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UM EXEMPLO PARA NÓS

por Zulmiro Sarmento, em 20.08.14

Coisa rara nunca vista no país dos contrastes

Na Coreia do Sul aumenta o desenvolvimento e a riqueza. Mas também cresce o número de conversões e aumenta a fé católica, uma realidade impressionante, com cerca de 100 mil baptizados por ano.
18-08-2014 18:52 por Aura Miguel
Nos países onde há dinheiro, bem-estar, avanço tecnológico e consumo, a fé cristã está em queda. Já para não falar na Europa, onde nem todos são assim tão ricos, mas cujos católicos, em geral, têm mais que fazer do que ir à missa. 

Ora, na Coreia do Sul passa-se exactamente o contrário: quanto mais cresce o país - em desenvolvimento e riqueza - mais cresce o número de conversões e aumenta a fé católica, uma realidade impressionante, com cerca de 100 mil baptizados por ano (entre crianças, jovens e adultos). 

Coisa rara e nunca vista em tempos pós-modernos. E porquê? Os bispos coreanos dizem que a “culpa” é dos milhares de mártires que, há pouco mais de 200 anos, morreram por amor a Cristo. E que agora o seu sangue derramado faz germinar novos cristãos. 

O Papa ficou impressionado com o que viu. Não só pelas multidões que participaram nas missas que celebrou, mas pelo facto de os fiéis estarem ali de alma e coração, sem perder pitada. 

Esta postura dos católicos coreanos remete para dois momentos da visita que provocam a lógica do mundo. 

Primeiro, Francisco beatificou 124 mártires e apontou-os como modelo. O quê? Mártir como modelo nos dias de hoje? Porque não disfarçar a fé e safar-se? Ou talvez condescender com os que estão contra e encontrar um meio-termo, para ficar bem visto na sociedade...? 

Segundo, Francisco visitou, sem pressa, uma casa de acolhimento para crianças gravemente doentes, com profundas deformações e deficiências, muitas delas incapazes de comunicar. Crianças abandonadas pelos pais e pela sociedade coreana que raramente adopta meninos com problemas. 

Então o Papa não tem tanta coisa para fazer? Em tão poucos dias na Coreia e uma agenda tão intensa, logo vai gastar o tempo a saudar cada uma destas crianças e carinhosamente? Podia só entrar, dar a bênção e sair. (Sabe-se lá se elas percebem). 

Uma vez mais a lógica do mundo passa ao lado deste fenómeno. A resposta, no entanto, é bem simples e atractiva, tendo sido claramente testemunhada nestes dias pelo Papa e pelos católicos coreanos. Cristo é o amor mais importante da vida.

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publicado às 16:55

O último livro do Papa

por Zulmiro Sarmento, em 11.04.11

 

Como é do conhecimento de todos, Bento XVI acaba de publicar o seu segundo livro sobre Jesus de Nazaré. Apresentado no Vaticano em 10 de Março, foi já traduzido em sete línguas, com 1 milhão e meio de exemplares adquiridos, 32 mil só em Portugal.

O lançamento do livro tem vindo a acontecer praticamente em todas as dioceses do país e do mundo, na altura em que a Igreja prepara e celebra os acontecimentos centrais da vida, da morte e da ressurreição de Jesus. E bem. Efectivamente, Joseph Ratzinger, um profundo pensador, um notabilíssimo teólogo e um conhecido apaixonado por Jesus e pela Sua Igreja, escolheu para tema do seu discurso as palavras, as atitudes e os gestos decisivos da vida de Cristo, desde a Sua entrada em Jerusalém em Domingo de Ramos até à Sua Ressurreição no Domingo de Páscoa.

Entendo que não foi na qualidade de Papa que Ratzinger escreveu o livro e abordou os acontecimentos. Foi antes como um brilhante intelectual, um homem de enorme cultura, um inquestionável amante da verdade, dotado também de uma notável capacidade de análise e de crítica. Assim sendo, qualquer pessoa com curiosidade intelectual e cultural, mesmo não crente, pode encontrar no livro inúmeras perspetivas novas na abordagem da fascinante e sempre encantadora personalidade de Jesus.
O objetivo do Papa é bem claro: ajudar todas as pessoas de boa vontade a reconhecerem e a encontrarem o Cristo histórico, que, em simultâneo, é também o Cristo da Nossa Fé e da nossa Esperança. Nas suas próprias palavras, ele pretende no livro encontrar o Jesus real, a Sua figura e a Sua mensagem, e fazer este encontro “de um modo que possa ser útil a todos os leitores que queiram encontrar também Jesus e acreditar n’Ele”.
Ao escrever este “best-seller”, o Papa pretendeu, a partir de uma análise histórica da figura humana de Jesus e usando os métodos científicos que lhe são próprios, levar-nos ao encontro do Filho de Deus que só é possível descobrir-se à luz da Fé. Conhecer e amar Jesus significa passar além dos factos narrados pelos documentos históricos, nomeadamente a Sua Vida e a Sua Morte, e percebê-los como a expressão máxima do Amor de Deus pela humanidade e como realização generosa, humilde e corajosa do plano de Deus em favor de todos nós, para nos libertar do egoísmo, da maldade e de todas as outras formas do pecado, nos dar razões de vida e nos abrir caminhos de esperança.
E isto, efectivamente, só Ele o pode fazer.
.O Papa diz também que, para conhecermos o verdadeiro Jesus, “não podemos parar a meio do trajecto”, ou seja, ficarmo-nos pelo estudo dos factos acontecidos e das palavras ditas, mas temos de prosseguir no percurso, sem desfalecermos, até chegarmos à totalidade do mistério de Cristo como Homem - Deus que é Senhor e Salvador.
Fazendo votos por uma Páscoa Feliz para todos os que me lerem, desejo em simultâneo que o livro do papa nos ajude a estabelecer com esse Jesus uma relação íntima, pessoal e profunda de amizade, inseridos com gosto e alegria nessa Igreja onde Ele mora, que Ele muito ama e pela qual deu a Vida, e a levar ao Seu encontro todos aqueles que passam à nossa porta, ou se cruzam connosco nas ruas da cidade.
Para felicidade de todos.

