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Não podemos dar muito aos jovens. Mas, pelo menos, não deixemos de lhes dar esperança.
Como dizia Teilhard de Chardin, «o futuro pertencerá àqueles que derem ao mundo um pouco de esperança». Um pouco pelo menos. Um pouco de esperança já é muito.
O problema é que nem este mínimo está garantido. Há quem seja mestre na «arte» de enganar. E nem os mais inteligentes advertem o engodo.
Mas é completamente impossível enganar toda a gente durante todo o tempo.
Se repararmos bem, estamos quase sempre a pensar naquilo que nos falta. O que nos falta é, assim, aquilo que mais nos acompanha. O que nos falta torna-se, portanto, paradoxal. Por um lado, esvazia-nos. Por outro lado, preenche-nos. Sufoca-nos?
Eis o maior cancro destes tempos sombrios: a banalidade do mal. Haverá pessoas luminosas que lhe ponham fim?
Alain anotou: «Os trabalhos de estudante são provas para o carácter e não para a inteligência. Seja ortografia, versão ou cálculo, trata-se de aprender a querer». Sem carácter, nem a inteligência consegue ser inteligente.
Karl Kraus achava até que «as boas opiniões não têm valor. Depende de quem as tem». A mesma coisa afirmada por pessoas diferentes tem uma valoração distinta. Não basta invocar autoridade. É preciso revelar credibilidade. E a credibilidade não vem dos lábios. Vem da vida.
Montaigne tinha razão: «O mundo não passa de um balanço perene». Que, neste «balanceamento», nunca deixemos a verdade e que a paz nos possa visitar sempre.
Queira querer. Hoje. Agora. Já!
O novo é sempre sedutor. Mas será que é o melhor?
Eis a pergunta que urge fazer, mas que pouco se faz.
O novo é visto como sinónimo de mudança e de progresso. Nem sempre, porém.
Há valores e princípios que, vindos do passado, estão longe de estar ultrapassados.
É preciso discernir.
Há coisas que mostraram valer durante tanto tempo. Porquê descartá-las tão sumariamente?
Por vezes, a alternativa ao antigo não é o novo, mas o vazio.
Nem tudo o que vem do passado é para manter. Mas é igualmente verdade que nem tudo o que chega do passado é para eliminar.
Desconstruir por desconstruir pode trazer danos irreparáveis.
Há valores e princípios que não são antigos nem novos. São perenes.
Valem para sempre. Para hoje também!
Um convívio é bom. Um convívio com cânticos, com celebrações, com alegria é excelente. Mas não se chame a um convívio retiro. Convívio é uma coisa, excelente. Retiro é outra coisa, óptima também.
Como a própria palavra sugere, retiro implica que as pessoas se retirem dos lugares que habitualmente frequentam e dos comportamentos que habitualmente têm.
É por isso que há casas especialmente vocacionadas para isso, casas de retiro. E é por isso que o perfil de um retiro é marcado pelo silêncio, pela ausência de ruído.
Cada actividade tem a sua identidade. Participemos em tudo o que é bom. O que é bom faz bem. Mas mantenhamos a identidade de cada coisa!
Pelo que se vê, o problema tem estado no que se faz. A agir e a reagir, a atacar e a defender, não temos conseguir estancar a hemorragia de violência que se abateu sobre o mundo.
Tendo em conta que toda a vida é inviolável e que toda a pessoa é sagrada, então nenhuma vida pode ser eliminada e nenhuma pessoa poderá ser ofendida.
Os que matam invocam motivos para estar ofendidos. Os que ofendem não encontram motivos para ser mortos.
O mesmo lugar pode abrigar culturas diferentes e concepções opostas.
Há quem defenda a liberdade de ofender como uma consequência da liberdade de expressão. Podemos deslizar, porém, por um caminho sinuoso.
Se uns se exprimem ofendendo, outros tenderão a exprimir-se vingando-se da ofensa.
