À luz do recente festival da canção, na televisão pública, e na expectativa da manifestação popular anti-poder... promovida por meios alternativos... como que somos confrontados com uma razoável inquietação: seremos, de facto/de verdade/efectivamente, um povo de estúpidos ou pacóvios, governados por ditadores democráticos e ao sabor da manipulação de certos habilidosos? Se assim for, então, já batemos (mesmo) no fundo da nossa condição social mais mínima.
- Atendendo a certas intervenções e dada a cobertura que lhes está adstrita, poderemos desconfiar que a vitória dos ‘homens da luta’ e toda a rapsódia que lhes está associada foi uma espécie de campanha de alguns sectores mais ou menos bem organizados que funcionam como lóbi... no subterrâneo da capital e, que fazem suficiente barulho, enquanto outros se calam para não sofrerem epítetos de mau gosto...
- Atendendo à promoção de figuras e figurões – muitas e muitos com razoável conotação anarco-revolucionária – quase que temos de engolir umas tantas promoções de fim de feira, quando não passam, afinal, de amostras mal amanhadas... de situacionismo para o descalabro.
- Atendendo à proliferação de indícios de certos sectores sociais, que emergem da letargia política do abstencionismo e da avalanche de desempregados ou a quem foi cortado, recentemente, o subsídio de desemprego ou o de reinserção social... vemos aparecer uma certa ‘geração à rasca’ – dizem que têm qualificação mas não profissão! – ávida de ganhar uns trocos para além de magra mesada dos pais... em cuja casa ainda vivem... quais cangurus na bolsa marsupial!
- Atendendo à crescente confusão com os números da dívida pública e dos juros cobrados a cinco ou a dez anos, bem como à negociação – talvez possa parecer mais negociata – das condições para sermos económica/financeiramente autónomos – no quadro europeu e mundial – a curto e médio prazo... ficamos baralhados com tantos messias e poucos executantes das pretensões, embora os paladinos da desgraça cresçam e enriqueçam com a nossa miséria... colectiva.
= Como nos podemos defender das tentações... do consumismo?
Segundo dados revelados esta semana as visitas e as vendas nos centros comerciais, em Portugal, caíram, em Janeiro último, cerca de onze por cento. Muitas das pessoas que deixaram de ir aos centros comerciais – sobretudo nas áreas metropolitanas das grandes cidades – evitaram assim gastar mais do que podia a sua capacidade económica. Deste modo nem a sedução do consumo consegue ainda fascinar!
Algumas das pessoas que se pronunciaram sobre o assunto reconheceram que, tendo deixado de ter dinheiro para gastar, não vão aos shoppings para não terem tentações.
Nos tempos que correm é urgente saber dizer as coisas – sobretudo as mais desagradáveis e que envolvem a bolsa e o futuro das pessoas e das famílias – com conta, peso e medida, obrigando os palradores – incluímos neste epíteto os políticos, os profissionais da comunicação social, os ministros das igrejas, os fazedores de opinião, os difusores da má língua, etc. – a serem os primeiros a cumprirem aquilo que dizem sobre os outros e para os outros ou, então, o descrédito (descalabro ou incoerência) será ainda maior.
Não há tempo a perder, pois o desfasamento entre pobres (sejam antigos, estruturais, novos ou oportunistas) e ricos (velhos, capitalistas, insensíveis ou vazios) cresce cada vez mais, gerando-se assim lastro suficiente para o surgimento, o medrar ou a afirmação de descontentamentos que só servem para acirrar os mais fracos, mas pelos quais partirá a corda na hora da derrota.
Neste tempo da Quaresma, que estamos a viver na Igreja católica, temos de aproveitar para revermos o nosso comportamento pessoal e colectivo, pois da nossa conversão depende a renovação deste mundo onde nos inserimos como sinais e instrumentos da cidade terrena, construindo já a cidade celeste.
A. Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)