Resende, 27 de Março de 2011

CORREIA DUARTE
in ECCLESIA

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publicado às 04:59

Um Papa tímido e sem medo

por Zulmiro Sarmento, em 05.01.11

Não diz tudo o que pensa, mas dá a impressão que nada do que pensa fica por dizer

 

Será exagero, ou talvez não. A entrevista que Bento XVI concedeu ao jornalista Peter Seewald diz mais sobre a sua visão do mundo, da história e do hoje, que o conjunto dos seus discursos. Exprime melhor a sua fé que os seus tratados de teologia. Define melhor o homem, o padre, o cidadão e o Papa que as imagens televisivas mais próximas dos momentos solenes do Sumo Pontífice. Porquê? Porque abre o coração de Joseph Ratzinger a um olhar íntimo, não esquematizado por ele mas pelas observações e perguntas que o jornalista lhe lança, envolvendo-o sempre na sua história pessoal e não na esfinge a que muitas vezes a imagem pública o condena.

Sabendo embora que são muitas horas de diálogo, que o Papa não deixa escapar qualquer resposta impensada, que o texto foi revisto para aperfeiçoamento de algumas referências factuais, sobressai em toda a  conversa um homem que nunca separa o  seu pensamento  da sua história pessoal. Nada parte dum laboratório irreal mas duma reflexão experimentada da vida, da Igreja, de Deus, do homem, de Jesus Cristo, da história do mundo e dele próprio. Aprofunda o que pensa, deixa soltar algumas dúvidas sobre a forma de agir, exprime a sua concepção de poder enquadrado na sua actuação como Papa, pratica a colegialidade "como trabalho de equipa", mostra a importância e a limitação da Cadeira de Pedro, conversa com todo o rigor teológico e sentido pragmático. Sucede não a soberanos mas ao Pescador. Manifesta de forma luminosa a paixão de harmonizar razão e fé, não esconde alguma timidez sem qualquer tipo de medo em afirmar a verdade como obsessão. É um tímido sem medo de ninguém que até gosta dos adversários. Conhece o sofrimento e sabe que é este que tempera a alma e a desprende do relativo.

Mas diz também que não é um homem de gabinete, que conhece e acompanha o mundo, não volta a cara aos sinais dos tempos, não se conforma com a cultura que quer viver sem Deus. Propõe vigorosamente a urgência da conversão, sem qualquer azedume para com a modernidade. E, sem qualquer  tom catastrófico, admite que  a Terra corre verdadeiro risco de sobrevivência sem dar por isso.

Mais afeito às análises que às sínteses consegue derramar, nas poucas palavras que profere, todos os seus compêndios, numa espécie de oceano lógico, teológico e humano que o habita. Não diz tudo o que pensa, mas dá a impressão que nada do que pensa fica por dizer. E deixa - outro recato - o espaço aberto a quem dele discorda em qualquer matéria. Com a coragem de dizer que não é infalível.

Fascinante este horizonte de homem, crente, cristão e Papa no abrir dum novo ano. Onde se não devem esconder os medos e perturbações. Mas onde prevalece a serenidade e a esperança. De quem reconhece a medida do tempo e o afronta com a eternidade.

António Rego

 

in ECCLESIA

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publicado às 04:52

Tal e qual

por Zulmiro Sarmento, em 30.09.10

"No nosso tempo, o preço que temos de pagar pela fidelidade ao Evangelho já não é ser enforcado, desconjuntado e esquartejado; é antes, e de modo frequente, ser excluído, ridicularizado ou parodiado"

 
Bento XVI, Hyde Park, 18.Set.201

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publicado às 06:21

CARREIRISMO NA IGREJA: «Ai se eu fosse Monsenhor...», «Ai se eu fosse trabalhar para Roma...»

por Zulmiro Sarmento, em 03.07.10

O Papa condena energicamente o (diabólico) carreirismo no clero

“O Papa têm vindo a denunciar energicamente o carreirismo na Igreja, desde que foi eleito e parece que muito poucos o tem escutado e seguido as suas pisadas. Digam-me o que já fizemos para que essa "pecha" não continue a destruir as relações fraternas no seio do presbitério? Será que estas palavras do Papa são para levar a sério?!!! Está na hora de os Senhores Bispos procurarem, por palavras e obras, seguir as pegadas do Pastor e discernirem como é urgente acabar com o "carreirismo" no seio da Igreja.
Quem sugere medidas?
Quem aspira ao sacerdócio para um crescimento do seu próprio prestígio pessoal e do próprio poder compreendeu mal na raiz o sentido deste ministério”.

“O sacerdócio nunca pode representar uma maneira de atingir a segurança na vida ou de conquistar para si uma posição social”. A ambição e o sucesso fazem com que o padre seja “sempre escravo de si mesmo e da opinião pública”. “Para ser considerado deverá adular; terá de dizer aquilo que a gente quer ouvir; terá de se adaptar às modas e às opiniões e assim privar-se-á da relação vital com a verdade, reduzindo-se a condenar amanhã aquilo que terá louvado hoje”.

