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De Venerável a Beata. Maria Clara do Menino Jesus. Um nome a fixar. Uma vida com o lema: "Onde houver o bem a fazer que se faça"!

por Zulmiro Sarmento, em 21.05.11

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publicado às 01:09

Muito devo como criança, adolescente, jovem e adulto, em seminarista e em sacerdote às Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição. Faço minhas as palavras abaixo proferidas...

por Zulmiro Sarmento, em 20.05.11

Homilia de D. Carlos Azevedo na vigília de preparação para a beatificação da Madre Maria Clara

 

Sinto-me muito feliz por presidir a esta vigília, que abre a preparação próxima para a festa da beatificação de Maria Clara do Menino Jesus. Pessoalmente muito devo às Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição. Fomos companheiros em muitas ações pastorais, ainda seminarista e no exercício do ministério presbiteral na diocese do Porto e, no decorrer de muitas atividades, sempre acolhido com hospitalidade fraterna nas suas casas espalhadas pelo país. Graças à fecundidade do carisma da Mãe Maria Clara muito beneficiei espiritualmente da amizade de irmãs franciscanas hospitaleiras. Caríssimas irmãs: este reconhecimento sirva de perdão se nem sempre pude corresponder ao que recebi. (O sublinhado é da minha autoria)

Preparamo-nos para reconhecer publicamente uma mulher, uma religiosa na qual transparece a ternura do Pai, onde se espelha a misericórdia revelada por Jesus, em quem o ímpeto do Espírito encontrou disponibilidade. A ternura de Deus encontra, na história, imagens vivas da sua misericórdia, da sua compaixão. Saber ser próximo é usar de misericórdia, não apenas falar de misericórdia mas fazer, usar, praticar, ligar feridas, deitar azeite e vinho, colocar na própria montada, levar para a estalagem, cuidar, gastar e partilhar bens.

Foi a cuidar dos atingidos pela epidemia que atingia Lisboa que o pai da futura Irmã Maria Clara sairia contagiado e viria a dar a vida. Com este exemplo paterno aliviar os sofrimentos dos pobres foi escola de vida.

De facto, os discursos sobre a proximidade sem gestos de ternura, sem atos de misericórdia, afastam da verdade de Deus. Só vidas carregadas de atitudes concretas como a da Mãe Maria Clara transpiram a santidade, são transparência da Trindade santíssima.

A procura da santidade corre o risco de cair em modos ilusórios e evasivos, de descambar para a satisfação de demandas emocionais, de acumular conflitos interiores, mantendo uma superficialidade de letargia mole, incapaz de dar hoje razões da esperança. A santidade patente em Maria Clara não se acomodou à situação, não se atrelou à Igreja de forma infantil, antes em atitude madura e ativa Clara não legitimou tomadas de posição anacrónicas, fora do tempo, não se fechou em casta de privilegiados, mas atirou-se ao terreno difícil, ultrapassou barreiras, que a muitos pareciam intransponíveis. Teve de sofrer perseguições logo ao nascer da congregação, aguentou longos e injustos processos judiciais, campanhas caluniosas, julgamentos precipitados de superiores da Igreja, até a tentativa de deposição de superiora. Reagia às provações com confiança, humildade e serena alegria.

A santidade não se confunde com a indiferença perante a realidade, com a insensibilidade perante os dramas humanos, não passa ao lado dos problemas para andar de bem com todos. A santidade cristã, bem visível no itinerário desta religiosa, é incompatível com comportamentos inócuos e contraproducentes, com subterfúgios alienantes.

Olhar para a vida da franciscana Irmã Maria Clara move-nos para acolher o amor do Pai, transformando efetivamente as relações sociais.

Deus não precisa de reter consagrados para si. Se os retira é para os atirar. Se os chama é para os enviar. Os verdadeiros santos são sempre sensíveis à história, solidários a partir de uma experiência profunda de Deus. O dom recebido de Deus difunde-se na experiência quotidiana junto dos irmãos. O realismo dos santos é surpreendente. Vivem com entusiasmo e disponibilidade, vivem plenamente, unem liberdade e responsabilidade para atuar nos destinos da história, sem pactuarem com fatalismos.

No mundo hodierno de gritantes injustiças, de egoísmos acumulados, de visões individualistas ou clubistas, sem largueza de horizontes; num tempo marcado pelo imediatismo, sem antevisão de futuro, ser santo traduz-se em empenho na promoção da vida dos mais débeis, na superação das desigualdades, na procura de comunhão sem exclusão de ninguém, na preocupação com o cosmos e a harmonia do universo.

Todos somos, caríssimos irmãos e irmãs, chamados à santidade no nosso lugar de vida. Os frutos da graça que o Espírito Santo produz em nós podem ser vividos de maneira muito diferente por cada um e cada uma. Importa estar atentos aos apelos de Deus, como Maria Clara, a Libânia da Quinta do Bosque, na Amadora. Após infância feliz entre os seus pais e sete irmãos, no seio de uma família profundamente cristã, é atingida pela morte dos pais e entra em contacto com várias comunidades religiosas, nas quais cresce, seja na formação, seja na abertura ao mistério amoroso de Deus. Vibra, no seu coração sensível e despojado, o seguimento livre do Senhor Jesus ao jeito de S. Francisco, na pobreza e na dedicação aos pobres. A situação de carência dos meados do século XIX, em Portugal, impele o P. Raimundo Beirão a sonhar uma congregação dedicada a curar as feridas da sociedade, como o samaritano do evangelho.