Se a própria vida tem um limite, como é que no decurso da vida se pode arrogar algo ilimitado?
A convivência entre pessoas terá de ser um esforço de coexistência entre liberdades.
Não é lícito que qualquer opinião seja vista como uma ofensa. Mas também não é curial que a ofensa seja olhada como mera opinião.
Entretanto, o desprezo vai cavando muitas feridas. E o ódio vai fazendo imensas vítimas…
Tento sempre tirar lições positivas ou negativas dos acontecimentos. O mundo do futebol – esse desporto que entusiasma tanta gente até ao tresloucamento de alguns – oferece lições com interesse em que vale a pena reflectir.
Há treinadores que se entregam apaixonadamente à sua missão, julgando com justiça, dando o seu saber, a sua dedicação, a presença junto da sua família e quantos outros sacrifícios, para elevar o seu clube à vitória, algumas vezes ao pódio máximo. Recebem então elogios de toda a gente ligada ao seu clube e exterior a ele. Louvores da imprensa, da direcção, dos aficionados, aplausos de todo aquele mundo.
Mas quando os resultados começam a descer, tantas vezes por motivos alheios ao treinador, a admiração por ele começa também a descer e todos esquecem as vitórias anteriores, os campeonatos ganhos, as glórias alcançadas. Tudo o vento do esquecimento levou…
Segue-se a rescisão do contrato, a despedida amarga e até o espectro cruel do desemprego. É este um retrato de todos os dias do futebol da vida.
Sempre que alguém rende na sua actividade, os êxitos são reconhecidos, apreciados e louvados.
Mas quando a idade avança, quando a saúde falha, quando o desgaste debilita, quando as circunstâncias não são favoráveis, os maus resultados são imputados ao responsável, o apreço desaparece, os valores são esquecidos e segue-se a rescisão do contrato e a despedida.
É esta incoerência injusta, que continuará a ser praticada, no mundo do futebol e fora dele, por todos quantos olham os seus colaboradores apenas pela óptica dos resultados e das vitórias…
Mário Salgueirinho
O prémio atribuído a Cristiano Ronaldo encerra alguns ensinamentos. Descontando, pois, a compreensível euforia de momentos como este, destacaria sobretudo duas importantes lições.
Em primeiro lugar, fica provado que Portugal é terra de excelência. Há portugueses que ombreiam com os melhores e que são capazes de ser, inclusive, os primeiros na sua profissão.
Num universo tão competitivo como o futebol profissional, dá que pensar ver como o melhor nasceu neste nosso país. E repare-se que foi necessário singularizar a partir de um leque vastíssimo onde a competência é muita e a competição bastante.
Ser o melhor e ser português é, por isso, uma conjugação que nos deve encher de alegria. Numa altura em que a nossa auto-estima está a cair, faz bem olhar para estes fenómenos. Também em Portugal é possível emergir o que há de melhor.
Em segundo lugar (e, talvez, este dado contraste com o anterior), fica a ideia de que o português, para singrar, tem de sair.
Se Cristiano Ronaldo não tivesse saído do Sporting, alguma vez obteria o mesmo reconhecimento? O talento seria o mesmo, mas a projecção seria igual?
Diga-se o mesmo de Luís Figo. Também ele é português. Também ele foi considerado o melhor do mundo. Mas, para isso, também ele teve de sair de Portugal.
Especulativamente, podemos conjecturar. Se o Sporting, além de formar óptimos jogadores, tivesse condições de os segurar, onde não estaria ele? Se ao talento formativo aliasse capacidade financeira, não estaríamos em presença de um potencial dominador do futebol europeu? Já viram o que seria uma equipa com Cristiano Ronaldo, Quaresma, Simão, Futre, Figo, etc.?
Se pensarmos bem, é o que se passa em vários domínios. Eduardo Lourenço é português, mas vive fora de Portugal. António Damásio é português, mas afirmou-se longe de Portugal. D. José Saraiva Martins idem.