“Um padre que veja nestes termos o próprio ministério, não ama verdadeiramente Deus e os outros, mas apenas a si mesmo e paradoxalmente acaba por se perder a si mesmo”.

Fonte: Agência Ecclesia

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publicado às 06:16

Santo António nas palavras de Bento XVI

por Zulmiro Sarmento, em 13.06.10

Catequese sobre o Santo português, um dos «mais populares de toda a Igreja Católica»

 

Gostaria de falar de outro santo pertencente à primeira geração dos Frades Menores: António de Pádua ou, como é também chamado, de Lisboa, referindo-se à sua cidade natal.

Trata-se de um dos santos mais populares de toda a Igreja Católica, venerado não só em Pádua, onde foi construída uma maravilhosa Basílica que conserva os seus despojos mortais, mas em todo o mundo. São queridas aos fiéis as imagens e as imagens que o representam com o lírio, símbolo da sua pureza, ou com o Menino Jesus no colo, em recordação de uma milagrosa aparição mencionada por algumas fontes literárias.

António contribuiu de modo significativo para o desenvolvimento da espiritualidade franciscana, com os seus salientes dotes de inteligência, equilíbrio, zelo apostólico e, principalmente, fervor místico.

Nasceu em Lisboa numa família nobre, por volta de 1195, e foi baptizado com o nome de Fernando. Uniu-se aos cónegos que seguiam a regra monástica de Santo Agostinho, primeiro no mosteiro de São Vicente em Lisboa e, sucessivamente, no da Santa Cruz em Coimbra, famoso centro cultural de Portugal.

Dedicou-se com interesse e solicitude ao estudo da Bíblia e dos Padres da Igreja, adquirindo aquela ciência teológica que fez frutificar na actividade do ensino e da pregação. Aconteceu em Coimbra o episódio que contribuiu para uma mudança decisiva na sua vida: ali, em 1220 foram expostas as relíquias dos primeiros cinco missionários franciscanos, que tinham ido a Marrocos, onde encontraram o martírio.

A sua vicissitude fez nascer no jovem Fernando o desejo de os imitar e de progredir no caminho da perfeição cristã: então, pediu para deixar os Cónegos agostinianos e para se tornar Frade Menor. O seu pedido foi aceite e, tomando o nome de António, partiu também ele para Marrocos, mas a Providência divina dispôs de outro modo.

Após uma doença, foi obrigado a partir para a Itália e, em 1221, participou no famoso "Capítulo das Esteiras" em Assis, onde encontrou também São Francisco. Em seguida, viveu algum tempo no escondimento total num convento de Forli, no norte da Itália, onde o Senhor o chamou para outra missão.

Enviado, por circunstâncias totalmente casuais, a pregar por ocasião de uma ordenação sacerdotal, mostrou ser dotado de ciência e eloquência, e os Superiores destinaram-no à pregação.

Começou assim na Itália e na França, uma actividade apostólica tão intensa e eficaz que induziu muitas pessoas que se tinham afastado da Igreja a reconsiderar a sua decisão. António foi também um dos primeiros mestres de teologia dos Frades Menores, ou até o primeiro.

Iniciou o seu ensino em Bolonha, com a bênção de São Francisco, o qual, reconhecendo as virtudes de António, lhe enviou uma breve carta, que iniciava com estas palavras: "Agrada-me que ensines teologia aos frades".

António lançou as bases da teologia franciscana que, cultivada por outras insignes figuras de pensadores, teria conhecido o seu ápice com São Boaventura de Bagnoregio e com o beato Duns Escoto.

Tornando-se Superior dos Frades Menores da Itália setentrional, continuou o ministério da pregação, alternando-o com as funções de governo. Concluído o cargo de Provincial, retirou-se para perto de Pádua, aonde já tinha ido outras vezes. Após um ano, faleceu nas portas da cidade, a 13 de Junho de 1231.

Pádua, que o tinha acolhido com afecto e veneração durante a vida, tributou-lhe para sempre honra e devoção. O próprio Papa Gregório IX, que depois de o ter ouvido pregar o tinha definido "Arca do Testamento", canonizou-o só um ano depois da morte, em 1232, também após os milagres que se verificaram por sua intercessão.

Sermões

No último período de vida, António pôs por escrito dois ciclos de "Sermões", intitulados respectivamente "Sermões dominicais" e "Sermões sobre os Santos", destinados aos pregadores e aos professores dos estudos teológicos da Ordem franciscana.

Nestes Sermões ele comentava os textos da Escritura apresentados pela Liturgia, utilizando a interpretação patrístico-medieval dos quatro sentidos, o literal ou histórico, o alegórico ou cristológico, o antropológico ou moral, e o analógico, que orienta para a vida eterna.

Hoje redescobre-se que estes sentidos são dimensões do único sentido da Sagrada Escritura e que é justo interpretar a Sagrada Escritura procurando as quatro dimensões da sua palavra. Estes Sermões de Santo António são textos teológico-homiléticos, que reflectem a pregação bíblica, na qual António propõe um verdadeiro itinerário de vida cristã.

É tanta a riqueza de ensinamentos espirituais contida nos "Sermões", que o Venerável Papa Pio XII, em 1946, proclamou António Doutor da Igreja, atribuindo-lhe o título de "Doutor evangélico", porque desses escritos sobressai o vigor e a beleza do Evangelho; ainda hoje os podemos ler com grande proveito espiritual.

Nestes Sermões Santo António fala da oração como de uma relação de amor, que estimula o homem a dialogar docilmente com o Senhor, criando uma alegria inefável, que suavemente envolve a alma em oração.