Deixai-me citar a carta da Irmã Maria da Conceição Galvão Ribeiro superiora Geral das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras: “Convivendo com uma conjuntura político-social adversa, [a Irmã Maria Clara] não esquece as obras do benfazer, nascidas do seu coração, e prossegue lutando, para que a ternura e a misericórdia de Deus continuem a ser levadas a todos os necessitados. Por isso as irmãs vão sendo enviadas a minorar carências, suavizar dores, consolar tristezas, povoar solidões: são os pobres, os aflitos, as famílias em necessidade, os doentes, os desamparados, os idosos, as crianças, os órfãos, todos… a quem chama a sua gente. De todos se faz mãe que abraça e aconchega, orienta e apoia”.

A Irmã Maria Clara fez sua a dor dos pobres, fez seu o abandono dos postos de lado, hospedou o desalento. É um grande modelo para uma corajosa intervenção social dos cristãos.

A sua ternura, bebida na fonte amorosa do Pai, nos contagie. A sua resistente e firme misericórdia, animada pelo viver em Cristo, nos mova para criarmos modos novos de servir os mais desvalidos. A sua decisão por Deus, inspirada pelo Espírito Santo, nos faça potenciadores de esperança, nesta hora.

Sejamos santos, aqui, onde o Senhor nos plantou. Sejamos santos levando a sério a forma de vida à qual fomos chamados, assumindo com liberdade e entusiasmo o que somos e aquilo que devemos realizar, operar na comunidade a que pertencemos. Seja efetivo o nosso compromisso, seja dinâmico, concreto, como a samaritana Irmã Maria Clara do Menino Jesus.

Queijas, 18 de maio de 2011
D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa

 

 

 

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publicado às 02:16

OBRIGADO. MUITO OBRIGADO. VELA PELA IGREJA E PELO MUNDO QUE TANTO AMASTE E TE OFERECESTE ATÉ O PAI TE RECEBER EM SUA CASA. TODOS VIMOS: ESTAVAS CANSADO, EXAUSTO, FERIDO, MARCADO PELO SOFRIMENTO, O EVANGELHO VIVO.

por Zulmiro Sarmento, em 01.05.11

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publicado às 00:05

João Paulo II: Caixão já foi trasladado para junto do túmulo de São Pedro

por Zulmiro Sarmento, em 30.04.11

 

Corpo vai ser exposto à veneração dos fiéis após a celebração da beatificação, no domingo

D.R.

Octávio Carmo, enviado da Agência ECCLESIA ao Vaticano

Cidade do Vaticano, 29 abr 2011 (Ecclesia) – O caixão de João Paulo II foi hoje retirado do seu túmulo e colocado junto ao de São Pedro, onde vai ficar até à manhã de domingo, anunciou o porta- voz do Vaticano.

Em conferência de imprensa, o padre Federico Lombardi referiu que os trabalhos “começaram esta manhã, por parte do pessoal da fábrica de São Pedro”, com a retirada da lápide de mármore, conservada intacta, a qual seguirá para Cracóvia, na Polónia, para ser colocada numa nova igreja, dedicada ao futuro beato.

Segundo o Vaticano, o caixão de Karol Wojtyla (1920-2005) permanecerá no piso inferior da basílica de São Pedro até ao final do rito de beatificação, sendo depois colocada à “veneração dos fiéis” em frente ao altar principal deste espaço.

Lombardi estimou que a trasladação definitiva para a capela de São Sebastião, onde o túmulo do beato João Paulo II irá ficar, tenha lugar no final da tarde da próxima segunda-feira, de forma privada, com a basílica fechada.

Esta capela fica localizada na nave da basílica do Vaticano, junto da famosa 'Pietà' de Miguel Ângelo.

Na breve cerimónia desta manhã participaram, entre outros, o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, e o secretário particular de João Paulo II, cardeal Stanislaw Dziwisz.

No caixão, além da cruz e das armas do pontificado, está uma inscrição em latim identificando João Paulo II, com uma breve síntese da sua vida, incluindo datas de nascimento e de morte, para além da duração do seu pontificado.

O programa completo das celebrações ligadas à beatificação inicia-se a 30 de abril com uma vigília ao ar livre, no Circo Máximo de Roma, momento em que haverá uma ligação em direto a cinco locais de culto dedicados à Virgem Maria, em todo o mundo, incluindo o santuário de Fátima.

A missa da beatificação decorre na praça de São Pedro, a partir das 10:00 (menos uma hora em Lisboa), podendo os fiéis entrar, livremente, a partir das 05:00.

A beatificação foi anunciada a 14 de janeiro, depois da publicação do decreto que comprovava um milagre atribuído à intercessão de João Paulo II, Karol Wojtyla (1920-2005), relativo à cura da religiosa francesa Marie Simon-Pierre, que sofria da doença de Parkinson.

OC

ECCLESIA

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publicado às 03:34

O triunfo da memória

por Zulmiro Sarmento, em 29.04.11

Apresentar João Paulo II como modelo de fé e de espiritualidade é um apelo ao essencial, ao mais íntimo, ao que moveu poderosamente esta figura da Igreja Católica num tempo difícil

D.R.

A noite de 2 de abril de 2005, na qual João Paulo II morreu, aos 84 anos de idade, foi, pessoalmente, muito longa, cheia de trabalho, de cansaço, de sentimentos que se misturavam.