Portugal é capaz de produzir o que há de melhor. Mas só quando se sai de Portugal é que o reconhecimento chega. Seremos melhores lá fora? Teremos de sair para ser?
Fatalidade? Não quero crer. Realidade? Sim. Realidade que importa estudar e urge superar.
Fica claro que Portugal é terra de excelência. Que nos falta para conseguirmos cá dentro o que obtemos lá fora?
Fonte: aqui
O incidente com o jornal Charlie Hebdo chocou-nos a todos e gerou uma onda de solidariedade por todo o mundo, mas também fez sair cá para fora os lugares-comuns de sempre, que em nada contribuem para o debate.
Começo com um que ouvi esta manhã de um respeitado comentador de assuntos internacionais, quando questionado sobre a importância da religião neste fenómeno do terrorismo. Resposta pronta: “Isto não tem nada a ver com a religião! Isto é terrorismo puro”.
Desculpa? Um grupo de homens que se identificam acima de tudo como muçulmanos atacam um jornal conhecido por gozar com a sua religião (entre outras), gritando palavras de ordem como “Deus é Grande” e “Vingámos o profeta” e isso não tem nada a ver com religião?
No dia seguinte outro homem que se identifica como muçulmano mata a tiro uma mulher polícia e, passadas 24 horas, entra numa loja judaica de produtos kosher onde faz reféns, e isto não tem nada a ver com religião?
Uma coisa é discutir se estes homens e os seus actos são verdadeiramente representativos da religião que dizem professar, (já lá vamos), mas dizer que isto não tem nada a ver com religião é absurdo. Claro que tem tudo a ver com religião. Pode haver outros assuntos à mistura, não nego. Pode ter a ver com imigração, com políticas de integração, com racismo, com muita coisa. A Ana Gomes até acha que a culpa é da austeridade... mas não me venham dizer que não tem nada a ver com religião.
Nunca é demais repetí-lo: A religião é um fenómeno potentíssimo, no sentido em que move o ser humano a fazer coisas de grande dimensão. Para o bem, como felizmente vemos tantas vezes em tantas pessoas fantásticas que se dão inteiramente para ajudar os seus irmãos e vizinhos, mas também para o mal, como já vimos muitas vezes na história e vimos por estes dias em Paris.
“Isto não é o verdadeiro Islão”
Antes de mais convém ver quem é que está a dizer isto.
Se for o Sheikh David Munir, como muitas vezes o faz, é uma coisa. Ele é uma autoridade na comunidade islâmica, é um conhecedor do Islão e um líder muçulmano com um longo passado de participação civil e em actos de diálogo inter-religioso. Podemos discutir com ele se tem razão ou não, mas aceito a autoridade que ele tem para dizer que o que aqueles dois irmãos fizeram não é representativo do verdadeiro Islão.
O que não aceito é que o Zé da Esquina, que aparece como convidado para falar no telejornal, mas sabe tanto sobre o Islão como eu sei sobre física quântica, diga que isto, ou qualquer outra coisa, é representativo do verdadeiro islão. Como não aceito que o diga o Obama ou o Cameron, ou o Passos Coelho, ou sequer o o Papa Francisco.
Não é representativo porquê? Acaso eles se consideram mais conhecedores dos ensinamentos islâmicos que os pregadores que radicalizaram estes e tantos outros terroristas? Sabem recitar o Alcorão? Sabem explicar as suas passagens? Sabem explicar as incongruências que existem no texto?
Não é o verdadeiro Islão porquê? Porque não vos apetece? Porque é politicamente correcto dizê-lo? Porque ouviram o Sheikh David Munir a dizê-lo? É que se for esse o caso então citem-no, mas não falem como se tivessem um pingo de autoridade para estar a dizer a dois muçulmanos qual deles é que é verdadeiro e qual é que é falso.