António recorda-nos que a oração precisa de uma atmosfera de silêncio que não coincide com o desapego do rumor externo, mas é experiência interior, que tem por finalidade remover as distracções causadas pelas preocupações da alma, criando o silêncio na própria alma.

Segundo o ensinamento deste insigne Doutor franciscano, a oração é articulada em quatro atitudes indispensáveis que, no latim de António, são assim definidas: obsecratio, oratio, postulatio, gratiarum actio. Poderíamos traduzi-las do seguinte modo: abrir com confiança o próprio coração a Deus; é este o primeiro passo do rezar, não simplesmente colher uma palavra, mas abrir o coração à presença de Deus; depois, dialogar afectuosamente com Ele, vendo-o presente comigo; e depois muito natural apresentar-lhe as nossas necessidades; por fim, louvá-lo e agradecer-lhe.

Caridade

Deste ensinamento de Santo António sobre a oração captamos uma das características específicas da teologia franciscana, da qual ele foi o iniciador, isto é, o papel atribuído ao amor divino, que entra na esfera dos afectos, da vontade, do coração, e que é também a fonte da qual brota uma consciência espiritual, que supera qualquer conhecimento. De facto, amando, conhecemos.

Escreve ainda António: "A caridade é a alma da fé, torna-a viva; sem o amor, a fé esmorece" (Sermomes Dominicales et Festivi II, Messaggero, Pádua 1979, p. 37).

Só uma alma que reza pode realizar progressos na vida espiritual: é este o objecto privilegiado da pregação de Santo António. Ele conhece bem os defeitos da natureza humana, a nossa tendência a cair no pecado, e portanto exorta a continuar a combater a inclinação da avidez, do orgulho, da impureza, e a praticar as virtudes da pobreza e da generosidade, da humildade e da obediência, da castidade e da pureza.

No início do século XIII, no contexto do renascimento das cidades e do florescer do comércio, crescia o número de pessoas insensíveis às necessidades dos pobres. Por este motivo, António convidou várias vezes os fiéis a pensar na verdadeira riqueza, a da cruz, que tornando bons e misericordiosos, faz acumular tesouros para o Céu. "Ó ricos assim exorta ele tornai-vos amigos... dos pobres, acolhei-os nas vossas casas: serão depois eles, os pobres, quem vos acolherão nos eternos tabernáculos, onde há a beleza da paz, a confiança da consciência, a opulenta tranquilidade da eterna saciedade" (Ibid., p. 29).

Não é porventura este, queridos amigos, um ensinamento muito importante também hoje, quando a crise financeira e os graves desequilíbrios económicos empobrecem não poucas pessoas, e criam condições de miséria?

Na minha Encíclica Caritas in veritate recordo: "A economia tem necessidade da ética para o seu correcto funcionamento não de uma ética qualquer, mas de uma ética amiga da pessoa" (n. 45).

Crucifixo

António, na escola de Francisco, coloca sempre Cristo no centro da vida e do pensamento, da acção e da pregação. Esta é outra característica típica da teologia franciscana: o cristocentrismo. Ela contempla benevolamente, e convida a contemplar, os mistérios da humanidade do Senhor, o homem Jesus, de modo particular, o mistério da Natividade, Deus que se fez Menino, se entregou nas nossas mãos: um mistério que suscita sentimentos de amor e de gratidão para com a bondade divina.

Por um lado a Natividade, ponto central do amor de Cristo pela humanidade, mas também a visão do Crucifixo inspira em António pensamentos de reconhecimento para com Deus e de estima pela dignidade da pessoa humana, de modo que todos, crentes e não-crentes, possam encontrar no Crucificado e na sua imagem um significado que enriquece a vida.

Escreve Santo António: "Cristo, que é a tua vida, está pendurado diante de ti, para que tu olhes para a cruz como para um espelho. Nela poderás conhecer quanto mortais foram as tuas feridas, que nenhum remédio teria podido curar, a não ser o do sangue do Filho de Deus. Se olhares bem, poderás dar-te conta de como são grandes a tua dignidade humana e o teu valor... Em nenhum outro lugar o homem pode aperceber-se melhor do seu valor, a não ser olhando para o espelho da cruz" (Sermones Dominicales et Festivi III, pp. 213-214).

Meditando estas palavras podemos compreender melhor a importância da imagem do Crucifixo para a nossa cultura, para o nosso humanismo nascido da fé cristã. Precisamente olhando para o Crucifixo vemos, como diz Santo António, como é grande a dignidade humana e o valor do homem.

Em nenhum outro ponto se pode compreender quanto o homem vale, precisamente porque Deus nos torna tão importantes, nos vê tão importantes, que somos, para Ele, dignos do seu sofrimento; assim, toda a dignidade humana aparece no espelho do Crucifixo e olhar em sua direcção é sempre fonte do reconhecimento da dignidade humana.

 

Queridos amigos, possa António de Pádua, tão venerado pelos fiéis, interceder pela Igreja inteira, e sobretudo por aqueles que se dedicam à pregação; oremos ao Senhor para que nos ajude a aprender um pouco desta arte de Santo António.

Os pregadores, inspirando-se no seu exemplo, tenham a preocupação de unir doutrina sólida e sã, piedade sincera, incisiva na comunicação. Neste Ano sacerdotal, rezemos para que os sacerdotes e os diáconos desempenhem com solicitude este ministério de anúncio e de actualização da Palavra de Deus aos fiéis, sobretudo através das homilias litúrgicas. Sejam elas uma apresentação eficaz da eterna beleza de Cristo, precisamente como António recomendava: "Se pregas Jesus, Ele comove os corações duros; se o invocas, alivia das tentações amargas; se o pensas, ilumina o teu coração; se o lês, sacia-te a mente" (Sermones Dominicales et Festivi III, p. 59).