Depois de vários dias a seguir o progressivo agravamento do estado de saúde do Papa polaco, o desfecho era anunciado e mais do que previsível, mas só às 21h37 de Roma é que tantos e tantos se confrontaram com o final de um percurso de vida notável.

O Papa caminhou serenamente para a hora do adeus e o mundo acompanhou-o com a sua solidariedade e oração, numa prova suprema da universalidade desta figura incontornável.

Nenhuma cara seria tão familiar, no conjunto dos cinco continentes, como a de este homem de branco que recebeu milhões de pessoas no Vaticano – seja em celebrações litúrgicas, seja em audiências públicas e privadas -, e foi ao encontro delas, nos seus países, nas suas 129 viagens fora da Itália.

Milhares de milhões habituaram-se, por outro lado, à sua presença nos meios de comunicação social e foi através dos media que acompanharam o desenrolar do estado de saúde do Papa. Mais do que nunca, João Paulo II pareceu ser um familiar de homens e mulheres de todo o mundo, que assistiram ao agravamento das suas condições e ao anúncio do seu falecimento.

Ao muito material biográfico que estava preparado, no meio da azáfama de reações e comunicados que chegavam, acrescentei uma última linha, pouco profissional, por certo: “Hoje, 2 de abril, o último gigante do nosso tempo morreu no Vaticano”. Espero que os leitores não a tenham levado a mal.

Seis anos depois, a beatificação de Karol Wojtyla é um momento de memórias, muitas, lembrando as manifestações de tristeza e homenagem que, posteriormente, se foram transformando numa festa serena.

Apresentar João Paulo II como modelo de fé e de espiritualidade não é, obviamente, um atestado de perfeição à sua vida, mas é um apelo ao essencial, ao mais íntimo, ao que moveu poderosamente esta figura da Igreja Católica num tempo difícil da história da humanidade, apesar das suas limitações e dos seus erros. E é um momento especial para aqueles que o conservam na memória, como se nunca fosse partir.

Octávio Carmo

ECCLESIA

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publicado às 10:24

Dez motivos para lembrar o Concílio Vaticano II

por Zulmiro Sarmento, em 04.04.11

 

Um leitor do “Corriere della Sera” pediu ao cardeal e arcebispo emérito de Milão, Carlo Maria Martini, “uma lista de dez motivos” pelos quais devemos estar agradecidos ao último concílio.
Martini não respondeu propriamente com uma lista, mas apontou alguns motivos. O Concílio foi óptimo e recomenda-se, defende o cardeal, contra o que constitui uma corrente não tão pequena quanto se pode supor que anda por aí a dizer que os males actuais da Igreja (incluindo a pedofilia) são consequência das alterações introduzidas por esta reunião magna dos bispos católicos.
No decorrer do Vaticano II, “sentia-se como a Igreja havia reencontrado uma linguagem simples e convincente, que falava ao coração do homem contemporâneo”, afirma Martini, que estava então na comunidade do Pontifício Instituto Bíblico (tinha 35 anos em 1962, início do Concílio; seria ordenado bispo em 1980).
Em síntese, segundo o cardeal, são estes os motivos para lembrar e continuar o Concílio:
- confiança no método histórico-crítico (de que Bento XVI desconfia nos seus livros sobre Jesus);
- melhor compreensão dos textos da liturgia
- uso das línguas vernáculas na liturgia
- encorajamento do diálogo com os cristãos não católicos e com as religiões não cristãs;
- impulso à reforma das ordens religiosas
- aprofundamento da identidade da Igreja
- reconhecimento da liberdade religiosa
- novo entendimento da presença da Igreja no mundo
São oito os motivos apontados. Concordando com todos, eu apontaria mais dois para fazer os dez: reconhecimento da identidade laical (pode estar subentendido na questão da identidade da Igreja); valorização dos meios de comunicação social (foi escrito um documento sobre o assunto, ainda que menor, o “Inter mirifica”, provocando a exclamação em Tiago Alberione, fundador da família paulina: “Agora já não podeis duvidar. A Igreja falou”).
 
A pergunta do leitor e a resposta do cardeal podem ser lidas em italiano no sítio que criou para promover o Concílio ou em português aqui.
 

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publicado às 05:22

Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa por ocasião da Beatificação do Papa João Paulo II

por Zulmiro Sarmento, em 28.03.11

 

1.    Os santos actualizam o Evangelho

No próximo dia 1 de Maio, a Igreja vai beatificar o Papa João Paulo II. A beatificação de alguém é a celebração agradecida pela vida e testemunho cristãos de um homem ou de uma mulher, proclamando a sua virtude e oficializando o seu culto público. Reconhecido o seu alto grau de santidade, isto é, provadas as suas «virtudes heróicas» e confirmadas por um milagre, a pessoa beatificada é proposta à veneração dos crentes como modelo, estímulo e intercessora junto de Deus.

Só Deus é verdadeiramente Santo. Mas todos os baptizados tornam-se «santos», como com toda naturalidade lhes chama S. Paulo nas suas cartas, por participação na vida e santidade de Cristo. No amor e na fidelidade ao Espírito Santo e à missão recebida da Igreja, a santidade original reflecte-se na santidade de carácter moral, que é um caminho feito de entrega e aperfeiçoamento espiritual no serviço de Deus e do próximo. É essa santidade que a Igreja, tantas vezes ao longo dos séculos, propõe aos contemporâneos e vindouros, como testemunho de qualidade humana e desafio de crescimento, como nos recorda o Concílio Vaticano II: «Todos os cristãos são chamados à santidade e obrigados a tender à perfeição do próprio estado de vida» (LG, 42). O viver cristão é um caminho de perfeição, que leva à felicidade verdadeira.

