro.

 

  1. O Baptismo é, essencialmente, um mistério de iluminação. Aliás, nos começos, o banho baptismal também era chamado «iluminação». E, no processo da preparação para o Baptismo, a terceira etapa continua a ser chamada «etapa de purificação ou iluminação».

De facto, ser baptizado é ser «iluminado». Os baptizados são «iluminados» («photismoi») não por uma luz própria, mas pela luz de Cristo crucificado e ressuscitado. Se, depois da celebração do Baptismo, recaímos nas trevas, temos sempre novas oportunidades de nos reaproximar da luz. O Sacramento da Reconciliação devolve-nos a luz quando dela nos afastamos pelo pecado.

 

C. A cegueira de quem olha, mas não vê

 

5. Todavia, é preciso ter presente que as trevas têm uma força muito grande. A sua resistência à luz é muito forte. São Paulo diz para nos comportarmos como filhos da luz (cf. 5, 8) e para não tomarmos parte nas obras das trevas (cf. Ef 5, 11). Temos de contar, porém, com o contínuo assédio das trevas.

Os adversários de Jesus corporizam a obstinada resistência das trevas à luz. Há sempre quem não queira ver, mesmo quando a luz está a aparecer. O maior pecado é não querer ver quando os olhos estão abertos: «Uma vez que dizeis “nós vemos”, o vosso pecado permanece» (Jo 9, 41).

 

  1. A vida ensina-nos que não é só com os olhos fechados que estamos impedidos de ver. Mesmo com os olhos abertos, há muita coisa que não é vista, que não é sequer visível. Será que o essencial está indisponível para os nossos olhos? «O essencial — garante Saint-Exupéry — é invisível aos olhos». Em relação ao essencial, dificilmente vemos mesmo quando olhamos (cf. Mt 13, 13). Dá a impressão de que nem chegamos a cegar; parece que já nascemos cegos. No fundo, sentimo-nos cegos que, olhando, não vêem.

Se o olhar exterior é insuficiente, sobrevirá algum olhar interior que supra essa insuficiência? Haverá olhos por dentro em condições de fornecer o que os olhos de fora se mostram incapazes de oferecer? O referido Saint-Exupéry assegurava que «só se vê bem com o coração». Não espanta, por isso, que Bento XVI tenha defendido que o programa do cristão é «um coração que vê». De resto, já Santo Agostinho se apercebera de que Deus «só pode ser visto com o coração». Foi para poder ser visto também com os olhos que o Verbo Se fez carne.

 

D. «Crisma» e «Cristo»

 

7. Os adversários de Jesus não se deixaram tocar pela luz. O cego começou a ver porque foi tocado pela luz que é Jesus. Acreditar é iluminar, é passar a ver pelos olhos de Cristo. Na fé, aquele homem viu a luz ao ver Jesus. Por isso, deixou de ser cego. «Acreditas no Filho do Homem?» (Jo 9, 35) — pergunta Jesus, que acaba por responder: «Tu já O viste; é aquele que está a falar contigo» (Jo 9, 37). É interessante notar como Jesus utiliza praticamente a mesma fórmula que usara com a Samaritana, que, afinal, também esperava o Messias: «Sou Eu, que estou a falar contigo» (Jo 4, 26).

Tal como a Samaritana, também este antigo cego está «crismado». Ou seja, também ele está «ungido» pelo «Ungido». Nunca é demais recordar que «crisma» e «Cristo» têm igual significado: «crisma» significa «unção» e «Cristo» significa «ungido». No Baptismo, somos «crismados» por Cristo. Ser «cristão» é ser «crismado» (ou ungido) por Cristo.

 

  1. A primeira leitura, que conta a escolha de David para rei de Israel e a sua unção, é uma bela oportunidade para reflectirmos sobre a unção que recebemos no Baptismo e que faz de nós testemunhas da luz divina. Samuel aparece-nos com óleo para ungir (isto é, para crismar) o futuro rei de Israel (cf. 1Sam 16, 1). Neste sentido, pode dizer-se que David também é «Cristo» na medida em que também é ungido (untado e crismado) por Deus.

Já agora, esta escolha não é feita segundo os critérios humanos que costumam privilegiar os grandes. Deus, sem dar qualquer explicação, não escolhe o filho mais velho de Jessé. Pelo contrário, escolhe o mais novo, em quem ninguém apostava. Deus não olha para belos aspectos, para altas estaturas ou para outros géneros de aparências (cf. 1Sam 16, 7). Deus tem outros critérios. Deixemo-nos, então, guiar por este pastor, que nada nos deixa faltar (cf. Sam 23, 1).

 

E. A Quaresma é um tempo sério, não é um tempo triste

 

9. É neste sentido que, sendo um tempo sério, a Quaresma não é um tempo triste. Pelo contrário, é um tempo de muita alegria. Haverá alegria maior do que deixar-se guiar por Cristo? Aliás, este Domingo assinala a alegria da Quaresma. Tal como sucede no Terceiro Domingo do Advento, o Quarto Domingo da Quaresma é conhecido como o «Domingo da Alegria».

Neste caso, recebe o nome de «Domingo Laetare», imperativo do verbo latino «laetor» que significa «alegrar-se». Portanto, «laetare quer dizer «alegra-te». É assim que começa a antífona de entrada da Santa Missa de hoje: «Alegra-te, Jerusalém!» (Is 66, 10).

 

  1. É permitido usar o paramento cor-de-rosa e até houve uma altura em que este era conhecido como o «Domingo das Rosas». É que, na antiguidade, os cristãos costumavam oferecer rosas uns aos outros. O Santo Padre, no IV Domingo da Quaresma, ia à Basílica de Santa Cruz de Jerusalém, levando na mão esquerda uma rosa de ouro que sinalizava a alegria pela proximidade da Páscoa.

Que cada um de nós se alegre, então. Que cada um de nós se alegre por saber que Deus nos visita, que Deus nos acolhe. Haverá fortuna maior? Haverá sequer fortuna igual?

Do blogue Paz na Verdade

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