(Audiência geral de 10 de Fevereiro de 2010.Títulos da nossa responsabilidade)

in ECCLESIA   

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publicado às 07:05

Bento XVI em Portugal - O Papa da serenidade e da firmeza

por Zulmiro Sarmento, em 04.06.10

O Papa Bento XVI que tem sido contestado por muitos numa comparação com o grande amigo e santo que foi João Paulo II, fez em Portugal uma caminhada de 4 dias tendo conquistado a alma do povo português e connosco aprendeu a sorrir e exprimir aquela serenidade reveladora dum homem de profunda espiritualidade, super inteligente, tímido mas afável, prudente, cordial e mais próximo do povo, quebrando algumas
vezes o protocolo para se aproximar da multidão. Isso tenho constatado nas cinco vezes que me encontrei em Roma em audiências. Sempre me impressionou.

Na viagem de regresso a Roma mandou o seguinte telegrama a Sua Excia o Presidente da República Aníbal Cavaco Silva: "Ao deixar o espaço português, venho renovar-lhe a deferente saudação e cordial gratidão pelo acolhimento fidalgo que me reservou e pela solicitude do Governo em assegurar tranquila realização desta minha visita a Portugal, com ponto alto em Fátima, onde pude ajoelhar aos pés de Nossa Senhora,
depondo no seu coração materno aflições e esperanças da família humana inteira e de modo especial do dilecto povo português sobre cujo presente e futuro invoco a luz protectora de Deus com propiciadora Bênção Apostólica. Benedictus PP XVI".

No dia 16 de Maio falando a meio milhão de peregrinos renidos na Praça de S. Pedro confessou: "Foi emocionante para mim ver, em Fátima, a imensa multidão que na escola de Maria rezou pela conversão dos corações" e agradeceu à Virgem Maria que pôde venerar no Santuário de Fátima.
Ainda no avião Bento XVI falou da pedofilia que tem afectado a Igreja Católica sublinhando que a " maior perseguição à Iggreja" não vem de "inimigos de fora, mas nasce do pecado da Igreja". Daí a necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purificação, de implorar perdão". Como disse o Padre Anselmo Borges "Bento XVI há algum tempo que tem assumido uma tomada de posição muito forte contra a pedofilia
na Igreja".

No Terreiro do Paço, em Lisboa, recordou o nome de alguns santos, como o grande missionário São João de Brito, e o papel dos portugueses na evangelização e deixou um convite a fazerem agora a evangelização na Europa ""Hoje, participando na Comunidade Europeia, levai o contributo da vossa identidade cultural e religiosa", "cada mulher e homem cristão tem de ser uma presença irradiante da perspectiva evangélica
no meio do mundo, na família, na cultura, na economia e na política".
Foi um desafio a todos e especialmente aos jovens. Estes foram acompanhando e ovacionando o Papa ao longo da sua visita e decobriram um homem tímido mas bondoso. Firme e apelativo: "A prioridade pastoral hoje é fazer de cada mulher e homem cristão uma presença irradiante da perspectiva evangélica no meio do mundo", afirmou.
Aos homens da cultura , no CCB, disse: "fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza".

Mas o Papa veio como peregrino de Fátima. Ajoelhou aos pés da Virgem e rezou por Portugal e pelo mundo inteiro que precisa de respeitar os verdadeiros valores e a dignidade da pessoa humana. "Venho como peregrino de Nossa Senhora de Fátima, investido pelo alto na missão de confirmar os meus irmãos que avançam na sua peregrinação a caminho do céu".
No Santuário rezou com meio milhão de pessoas.
A todos os cristãos exortou: "Não tenhais medo de falar de Deus e de ostentar sem vergonha os sinais da fé, fazendo resplandecer aos olhos dos vossos contemporâneos a luz de Cristo".
Aos Bispos disse que o tempo actual exige "um novo vigor missionário dos cristãos, chamados a formar um laicado maduro, identificado com a Igreja, solidário com a complexa transformação do Mundo"
Aos cerca de oito mil padres, diáconos e seminaristas deixou pedidos de fidelidade, castidade, pobreza e obediência. E não se pode esquecer que "a fidelidade à própria vocação exige coragem e confiança".
Com as organizações da pastoral social, louvou a acção caritativa da Igreja no país e as iniciativas que lutem contra as condições socioeconómicas que levam ao aborto e falou da necessidade de avançar com acções que respeitem os valores da família, "fundada sobre o matrimónio indissolúvel de um homem com uma mulher". For forte. Como
disse Eugénio da Fonseca, Presidente da Caritas Portuguesa: "Foi forte, mas ele ?~e assim mesmo: nunca vira a cara à verdade e à defesa da vida em todas as suas dimensões".

No Porto, uma multidão de cerca de 150 mil pessoas encheu a Avenida dos Aliados. O tema da homilia foi o da missão, numa diocese que se encontra a viver a Missão 2010 que quer dinamizar os católicos da diocese. E sublinhou: "é necessário que vos torneis comigo testemunhas da ressurreição de Jesus. Na realidade, se não fordes vós
as suas testemunhas no próprio ambiente, quem o será em vosso lugar?"
Antes de regressar a Roma, numas palavras de agradecimento, que a todos sensibilizaram, afirmou: "Levo guardada na alma a cordialidade do vosso acolhimento afectuoso, a forma tão calorosa e espontânea como se cimentaram os laços de comunhão com os grupos humanos com quem pude contactar".