Cada santo, a seu modo e no seu tempo, distingue‑se pelo grau elevado da sua comunhão pessoal com Cristo, que se revela sempre de um modo único e diferente, conforme os carismas e caminhos próprios com que respondeu à graça e aos sinais dos tempos.

Ao beatificar João Paulo II, a Igreja está a sublinhar certos traços de uma santidade particular, considerando que não só merece ser conhecida e admirada, como pode ser luz que guia e estimula a prosseguir nos caminhos da conversão ao amor de Deus e do serviço aos homens e mulheres dos nossos dias.

2.    Santidade: graça e liberdade em diálogo

Todos os santos foram pessoas que se tornaram notáveis sinais da presença de Deus, pela forma como responderam aos desafios da sua época. Esses nossos contemporâneos são muitas vezes gente comum e nem sempre são logo reconhecidos como quem está reflectindo o amor de Deus. Há, certamente, inumeráveis «santos desconhecidos», fora dos catálogos oficiais. Mas, quando conhecidos, logo nos apercebemos que as suas vidas adquiriram tal elevação que podem inspirar, de modo universal, os ideais cristãos de transformação do mundo em Reino de Deus, seja qual for o tempo e a geografia.

A santidade é fruto da relação entre a Graça de Deus e a Liberdade humana. Esse diálogo, cheio de mistério e de comunhão, exige sempre mais despojamento do próprio «eu», aumentando o ânimo para agir. É próprio do amor, dado e recebido, libertar a liberdade. A pessoa assim tocada nas suas actividades e passividades revela como o amor de Deus continua actuante e actual, vindo através dela, frágil instrumento, ao encontro das alegrias e tristezas de todos os que procuram a luz, a paz e o sentido da existência.

O santo é um pecador de tal modo agraciado e libertado que se tornou para o mundo um sinal de esperança e revelação de um Deus vivo com quem se pode contar, porque Ele conta connosco.

A vida do Papa João Paulo II é, sem dúvida, um desses sinais irradiantes de esperança.

3.    Traços da santidade de João Paulo II

Entre tantas qualidades e virtudes, apontamos quatro grandes traços da personalidade e da missão do Papa João Paulo II, indicando como nele se actualizou o Evangelho de Jesus Cristo.

3.1. Homem de intensa vida interior que se comunica

Quem não se lembra do modo intenso e profundo como celebrava a Eucaristia, como se recolhia longamente em oração, onde quer que chegasse, e a devoção com que falava espontaneamente de Cristo e de Nossa Senhora?

Ao mesmo tempo, manifestava uma invulgar capacidade de comunicação pessoal, tanto diante das multidões, como em particular, atraindo magneticamente tantos jovens, entre os quais muitos que se afirmavam estar distantes da Igreja.

A 14 de Maio de 1982, no Parque Eduardo VII, em Lisboa, João Paulo II assim se dirigia aos jovens: «É sabido como sois sensíveis à tensão entre o bem e o mal que existe no mundo e em vós próprios… Contudo, caros jovens, para além destas tensões, possuís uma aptidão quase conatural para evangelizar. Porque a evangelização não se faz sem entusiasmo juvenil… sem alegria, esperança, transparência, audácia, criatividade, idealismo… Sim, a vossa sensibilidade e a vossa generosidade espontânea, a tendência para tudo o que é belo, tornam cada um de vós um aliado natural de Cristo… Só em Cristo encontrareis resposta aos próprios problemas e inquietações. E sabeis porquê: ele foi o homem que mais amou». E, no dia seguinte ao chegar a Coimbra, não hesitou em pôr aos ombros a capa preta que um estudante lhe ofereceu e, no pátio da Universidade, gritou à multidão: «Olá, malta! O Papa conta convosco! Melhor, Cristo conta convosco!».

 3.2. Profeta de audazes intervenções em nome da justiça e da paz

Nas primeiras palavras que disse ao povo reunido na Praça de S. Pedro, logo depois de ser eleito Papa, assim nos exortou: «Não tenhais medo!». E ele foi um homem sem medo, ao enfrentar muitas e difíceis situações políticas, sociais e morais, intervindo desassombradamente. Foi um homem corajosamente sem medo em relação às políticas internacionais, nomeadamente do Leste europeu. Não restam dúvidas acerca do seu papel na queda de regimes comunistas totalitários, na promoção dos direitos humanos e na defesa da vida e dos valores morais. Apontando sempre caminhos de reconciliação e paz, viajou por todo o mundo, correndo todos os riscos, na actualização da missão de Jesus Cristo, em incansáveis acções de nova evangelização.

3.3.   Servidor do amor e ternura pelos mais fracos e do perdão aos inimigos

João Paulo II manifestou sempre uma particular atenção e carinho para com as crianças, os mais pobres e frágeis. Era comovente quando, cheio de alegria e seriedade, ultrapassava o protocolo e tocava nas crianças e doentes. Mas deve sublinhar‑se aqui o gesto mais audazmente evangélico: a visita ao seu próprio agressor, na prisão, e a longa conversa que manteve com ele, num gesto ousado de perdão, repleto da compaixão de Deus amor.

