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XXII DOMINGO TEMPO COMUM – VOCAÇÃO E RADICALIDADE
Às vezez tem-se a sensação que Deus pede demais. Parece aos que mais se dão nos caminhos da fé que mais é pedido. Multiplicam-se as dificuldades, aparecem inúmeras provações, é-se confrontado com as mais diversas crises, acontecem doenças, insuficiências económicas, problemas na educação dos filhos, e chega a perguntar-se “que mal fiz eu, ó Deus, para ser tratado assim.” Teresa d’Ávila, a reformadora do Carmelo, ao referir os sofrimentos vividos por tantos dos melhores cristãos, exclamava, agora sei porque é que tens tão poucos amigos. Toda esta linguagem que humanamente se compreende, que tende a atribuir a Deus todas as coisas negativas que nos acontecem, não é porém, assim. A dor e o sofrimento estão colados à natureza humana. São o limite nascido da nossa imperfeição. O desafio está em saber pela nossa relação com Deus como suportar o sofrimento, vivê-lo e até ter capacidade para oferecê-lo. Aliás, Jesus, no mistério da crucifixão, foi o primeiro a oferecer o sofrimento pela redenção de toda a humanidade.
Ao ler o Evangelho da liturgia de hoje, compreende-se a radicalidade que é pedida a quem quer seguir Jesus Cristo até ao fim. No diálogo com os discípulos, Jesus é muito claro: se alguém quiser seguir-Me renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me” e acrescenta ainda, “quem quiser salvar a sua vida há-de perdê-la, mas quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la.” E a terminar este projecto de radicalidade chega mesmo a dizer “que importa ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua vida”. A vocação do cristão parece fácil mas não poide ficar-se em comodismos estéreis. Pedro julgava testemunhar o seu amor a Jesus convidando-O a não subir a Jerusalém, mas Jesus pediu expressamente que ele se afastasse, porque a missão que recebera do Pai, deveria ser vivida até ao fim, até à crucifixão no Calvário. A radicalidade da vida de Jesus iria projectar-se no convite à radicalidade que Jesus fazia aos seus.
Pode perguntar-se, porém, se será possível uma entrega total da vida se ela não está cimentada num grande amor. Sentiu isso já no Antigo Testamento Jeremias que diz na sua profecia, “vós me seduzistes; Senhor, e eu deixei-me seduzir; vós me dominastes e vencestes”. O profeta foi capaz de enorme sofrimento porque estava centrado num grande amor. É esta a atitude do cristão dominado pelo amor de Jesus ao segui-l’O pode viver a radicalidade em todas as expressões. É o pedido que Jesus faz aos seus discípulos que O amam e que Ele ama. S. Paulo oferece hoje uma síntese perfeita: “peço-vos irmãos, que pela misericórdia de Deus, vos ofereçais a vós mesmos como vítima santa (…) para viverdes o que é bom, o que Lhe é agradável, o eu é perfeito” (Rm 12, 1-2).
Monsenhor Vítor Feytor Pinto (in Revista LiturgiaDiária, ed. Paulus)