O Presidente Cavaco Silva, que acompanhou o Papa Bento XVI durante toda a sua visita, disse que os portugueses: "nele encontraram a bondade humana, o carisma sereno, a profundidade de pensamento, a fortaleza de ânimo, sinais inspiradores num tempo de grandes desafios como aquele que atravessamos. Portugal despede-se de vós revigorado
pela mensagem de Esperança e confiança que nos deixais".

Temos de remar contra o pessimismo daqueles que só vêem no horizonte o "Inverno da Igreja". Há que confiar na "Primavera", surgida nas "novas comunidades eclesiais" sob o "sopro" do Espírito, que vão rejuvenescendo a Igreja. Ficou connosco a imagem do Papa Bento XVI que é, no dizer de Rui Osório "activo na contemplação e contemplativo na acção. Mesmo na celebração da Eucaristia privilegia o silêncio e a
escuta".
Veio desconhecido e foi mais conhecido, o homem da serenidade, de inteligência profunda, bondoso, mais próximo do povo. E que gostaria de voltar nos 100 anos das Aparições, se lhe fosse possível.
Merece um caloroso elogio D. Carlos Azevedo e todos aqueles que com ele colaboraram para esta peregrinação fosse um êxito mediático e na dimensão dum aprofundamento da fé da vida cristã no povo português, na Europa e no Mundo. Para todos o Papa falou. Como diz D. Bruno Forte: "Sem Deus o homem está à beira do abismo". A práxis o demonstra. Cada vez estamos mais perto. A voz do Papa é sempre um alerta para arrepiar caminho.

Armando Soares
Padre e Jornalista CP. 6100

 

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publicado às 07:00

Bento XVI em Portugal – 2 Diário de Notícias de Sábado, 29 de MAIO de 2010 pelo padre e professor de Filosofia na Universidade de Coimbra

por Zulmiro Sarmento, em 01.06.10

É possível fazer um balanço da viagem do Papa? O que aí fica não passa de breve tentativa. 1. Quem é que nos visitou? Um Papa que é um intelectual afamado, reconhecido por crentes e não crentes. Foi um dos peritos do Concílio Vaticano II.

Amigo do colega teólogo Hans Küng, seguiram caminhos diferentes a partir de 1968. Quando viu a ameaça do radicalismo ateu dos estudantes de Teologia, que consideravam a cruz uma "expressão da adoração sadomasoquista da dor" e o Novo Testamento um "meio de enganar as massas", deixou a Universidade de Tubinga e foi para Ratisbona. Hans Küng escreveu nas suas Memórias: "Ratzinger rejeitou totalmente aquele caos de 1968 e creio que foi esse o ponto decisivo da sua mudança para uma orientação conservadora."

2. A Portugal chegou como conservador. Trazia igualmente a fama de distante. Encontrei-me com ele uma vez em Roma e pareceu-me uma pessoa agradável, embora tímido. Confirmei que assim é: apareceu como um homem afável, um intelectual de grande estatura, mas humano e profundamente crente. Foi essa a imagem que deixou ao povo português. Mas ele também saiu diferente, mais humano - por vezes, emocionou-se. Afinal, a emoção sem razão é cega, mas a razão sem emoção é fria. A razão autenticamente humana é a razão sensível. Uma das palavras mais repetidas por ele foi compaixão. De facto, a razão não confrontada com o sofrimento pode tornar-se monstruosa.

3. Foi claro na afirmação da laicidade do Estado: saudou a separação da Igreja e do Estado. Para quem pensava que abandonara o Concílio Vaticano II, sublinhou a sua importância para o diálogo entre a Igreja e o mundo. Recebeu representantes de outra religiões. Falando ao mundo da cultura, teve afirmações inesperadas: a Igreja tem a convicção de que Jesus Cristo é a verdade eterna encarnada, mas ela está a aprender a conviver com outras "verdades" e a verdade dos outros. Sim, quer uma Igreja que não renuncie à sua identidade, mas ela está aberta à urgência do diálogo entre as culturas e as religiões. A Igreja não tem a verdade toda e é pelo diálogo que se chega a uma verdade sempre maior e à paz.

4. Empenho essencial é trazer a razão à fé. Não é o cristianismo a religião do Logos (Razão) e do Amor? Em Fátima, mostrou que é preciso recentrar o cristianismo: o centro é Cristo e não Maria. E, como especialista em Santo Agostinho, deixou um texto que abre à possibilidade de uma reinterpretação mística das chamadas "aparições". A revelação não cai do Céu. A mística autêntica não implica fenómenos extraordinários, como levitações, aparições, etc. Do que se trata é de se dar conta, no mais profundo e íntimo da realidade, da presença do Deus vivo, pois, como disse Santo Agostinho, Deus é mais íntimo a mim do que a minha mais íntima intimidade. Deus não vem "de fora". É transcendente, mas na imanência mais radical. Assim, o que se passou em Fátima tem a ver com uma profunda experiência religiosa de crianças, no contexto sociocultural da época.

5. Deixou uma imensa mensagem de esperança, tão urgente neste tempo dramático de crise. E apelou à solidariedade e à justiça, a favor dos mais pobres.

Por isso, aqui, é legítimo perguntar se não se impunha mais simplicidade nesta visita. De facto, é um líder espiritual mundial que é ao mesmo tempo Chefe de Estado. Dizia-me uma vez em Bruxelas um colega da Universidade de Lovaina: como foi possível a Igreja de Cristo ter chegado aqui? É uma herança histórica, difícil de afastar. Mas não se exigirá menos ostentação?

6. As celebrações foram belas. Mas é necessário estar atento para que todos possam ouvir. Sobretudo, há ali uma distância, que, vistas as coisas de fora, faz com que a vivência que pode ficar é a de duas Igrejas: no altar, a Igreja imperial, e cá para baixo o povo, que ouve e obedece. Não se tem a experiência viva de uma Igreja-comunhão e autêntico Povo de Deus.