 3.4.  Testemunha da alegria na saúde e na doença, com máximo respeito pela vida

Por fim, destacamos o modo humilde e sereno como encarou a sua doença, a aceitação da sua imagem desfigurada, e a própria incapacidade de falar, sem vergonha de apresentar a sua verdade publicamente, solidário com todos os que sofrem.

Lutou até ao fim sem desistir de estar presente para comunicar a fé, a certeza do amor de Deus, em todas as circunstâncias, mesmo naquelas que o mundo já não quer ver ou a que retirou a dignidade. Todas estas limitações são aceites por um homem com um passado em que cultivou a arte e o desporto, com saúde robusta e temperamento forte. Mesmo já gravemente doente e na despedida deste mundo, deu-nos eloquentes lições, como mestre e pastor até ao fim.

 4.    A santidade ao alcance de todos

O Papa, que agora vai ser beatificado, assim nos exortava numa Carta apostólica à entrada do novo milénio: «Os caminhos da santidade são variados e apropriados à vocação de cada um. Agradeço ao Senhor por me ter concedido, nestes anos, beatificar e canonizar muitos cristãos, entre os quais numerosos leigos que se santificaram nas condições ordinárias da vida. É hora de propor de novo a todos, com convicção, esta “medida alta” da vida cristã ordinária: toda a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nesta direcção» (NMI, 31). A santidade não está reservada a um grupo restrito de génios e heróis da virtude. Com a graça de Deus, está ao alcance de todos dar alta qualidade de amor à vida comum.

A beatificação do Papa João Paulo II é um chamamento e uma oferta que a Igreja faz a todos os homens e mulheres de boa vontade. Somos convidados a dar graças a Deus pela vida e acção deste Papa, por todo o bem e estímulo que nos continua a transmitir pelo seu exemplo e intercessão.

Somos também convidados a agradecer e a acolher a bondade de Deus que, mais uma vez, se revela atento às nossas necessidades e alegrias, tristezas e esperanças, suscitando sempre, no momento certo, pessoas disponíveis a apontar, de forma renovada, Jesus Cristo, caminho seguro, verdade luminosa e vida abundante.

5.    Celebração nacional em Fátima

Para além das iniciativas que as diversas comunidades cristãs acharem por bem promover, os Bispos portugueses convidam os fiéis a associar‑se à comemoração, a nível nacional, da Beatificação do Papa João Paulo II, que terá lugar em Fátima, no próximo dia 13 de Maio.

João Paulo II cultivou uma devoção autenticamente cristã a Nossa Senhora, tornando vida a sua divisa episcopal: «Totus tuus. Todo teu. Tudo o que tenho vos pertence. Sois todo o meu bem. Dai‑me o vosso coração». É considerado o Papa de Fátima, que um ano depois do atentado na Praça de S. Pedro, em Roma, a 13 de Maio de 1981, veio à Cova da Iria agradecer à Rainha da Paz o ter providencialmente sobrevivido.

Que Maria, Mãe de Deus e Mãe da Igreja, nos inspire a progredir nos caminhos da santidade, a que Deus nos chama na vida comum do nosso quotidiano. 

Fátima, 14 de Março de 2011

ECCLESIA

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publicado às 05:33

35 Anos de Bispo. Sempre no activo. Sem se deixar vencer pelo peso dos anos. De uma lucidez invejável. A sempre preciosa relíquia do Padroado do Oriente. Hoje, na Igreja-Matriz de São Mateus e Santuário do Bom Jesus, Missa de Acção de Graças.

por Zulmiro Sarmento, em 25.03.11

 

 

Dua fotos distanciadas no tempo (1976 e 2011). O mesmo Homem de sempre.

Obrigado, D. Arquimínio!

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publicado às 13:07

PAPA JOÃO PAULO II BEATIFICADO A 1 DE MAIO, DOMINGO DA DIVINA MISERICÓRDIA. UMA ALEGRIA MUITO GRANDE PARA A IGREJA E PARA O MUNDO!

por Zulmiro Sarmento, em 14.01.11

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publicado às 11:29

«Concordo e aceito um homem que viva com um homem». O bispo Januário Torgal Ferreira igual a si mesmo, sempre.

por Zulmiro Sarmento, em 09.07.10

 

No Natal, e apesar de "conhecer mal" os vizinhos, distribui postais pelas caixas de correio do prédio, no centro de Lisboa. Diz que é o único bispo "a morar num andar" e tranca-se a sete chaves em casa, mesmo de dia. "Fui assaltado, sabe? Mas só me levaram uma máquina fotográfica digital", conta, antes de nos fechar à chave dentro do apartamento. O bispo das Forças Armadas e de Segurança, D. Januário Torgal Ferreira, é assim: nunca faz cerimónias e recusa-se a fazer fretes. Vive em Lisboa há 22 anos, mas jura que ainda tem o Porto no coração. Na sala, há um quadro gigantesco com um poema de Eugénio de Andrade e várias fotografias da mãe - "uma das primeiras mulheres a formar-se em Portugal". No escritório tem pilhas de livros até ao tecto. Devem ser uma dor de cabeça para a empregada que lhe limpa a casa duas vezes por semana. D. Januário reformou--se o ano passado da vida militar e deixou de ter gabinete no Ministério da Defesa, mas ainda faltam mais de três anos para acabar o "mandato" de bispo. Provavelmente, continuará a ser inconveniente e polémico até ao fim. Defende Saramago e os homossexuais, elogia as manifestações da CGTP, critica o mediatismo da sociedade. Mas depois fala do amor e do mundo com a ingenuidade e a emoção de uma criança. O bispo das Forças Armadas vai à praia de calções e diz que se irrita com "críticas gratuitas". Aos 72 anos, confessa que odeia autobiografias: "São detestáveis. Ontem já não era eu."