Eu não sei se isto é o verdadeiro Islão ou não. O que sei é que neste momento há uma divisão no interior do Islão (uma de muitas), entre as pessoas que acham que sim e as que acham que não.É um problema, e é grave, seria ingénuo negá-lo. É uma questão que mundo muçulmano tem de enfrentar e tem de tentar resolver. É um debate que tem de se travar a nível teológico e a nível filosófico, e não com slogans e frases bonitas. Não basta catalogar uma corrente como não-islâmica e esperar que desapareça. Não vai desaparecer.
“O Islão é isto mesmo”
Aqui aplica-se exactamente a mesma lógica, mas ao contrário. É isto mesmo, por alma de quem? Porque vêem alguns muçulmanos a comportarem-se assim? Então os milhares que vivem pacificamente, que defendem os seus vizinhos cristãos, que pagam impostos e não sonhariam olhar de lado para um polícia, quanto mais matá-lo a sangue frio... estão enganados?
Também aqui, não reconheço a 99% das pessoas que o dizem qualquer autoridade para o fazerem. Claro que podem ter a sua opinião, mas ninguém é obrigado a dar-lhes importância.
Mas esta frase tem uma agravante. É que enquanto a anterior corre o risco de ser demasiado ingénua, não é uma particular ameaça. Esta, pelo contrário, incita à divisão social e ao ódio e, acima de tudo, só pode servir para radicalizar ainda mais os muçulmanos que a ouvem.
Estes terroristas que atacaram o Charlie Hebdo odeiam-nos. Não odeiam só os que fazem caricaturas de Maomé, odeiam-nos a todos, as nossas religiões, o nosso estilo de vida, a nossa maneira de vestir, os nossos hábitos, a nossa democracia, os nossos valores, os nossos direitos. A pior coisa que podemos fazer, em resposta aos seus ataques, é incentivar divisão social e purgas que, levadas ao extremo, representam precisamente o mesmo que eles querem: separação, ausência de direitos e liberdades, morte e terror.
Então não podemos dizer nada?
Eu sei que custa muito, hoje em dia, assumirmos que não temos certezas, mas é um exercício de humildade que nos fica bem. Quando me pedem a opinião sobre estes assuntos eu digo sempre que não sei. Os terroristas e o Estado Islâmico representam o verdadeiros Islão? Ou são os Sheikhs David Munir e os milhares de muçulmanos, como é o caso em Portugal, que vivem a sua vida em paz, contribuem para a sociedade e não chateiam ninguém?
Não sei. Não sou muçulmano e por isso não tenho nada que opinar sobre isso, da mesma maneira que acharia de uma tremenda arrogância o Sheikh David Munir ou outro qualquer vir opinar sobre quem representa o verdadeiro Cristianismo, os católicos liberais, ou os conservadores, ou os protestantes, ou os lefebvrianos.
O que posso dizer é que sei muito bem de quais gosto mais! Disso não há a menor dúvida. Posso dizer que independentemente de quem tem razão nesse debate teológico interno, eu preferia sentar-me à mesma mesa com alguém da linha do Sheikh David Munir do que com alguém que abraça os ideias dos jihadistas. E isso já não é coisa pouca, a meu ver.
Porque aquilo que eu amo sobre a nossa sociedade e os nossos valores não são as caricaturas nojentas que jornais como o Charlie Hebdo tanto gostam de publicar, são os valores que permitem que eles o façam e que ao mesmo tempo protegem a minha liberdade de dizer que não os quero ler, não os acho piada e não quero ter nada a ver com eles. Os valores que eu amo são os que me permitem sentar à mesma mesa que um muçulmano e partir pão com ele e discutir com ele temas do Céu e da Terra, de vida ou de morte, em paz. A salvaguarda desta realidade é algo que é muito mais importante, nesta altura, do que a repetição de frases politicamente correctas, mas racionalmente ocas.
Fonte aqui