Por outro lado, lá, no altar, só há homens celibatários. Estou convicto de que, com o tempo, também se há-de lá ver, a concelebrar, padres casados e mulheres ordenadas.

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Para saborear com calma... 10

por Zulmiro Sarmento, em 27.05.10

CERIMÓNIA DE DESPEDIDA

DISCURSO DO PAPA BENTO XVI

Aeroporto Internacional de Porto
Sexta-feira, 14 de Maio de 2010

 

Senhor Presidente da República,
Ilustres Autoridades,
Amados Irmãos no Episcopado
Queridos amigos
,

No termo da minha visita, repassa no meu espírito a densidade de tantos momentos vividos nesta peregrinação a Portugal. Levo guardada na alma a cordialidade do vosso acolhimento afectuoso, a forma tão calorosa e espontânea como se cimentaram os laços de comunhão com os grupos humanos com quem pude contactar, o empenhamento que significou a preparação e a realização do programa pastoral planeado.

Neste momento da despedida, exprimo a todos a minha sincera gratidão: ao Senhor Presidente da República, que me honrou com a sua presença desde que cheguei até aqui, aos meus irmãos Bispos com quem renovei a profunda união no serviço do Reino de Cristo, ao Governo e a todas as autoridades civis e militares, que se desdobraram em visível dedicação ao longo de toda a viagem. Bem hajam! Os meios de comunicação social permitiram-me chegar a muitas pessoas a quem não era possível contactar na proximidade. Também lhes estou muito grato.

Para todos os portugueses, fiéis católicos ou não, aos homens e mulheres que aqui vivem, mesmo sem aqui terem nascido, vai a minha saudação na hora da despedida. Não cesse entre vós de crescer a concórdia, essencial para uma sólida coesão, caminho necessário para enfrentar com responsabilidade comum os desafios com que vos debateis. Continue esta gloriosa Nação a manifestar a grandeza de alma, profundo sentido de Deus, abertura solidária, pautada por princípios e valores bebidos no humanismo cristão. Em Fátima, rezei pelo mundo inteiro pedindo que o futuro traga maior fraternidade e solidariedade, um maior respeito recíproco e uma renovada confiança e confidência em Deus, nosso Pai que está nos céus.

Foi uma alegria para mim ser testemunha da fé e devoção da comunidade eclesial portuguesa. Pude verificar a energia entusiasta das crianças e dos jovens, a adesão fiel dos presbíteros, diáconos e religiosos, a dedicação pastoral dos bispos, a procura livre da verdade e da beleza patente no mundo da cultura, a criatividade dos agentes de pastoral social, a vibração da fé dos fiéis nas dioceses que visitei. O meu desejo é que a minha visita se torne incentivo para um renovado impulso espiritual e apostólico. Que o Evangelho seja acolhido na sua integridade e testemunhado com paixão por todos os discípulos de Cristo, a fim de que se revele como fermento de autêntica renovação de toda a sociedade!

Desça sobre Portugal e todos os seus filhos e filhas a minha Bênção Apostólica, portadora de esperança, de paz e de coragem, que imploro de Deus pela intercessão de Nossa Senhora de Fátima, a quem manifestais tanta confiança e firme amor. Continuemos a caminhar na esperança! Adeus!

 

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Para saborear com calma... 9

por Zulmiro Sarmento, em 26.05.10

SANTA MISSA

HOMILIA DO PAPA BENTO XVI

Grande Praça da Avenida dos Aliados, Porto
Sexta-feira, 14 de Maio de 2010

(Vídeo)

 

Amados Irmãos e Irmãs,

«Está escrito no Livro dos Salmos: […] receba outro o seu cargo. É necessário, portanto, que […] um se torne connosco testemunha da ressurreição» (Act 1, 20-22). Assim falou Pedro, lendo e interpretando a palavra de Deus no meio de seus irmãos, reunidos no Cenáculo depois da Ascensão de Jesus ao Céu. O escolhido foi Matias, que tinha sido testemunha da vida pública de Jesus e do seu triunfo sobre a morte, permanecendo-Lhe fiel até ao fim, não obstante a debandada de muitos. A «desproporção» de forças em campo, que hoje nos espanta, já há dois mil anos admirava os que viam e ouviam a Cristo. Era Ele apenas, das margens do Lago da Galileia às praças de Jerusalém, só ou quase só nos momentos decisivos: Ele em união com o Pai, Ele na força do Espírito. E todavia aconteceu que por fim, pelo mesmo amor que criou o mundo, a novidade do Reino surgiu como pequena semente que germina na terra, como centelha de luz que irrompe nas trevas, como aurora de um dia sem ocaso: É Cristo ressuscitado. E apareceu aos seus amigos, mostrando-lhes a necessidade da cruz para chegar à ressurreição.