Costuma googlar o seu nome?

Uma ou outra vez. A primeira foi há mais de dez anos, no estrangeiro, por sugestão de um padre meu amigo. Na altura tinha seis páginas de resultados, fiquei muito admirado. Hoje devem ser mais de 30! É uma ferramenta interessante, porque permite medir as animosidades e as simpatias que vamos suscitando. De vez em quando, lá vou ver o que se escreveu de novo. E a informação nunca se perde, eterniza-se. Por exemplo, agora com a morte do Saramago, lembrei-me das críticas que recebi na altura em que ele recebeu o Nobel...

Por causa de o ter defendido?

Sim. Quando comecei a lê-lo tive dificuldade em entrar no estilo. Não foi daquelas pessoas com quem simpatizasse muito, no início, do ponto de vista literário. Mas acabei por ir descobrindo e compreendendo a sua obra que, de facto, é genial. E isto escandalizou muitas pessoas.

Não ficou chocado quando leu o "Evangelho segundo Jesus Cristo"?

Não. A mim o que me chocou foi perceber que muita gente o atacava só por ser comunista e por não ser católico. Isso não tem nada a ver com a qualidade da sua produção literária. Nessa altura, falava--se de como ele era demoníaco por ter escrito uma obra sobre Jesus Cristo, desumanizando-o e humanizando-o ao ponto de tudo aquilo ser uma ficção, uma mentira. Era uma negação, um Cristo grotesco. Eu pensei muitas vezes: "Este homem diz-se ateu e tem expressões terríveis sobre Deus, mas ao mesmo tempo tem conceitos extremamente humanizadores quanto à figura de Cristo." Saramago não era de Deus, mas passava a vida a falar de Deus. Ele, no fundo, tinha interesse por Deus! E deve merecer respeito pelo seu ponto de vista. A única coisa que me entristece e me distancia de certas leituras é a agressão gratuita, a calúnia, o banditismo mental, a inquisição ao contrário.

Na semana passada, o "Osservatore Romano" chamava Saramago de "populista e extremista". Revê-se nisto?

[Olha para o exemplar do jornal do Vaticano que tem em cima da mesa] Eu não! Eu pensei que esse extremismo já tivesse passado, esse radicalismo. Não ficava mal mostrar alguma sensatez - mantendo a verdade - diante de uma pessoa que já cá não está para se defender. É claro que discordo de muitas interpretações de Saramago e tenho pena que ele tenha demonstrado um conjunto de desconhecimentos em relação às estruturas bíblicas, mas dou-lhe o mérito de se ter interessado por Deus. Talvez ele não gostasse que eu dissesse isto, mas não sei se esse interesse não esconderia uma grande inquietação dele, uma grande procura de Deus. Só que o procurava ao contrário. Uma coisa é a interpretação estético-literária. Outra coisa é a interpretação exegética ou espiritual. Não separar as duas vertentes mostra uma crise de cultura.

Normalmente a Igreja é um pouco inflexível nestas matérias...

O que eu acho, então, é que há uma soma de pessoas, e digo-o com respeito, que ficaram perfeitamente analfabetas, cheias de complexos, de maldade, de sensualidade, quase castradas. Quem conhece o mundo e o adora, olha-o de forma límpida e feliz. Eu dou graças à vida e aos educadores que tive, por olhar para o mundo de forma descomplexada e desinibida. É como quando me dizem: "Ah... você vai para a praia e para a piscina de calções." E então? Qual é o problema? Sou um cidadão como outro qualquer!

Mas já lhe disseram isso?

Directamente, não. Mas as pessoas encontram--me na praia. Vamos imaginar a seguinte situação: "Então você estava ali deitado, ao lado de uma rapariga a fazer topless?" E então? Que mal teria? Só um tarado é que vai para a praia pensar nessas coisas. Por vezes, a maldade está na forma como se pensa o mundo. E veja lá onde a conversa já foi parar... [risos]

Então vamos voltar ao Google. Sabe que os primeiros resultados que aparecem são coisas pouco simpáticas a seu respeito?

Não sei... hum...

Criticam-no por ser de esquerda, por exemplo...

Isso para mim até é muito simpático. Se as pessoas entenderem que ser de esquerda é falar dos problemas sociais, defender gente desempregada, demonstrar diante de sistemas governamentais a sua inutilidade, desvarios e erros... Tenho-me batido por isto e até dada altura parecia estar sozinho na luta. Fiquei contente quando ouvi, recentemente, o grande bispo do Porto, D. Manuel Clemente, falar sobre as Scut. É importante um bispo alertar para as condições sociais das populações. Foi o grito de um cidadão bom, inteligente, educado, que lança um alerta. Acho que o governo lhe devia agradecer.

Também se diz que é comunista...

Pronto. Ora aí está... As pessoas partidarizam tudo. Eu digo, realmente, que foi o Partido Comunista que devolveu a voz ao Alentejo...

Mas é?

