Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]


A alegria não pode esperar

por Zulmiro Sarmento, em 15.12.15

 

Frei Bento Domingues, O.P.   

1. Voltaram, este ano, a perguntar-me a data do nascimento de Jesus. Nestas crónicas, dei, várias vezes, para esse peditório. Já recebemos das investigações dos historiadores e dos exegetas do Novo Testamento todos os dados da questão. No entanto, ano após ano, os meios de comunicação social apresentam, como se fosse a novidade de última hora, ocultada pelas igrejas, a grande revelação: Jesus não nasceu no dia 25 de Dezembro e, do seu nascimento, não se sabe nem o ano nem o dia.

Acerca do Natal - como verdade, lenda e mito - remeto para a grande obra do rigoroso exegeta açoriano, A. Cunha de Oliveira[1].

Para os interessados, deixo aqui o resumo e a reflexão hermenêutica do grande historiador Gerd Theissen, ao concluir o seu cuidadoso estudo da estrutura cronológica da vida de Jesus[2]: Jesus nasceu antes da morte de Herodes I, isto é, entre 6/4 a.C.. Durante o governo de Pôncio Pilatos (26-36 d. C.) desenvolveu a sua breve intervenção pública. Foi executado, provavelmente, na festa da Páscoa do ano 30 d. C.. Nenhum dos juízes que o condenaram poderia sonhar que, um dia, o tempo seria contado em referência a esse cruxificado.

Esta contagem, cronologicamente imprecisa, encerra, só por si, a mensagem de que em Jesus aconteceu uma viragem na história. Para este acontecimento não importa que Jesus tenha nascido a 4 a.C. ou a 6 d.C.. Também é independente da interpretação daqueles que, durante a vida de Jesus, tudo esperaram dele. A sua mensagem e a esperança dos seus colaboradores eram escatológicas, ansiavam pelo fim dos tempos.

Se o cálculo cristão faz de Jesus o meio do tempo, isto ultrapassa o significado que o próprio Jesus deu à sua actividade. Essa nova interpretação começou, possivelmente, já no cristianismo primitivo. O evangelista Lucas fez uma narrativa da história da Igreja primitiva a seguir à descrição que apresenta do itinerário de Jesus.

Que Jesus divida o tempo é algo que pode surgir como elemento da história ou ser descrito historiograficamente. No entanto, a interpretação original continua intacta. Percebemos que existe algo em Jesus que atravessa qualquer tempo e não se deixa calcular cronologicamente.

2. A cor do Advento e da Quaresma é o roxo, um luto envergonhado porque o horizonte do Advento é o Natal e o da Quaresma, a Ressurreição. São as duas grandes festas da alegria do calendário cristão. Como a alegria não pode ser adiada, resolveram fazer um intervalo cor-de-rosa. Hoje, a palavra de ordem é esta: Alegrai-vos sempre no Senhor. Exultai de alegria: o Senhor está perto. O profeta Sofonias fez um poema magnífico para nos alegrarmos, como nos dias de festa. A Carta aos Filipenses propõe uma atitude: Seja de todos conhecida a vossa bondade; para vencer as inquietações propõe um remédio: a oração intensa em todas as circunstâncias. João Baptista é muito pragmático, mas bastante moralista. Sabe que não é ele a solução, nem as suas iniciativas. Aponta para o baptismo no Espírito Santo daquele que está para vir, mas não faz a mínima ideia do que vai acontecer e até propõe um Messias que lhe vai sair completamente às avessas. Jesus nunca será a sua cópia e ele vai ter muita dificuldade com as impensáveis inovações daquele que, durante algum tempo, foi seu discípulo.

A alegria não pode ser nem a reserva das grandes festas nem a dos Domingos cor-de-rosa. Todos os Domingos ouvimos proclamar o Evangelho como alegria, mas fazemos de conta que é apenas um ritual e não a alma da semana que começa.

Mozart tinha uma prática aconselhável: (…) nunca me deito sem pensar que, apesar de ser tão jovem, talvez já não exista no dia seguinte; no entanto, entre todos os que me conhecem, ninguém pode afirmar que eu seja pessoa de trato desabrido ou melancólico. E esta felicidade, pela qual, dia a dia, dou graças ao meu Criador. Desejo-a do coração a todos e a cada um dos meus semelhantes.

3. Quando olhamos para o ano que está a acabar só apetece pedir que acabe depressa a indefinição acerca da casa comum. É de loucos estragar a terra que nos foi dada para a melhorar, para sermos colaboradores de todas as formas de criatividade. Dizem-nos que fica muito caro. Teremos ouvido bem? Ou será que nos querem dizer que não merecemos o planeta que deveríamos ter?

Por outro lado, actuamos como se também fosse mais barata a guerra, em que nos deixamos envolver, do que a paz que nos pertence construir.

Não se pode aceitar que não haja nada a fazer. Para já, é indispensável conhecer as pessoas e grupos que pautam a sua vida, das formas mais diversas, quer na defesa da casa comum, quer nas incontáveis iniciativas de novos estilos de vida que favorecem a paz entre as pessoas, os grupos e os povos.

O Papa Francisco, goste-se ou não, é a convocatória para uma Igreja muito outra, para um mundo muito diferente. Não fica à espera da resposta. O bom humor, o riso, o carinho com todos semeiam a alegria mesmo nas situações mais insólitas.

É um possesso do Evangelho da Alegria, da misericórdia.

Público, 13.12.2015
- - - - - -

[1] A. Cunha de Oliveira, Natal, Inst. Açoriano da Cultura, 2012

[2] Gerd Theissen/Annette Merz, O Jesus histórico, Loyola, São Paulo, 2004

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 20:41



formar e informar

Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Dezembro 2015

D S T Q Q S S
12345
6789101112
13141516171819
20212223242526
2728293031



Arquivo

  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2016
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2015
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2014
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2013
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2012
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2011
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2010
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2009
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2008
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2007
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D