Uma testemunha de tudo isto, procurava Pedro naquele dia. Apresentadas duas, o Céu designou «Matias, que foi agregado aos onze Apóstolos» (Act 1, 26). Hoje celebramos a sua memória gloriosa nesta «Cidade Invicta», que se vestiu de festa para acolher o Sucessor de Pedro. Dou graças a Deus por me trazer até ao vosso meio, encontrando-vos à volta do altar. A minha cordial saudação para vós, irmãos e amigos da cidade e diocese do Porto, vindos da província eclesiástica do norte de Portugal e mesmo da vizinha Espanha, e quantos mais estão em comunhão física ou espiritual com esta nossa assembleia litúrgica. Saúdo o Senhor Bispo do Porto, Dom Manuel Clemente, que desejou com grande solicitude a minha visita, me acolheu com grande afecto e se fez intérprete dos vossos sentimentos no início desta Eucaristia. Saúdo seus Predecessores e demais Irmãos no episcopado, os sacerdotes, os consagrados e consagradas, e os fiéis leigos, com um pensamento particular para quantos estão envolvidos na dinamização da Missão Diocesana e, mais concretamente, na preparação desta minha Visita. Sei que a mesma pôde contar com a real colaboração do Presidente da Câmara do Porto e de outras Autoridades públicas, muitas das quais me honram com a sua presença, aproveitando este momento para as saudar e lhes desejar, a elas e a quantos representam e servem, os melhores sucessos a bem de todos.

«É necessário que um se torne connosco testemunha da ressurreição»: dizia Pedro. E o seu Sucessor actual repete a cada um de vós: Meus irmãos e irmãs, é necessário que vos torneis comigo testemunhas da ressurreição de Jesus. Na realidade, se não fordes vós as suas testemunhas no próprio ambiente, quem o será em vosso lugar? O cristão é, na Igreja e com a Igreja, um missionário de Cristo enviado ao mundo. Esta é a missão inadiável de cada comunidade eclesial: receber de Deus e oferecer ao mundo Cristo ressuscitado, para que todas as situações de definhamento e morte se transformem, pelo Espírito, em ocasiões de crescimento e vida. Para isso, em cada celebração eucarística, ouviremos mais atentamente a Palavra de Cristo e saborearemos assiduamente o Pão da sua presença. Isto fará de nós testemunhas e, mais ainda, portadores de Jesus ressuscitado no mundo, levando-O para os diversos sectores da sociedade e quantos neles vivem e trabalham, irradiando aquela «vida em abundância» (Jo, 10, 10) que Ele nos ganhou com a sua cruz e ressurreição e que sacia os mais legítimos anseios do coração humano.

Nada impomos, mas sempre propomos, como Pedro nos recomenda numa das suas cartas: «Venerai Cristo Senhor em vossos corações, prontos sempre a responder a quem quer que seja sobre a razão da esperança que há em vós» (1 Ped 3, 15). E todos afinal no-la pedem, mesmo quem pareça que não. Por experiência própria e comum, bem sabemos que é por Jesus que todos esperam. De facto, as expectativas mais profundas do mundo e as grandes certezas do Evangelho cruzam-se na irrecusável missão que nos compete, pois «sem Deus, o ser humano não sabe para onde ir e não consegue sequer compreender quem seja. Perante os enormes problemas do desenvolvimento dos povos, que quase nos levam ao desânimo e à rendição, vem em nosso auxílio a palavra do Senhor Jesus Cristo que nos torna cientes deste dado fundamental: “Sem Mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5), e encoraja: “Eu estarei sempre convosco até ao fim do mundo” (Mt 28, 20)» (Bento XVI, Enc. Caritas in veritate, 78).

Mas, se esta certeza nos consola e tranquiliza, não nos dispensa de ir ao encontro dos outros. Temos de vencer a tentação de nos limitarmos ao que ainda temos, ou julgamos ter, de nosso e seguro: seria morrer a prazo, enquanto presença de Igreja no mundo, que aliás só pode ser missionária, no movimento expansivo do Espírito. Desde as suas origens, o povo cristão advertiu com clareza a importância de comunicar a Boa Nova de Jesus a quantos ainda não a conheciam. Nestes últimos anos, alterou-se o quadro antropológico, cultural, social e religioso da humanidade; hoje a Igreja é chamada a enfrentar desafios novos e está pronta a dialogar com culturas e religiões diversas, procurando construir juntamente com cada pessoa de boa vontade a pacífica convivência dos povos. O campo da missão ad gentes apresenta-se hoje notavelmente alargado e não definível apenas segundo considerações geográficas; realmente aguardam por nós não apenas os povos não-cristãos e as terras distantes, mas também os âmbitos sócio-culturais e sobretudo os corações que são os verdadeiros destinatários da actividade missionária do povo de Deus.

Trata-se de um mandato cuja fiel realização «deve seguir o mesmo caminho de Cristo: o caminho da pobreza, da obediência, do serviço e da imolação própria até à morte, de que Ele saiu vencedor pela sua ressurreição» (Conc. Ecum. Vaticano II, Decr. Ad gentes, 5). Sim! Somos chamados a servir a humanidade do nosso tempo, confiando unicamente em Jesus, deixando-nos iluminar pela sua Palavra: «Não fostes vós que Me escolhestes; fui Eu que vos escolhi e destinei, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça» (Jo 15, 16). Quanto tempo perdido, quanto trabalho adiado, por inadvertência deste ponto! Tudo se define a partir de Cristo, quanto à origem e à eficácia da missão: a missão recebemo-la sempre de Cristo, que nos deu a conhecer o que ouviu a seu Pai, e somos nela investidos por meio do Espírito na Igreja. Como a própria Igreja, obra de Cristo e do seu Espírito, trata-se de renovar a face da terra a partir de Deus, sempre e só de Deus!

Queridos irmãos e amigos do Porto, levantai os olhos para Aquela que escolhestes como padroeira da cidade, Nossa Senhora de Vandoma. O Anjo da anunciação saudou Maria como «cheia de graça», significando com esta expressão que o seu coração e a sua vida estavam totalmente abertos a Deus e, por isso, completamente invadidos pela sua graça. Que Ela vos ajude a fazer de vós mesmos um «sim» livre e pleno à graça de Deus, para poderdes ser renovados e renovar a humanidade pela luz e a alegria do Espírito Santo.

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