Não. Toda a gente sabe que não tenho nenhum enquadramento partidário. Mas escolho, naturalmente, o meu voto no dia em que há eleições e sei em quem tenho votado. Ora mais à direita, ora mais à esquerda.

E ultimamente?

Nos últimos longos anos, mais à esquerda do que à direita. Mas já votei à direita. Eu não devo é entrar, publicamente, enquanto bispo, em atitudes partidárias. Já as tive, mas não como bispo. Toda a gente sabe que estive muito ligado, em tempos, a determinados aspectos da social--democracia. Dei-me muito bem com o Sá Carneiro. Mas, para mim, o espectro político não acaba aí. Desde que vim para Lisboa, comecei a ver e a descobrir os interesses, as podridões, as lutas pelo poder. Não entro em questões partidárias. Mas ponho uma tónica na doutrina social da Igreja. E hoje, mais do que nunca, fala-se do desemprego, do défice, das dificuldades e das desigualdades sociais.

Também existem essas lutas pelo poder dentro da Igreja?

Não, embora não diga que não haja diferenças dentro da Igreja. No entanto, eu às vezes até acho que somos demasiado afinados. Eu não quero a anarquia, mas...

Discute-se pouco, é isso?

Eu gostaria de ouvir outras vozes.

Recordo-me que há tempos, quando Obama esteve na China e falou dos direitos humanos, disse que um líder não pode ter medo. Considera que Cavaco Silva teve medo quando decidiu promulgar o casamento entre homossexuais?

Não o quero interpretar. Só posso interpretar o texto que ele publicou. A mim o que me impressionou negativamente nem foi o facto de ter promulgado o casamento, apesar de ser um casamento com o qual eu não concordo e que entendo como união. Fiquei, sim, muito admirado com a produção cultural insuficiente da argumentação usada: dizer que não veta por causa da situação crítica que estamos a atravessar? Mas há aqui alguma relação de causa e efeito? Vetar daria origem a manifestações gigantescas, descontentamento? Se ainda há dias houve uma manifestação espectacular, como todas as da CGTP, e Lisboa foi invadida por pessoas de todo o país, que quiseram protestar por estarem em causa o pão, os salários... Assumiram a defesa dos seus direitos... E houve alguma escaramuça? Qual mal-estar? Felizmente já demos vários passos na democracia!

O que é certo é que mesmo sendo vetada, a lei voltaria ao Parlamento e...

[Interrompe] Por isso mesmo! Ele sabia que o próprio ciclo da legalidade seria suficientemente rápido e teria um determinado efeito. Por isso, para que é que vem com uma explicação que é perfeitamente inadequada, inconveniente, injustificada e incoerente? A sério que não vejo como é que uma situação crítica do ponto de vista económico-financeiro pode ser agravada com a legalização de um homem casar com um homem ou de uma mulher com uma mulher.

Portanto, o que o aborreceu não foi a aprovação do casamento, mas sim a fraca argumentação de Cavaco Silva?

Há coisas que não se podem misturar e que eu não quero misturar. Cavaco Silva não precisava de invocar a sua posição católica a primeira vez, nem justificar se agora tem uma posição diversa, ou não. Eu faço uma análise independente das minhas convicções católicas. Não me parece que pegue, vindo de uma pessoa minimamente apetrechada do ponto de vista cultural, a explicação do senhor Presidente da República. Mas não me compete julgar. Nem analisar ou comentar.

Mas o assunto caiu mal na igreja. O cardeal-patriarca foi muito explícito nas críticas e a Igreja até estará à procura de um candidato alternativo...

Caiu mal, sim. Mas não acredito nisso de se procurarem candidatos. As pessoas sabem que, eventualmente, podendo haver um candidato à direita de Cavaco Silva... será difícil encontrar alguém capaz de o vencer. Mas isto são assuntos da política. A crítica a Cavaco Silva tem o seu fundamento. Para mim, independentemente do conteúdo - eu não concordo com a noção de casamento -, concordo e aceito um homem que viva com um homem e uma mulher que viva com uma mulher.

Isso não o choca?

É evidente que não. A atitude que tenho de ter é a respeitabilidade.

E há mesmo um guião de homilias contra Cavaco Silva?

É uma grande novidade, em absoluto, que me está a dar. Ignoro isso em absoluto.

Vai votar nele?

Vou votar naquele em que achar que devo votar.

Mas uma vez que o desiludiu...

O facto de ele ter dado uma má lição ou ter feito uma má redacção não quer dizer que eu não possa votar nele.

Como encara o movimento de gays católicos?

São pessoas que põem problemas. Eu acho que o drama de cada pessoa deve ser entendido. Nós julgamos e jogamos com generalidades. Eu despertei para este problema já há muitos, muitos anos, quando conheci um casal que já não era jovem e que me confessou, amargurado, que o filho era homossexual. E eles sofriam e diziam: "Não discriminamos o nosso filho, achamos que não é um crime." Nós podemos não aceitar nem entender que os nossos filhos sejam homossexuais, mas temos de os amar, não os podemos afugentar. E a Igreja só pode ter uma atitude: acolher, ouvir, tentar entender. Eu às vezes pergunto a colegas: "Você já alguma vez falou com um homossexual?" É que eu já e sabe o que é que vi? Uma pessoa que sofria loucamente, porque não era entendida, porque tinha uma orientação sexual que não é aceite socialmente. Alguém que se sentia só, escorraçado. Alguém que se escondia.

A Igreja acolhe os homossexuais, na verdade. Desde que não pratiquem a sua homossexualidade...

