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Nós, seres humanos, sentimo-nos, quase sempre, representados por este grito de Cristo. Quem já não fez as perguntas que, em 2006, o Papa Bento XVI fez no Campo de Concentração de Auschwitz: «Senhor, porque é que Te silenciaste? Porque é que toleraste tudo isto?»
Parafraseando Santo Ireneu de Lyon, dir-se-ia que a realidade invisível que se vê no sofrimento do Filho é o sofrimento do Pai e a realidade visível em que se vê o sofrimento do Pai é o sofrimento do Filho. O grito de abandono desponta, por conseguinte, como um alerta para a presença silenciosa, mas não passiva, de Deus no sofrimento.
B. Deus é impassível, mas não incompassível
3. O silêncio de Deus não é mutismo nem indiferença; é uma forma sofrida de presença. Deus não precisa de ruidar para falar. Como notou Kierkegard, Deus fala mesmo quando (Se) cala. Deus fala sobretudo por gestos, por atitudes. Deus fala sobretudo pelo amor, pela doação, pela entrega.
No fundo, na Cruz, Cristo assume-Se como representante de todos os abandonados do mundo. O que Se confessa abandonado é, pois, o rosto — e a voz — de todos os que se sentem afastados. A dor que estes sentem só é aceitável «com Jesus e perto de Jesus que a sofreu por todos nós e connosco» (Joseph Ratzinger). A todos Deus quer dizer que, afinal, não estão abandonados porque Ele lhes entregou o Seu Filho como o Irmão de todos eles.
Deus não sofre por debilidade da Sua natureza, mas pela força do Seu amor. Dir-se-ia que o amor leva Deus a ir mais longe que a Sua própria natureza. Em Deus, o poder é sempre amoroso e o amor é sempre poderoso. O amor consegue tudo e, como notou Dostoiévski, «salva tudo». Daí que, na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, não estejamos perante uma força frágil, mas perante uma fragilidade forte (cf. 2Cor 12, 9).
C. Somos chamados à «teolatria», não à «dinheirolatria»
5. Torna-se, assim, claro que Deus nunca nos esquece. Ainda que uma mãe possa esquecer o seu filho, Deus nunca nos esquece (cf. Is 49, 15). Ao longo da história, Deus desvela-Se como um Pai que nos ama com amor de mãe. Deus é um pai maternal, que nos envolve permanentemente com o Seu amor. É o Seu coração que vitamina o nosso coração.
Deixemo-nos conduzir por Deus. Se estivermos atentos, facilmente concluiremos que a Liturgia deste Domingo incide não sobre o abandono, mas sobre a providência de Deus. Para connosco, Deus está costuma mais prover do que (nos) provar. E, mesmo quando nos põe à prova, nunca deixa de nos prover. É em Deus — e só em Deus — que conseguimos enfrentar todas as provas e vencer todas as provações.
Os bens materiais são para usar, não para idolatrar. Não é neles que havemos de confiar. Não são eles que dão sentido à vida. Às vezes, até contribuem para pôr em causa o sentido da vida. Nós somos chamados à «teolatria» e não à «dinheirolatria». Não é o dinheiro que devemos adorar. Adorar sempre — e só — a Deus.
D. Só em Deus descansa quem se cansa
7. O dinheiro não dá descanso, o dinheiro, muitas vezes, só cansa. Quem o não tem, não descansa enquanto não o possui. Quem já o tem, parece que não descansa enquanto não o aumenta. É bem verdade, por isso, o que diz o Salmista: «Só em Deus descansa a minha alma» (Sal 62, 6). Só n’Ele alentamos a nossa esperança.
Não admira, portanto, que Santo Agostinho tenha andado inquieto até repousar em Deus. E até o nosso Antero de Quental confessou que foi «na mão de Deus, na Sua mão direita, que repousou, afinal, o seu coração». Enfim, só em Deus descansa quem se cansa.
Assim sendo, na nossa vida coloquemos Deus no lugar que Lhe cabe: o primeiro. «Procuremos primeiro o Reino de Deus e a Sua justiça, e tudo o mais virá por acréscimo» (Mt 6, 33). É isto o que falta, é isto o que urge. Sabemos que Deus está em primeiro, mas será que damos o primeiro lugar a Deus? Ou não será que para Deus só nos viramos depois de tudo o resto?
E. Só encontra alegria quem Deus tem por companhia
9. Não esqueçamos, entretanto, o que Jesus jamais esqueceu: a justiça. O Reino de Deus é indissociável da justiça. Enquanto a justiça não vier, não virá o Reino de Deus; enquanto o Reino de Deus não chegar, a justiça não chegará. Somos indiferentes à injustiça porque ainda não estamos totalmente comprometidos com o Reino de Deus, com o projecto de Deus revelado em Jesus Cristo.
Sem o Deus da justiça e sem a justiça de Deus, haverá alegria? Nestes dias, à nossa volta, nota-se muita folia, mas será que, dentro de nós, existe uma verdadeira alegria? Ou não será que toda esta euforia por fora serve para disfarçar tantas lágrimas que chovem, convulsas, por dentro?
Não fiquemos à margem da alegria. Mas, acima de tudo, busquemo-la na sua fonte. Só encontra alegria quem Deus tem por companhia. No meio de todo este consumo, no meio de toda esta febre, só Deus torna o nosso coração alegre. A Sua alegria, que vem do fundo, é a única que tornará feliz o nosso mundo!
Do blogue Paz na Verdade