Com certeza que um casal homossexual não é um teórico, não é? E os afectos traduzem-se por essa prática, por essa fusão psíquico-afectiva da unidade misteriosa que é o ser humano.

A Igreja tem de entender isso?

Entender, sim. Sacralizar é que não - porque o amor, para a Igreja, é um sacramento, o matrimónio. Esta é uma matéria muito complexa, que tem de ser muito bem compreendida. E nenhuma instituição pode dizer se aceita ou não aceita. Cada caso é um caso.

Que opinião tem dos novos movimentos? Em Portugal, o Papa disse que são a nova Primavera da Igreja, mas depois recomendou algum cuidado aos bispos. Em que é que ficamos?

As duas coisas são compatíveis. Eu gosto dos novos movimentos. Há um ou outro mais exagerado, mas não vou mandar recados através do jornal. Na minha diocese não tenho esse problema. Mas se tivesse, chamá-los-ia e dialogaria. Há particularidades que podem chocar dentro da Igreja, por isso o mais importante deve ser criar um espírito de comunhão. E são uma Primavera, de facto. Admiro, por exemplo, os neocatecumenais, apesar das críticas, porque entregam, a partir de determinada altura, 10% do que ganham. Qual de nós é capaz de dar uma pequena parte do seu salário para os pobres e para uma obra de bem comum? Só que, de uma maneira geral, há muito o espírito de tribo e o que o Papa pediu foi que os bispos estejam atentos, no sentido de promoverem uma maior abertura.

De movimento para movimento, os ritos são muito diversificados. A longo prazo, isso não poderá pôr problemas à Igreja e causar rupturas?

Tem razão. Por isso mesmo é que o Papa pede diálogo, acompanhamento e proximidade. A convicção que tenho é que muitos movimentos estão em roda livre e alguns correm o perigo de serem uma igreja dentro da Igreja.

Tem criticado o centralismo do Vaticano. Porquê?

Julgo que deveríamos estar muito mais próximos - nós, Conferências Episcopais - e que o Vaticano nos deveria atender mais. Acho, por exemplo, que o presidente da Conferência Episcopal deveria ser uma espécie de núncio, o nosso representante muito próximo da Santa Sé.

Mas já temos um núncio...

Mas há muita gente que defende que os núncios deviam desaparecer e a ligação com Roma passar a ser feita de uma maneira muito mais próxima, através do presidente das Conferências Episcopais. Não sei se isto faz sentido ou não, mas que há centralismo, há. Roma fica longe. Devíamos estar mais perto e as nossas decisões deveriam ser mais ouvidas no Vaticano.

E existir maior liberdade para decidir?

Há um dirigismo muito grande. Por exemplo, decretou-se, no ano passado, o ano sacerdotal e decidiu-se que se iria falar sobre sacerdotes. Não poderíamos, dentro da Igreja em Portugal, decidir outra temática para cada diocese trabalhar? Às vezes, parece que vem tudo feito de Roma. Digo isto no sentido construtivo, claro. E no sentido de se aumentar a comunhão profunda com Roma.

É conhecido por dizer sempre tudo o que pensa. Diz mesmo?

Sim, sempre. Quer dizer... Agora estou a ir para velho e chega-se à conclusão de que não vale a pena gastar certas munições.

Então mas porquê? Já teve más experiências?

Não, não tive. Normalmente, digo o que penso.

Mas de certeza que já recebeu puxões de orelhas por falar de mais ou dizer coisas que não devia...

Já. De pessoas que discordam das minhas ideias. Recebo tantas cartas antipáticas! Um dia, hei-de publicá-las a todas! Não me importo, naturalmente, que existam posições diversas das minhas. Só me chateia que as pessoas deturpem o que defendo ou partam para o insulto e para a agressão gratuita.

E de dentro da Igreja?

Chamaram-me a atenção uma ou duas vezes.

A propósito de quê?

Planeamento familiar, por exemplo. Só que eu continuo a pensar o mesmo que pensava e a dizer o que dizia. O que vem provar que, da minha parte, não há a mínima hostilidade. Há uma grande comunhão e amor à Igreja e estou convicto, pela minha experiência pastoral, que aquilo que defendo será muito em breve uma realidade. Eu não aceito o dogmatismo dos métodos naturais. Por vezes, as pessoas não querem ser realistas. Mas o mais importante é que se continue sempre em grande diálogo, porque a verdade nunca se possui plenamente.

Teve um percurso académico longo, foi professor universitário, esteve muito ligado à filosofia e estudou muito. Nunca se sentiu tentado a pôr em causa alguns dogmas da Igreja?

Nunca. Pelo contrário. Quanto mais estudei, mais aumentei a minha fé e mais encontrei explicações racionais para a minha fé. Sabe qual é o grande mal no que toca à religião? Ninguém estuda nada, nem o primário. Mas toda a gente tem opiniões.

A fé cabe, então, no domínio da razão?

Fui sempre buscar à cultura filosófica razões e motivos para tornar mais lúcida a minha visão dos grandes problemas da fé. Há uma frase de Pasteur de que gosto muito: "Porque eu estudei muito, tenho a fé de um bretão. Mas se eu tivesse estudado mais, teria tido a fé de uma mulher da Bretanha" - porque a mulher é mais piedosa. Esta frase tem sido um dos grandes guias da minha vida.

 

(Rosa Ramos, Jornal «i»)

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