Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Muito mudou no modo de falar nos dons e nos frutos do Espírito Santo. E há exemplos eloquentes disso mesmo. Do sentir e do saber de experiência feito do homem e mulher simples dos nossos meios açorianos que têm mais sabedura teológica que alguns eclesiásticos de grande faladura balofa.
De facto, da importância que a devoção ao Espírito Santo tem nos Açores ninguém dirá o suficiente agora e na hora. Nos gritos de aflição mais espontâneos dos açorianos quem vem à cabeça é o Espírito Santo. Também já aconteceu comigo. E cumpri a minha promessa (bom, o povo é que a cumpriu quando soube que eu a tinha, e isto lá para a Piedade do Pico!).
Gostava de citar um notável depoimento de um trabalhador do campo octogenário da ilha Terceira, chamado Gregório Machado Barcelos, recolhido por José Orlando Bretão, em 1996. Este depoimento apresenta toda a súmula doutrinária e de bom comportamento social que tem por centro e por representação o Espírito Santo.
Quando questionado sobre o que sabia acerca dos dons do Espírito Santo o venerando ancião acima citado assim respondeu logo ali na ponta da língua: «É bom que o senhor me pergunte, porque acho que na cidade falam, falam e acertam pouco. Sem ofensa, até acho que não sabem nada, de nada. Mas eu digo como é que meu pai dizia e o pai dele lembrava muitas vezes como era. Eu digo que os dons do Espírito Santo são sete e são sete porque é assim mesmo, é um número que vem dos antigos, como as sete partidas do Mundo ou os sete dias da semana e não vale a pena estar a aprofundar muito porque não se chega a lado nenhum e só complica. E o primeiro dom do Espírito Santo é a Sabedoria - é o dom da inteligência e da luz. Quem recebe este dom fica homem de sabença. Os Apóstolos estavam muito atoleimados e cheios de cagança e veio o Divino que botou o lume nas cabeças deles e eles ficaram mais espertinhos. Depois vem o dom do Entendimento. Este está muito ligado ao outro ,mas aqui, quer dizer mais a amizade, o entendimento, a paz entre os homens. Este é assim: o Senhor Espírito Santo não é de guerras e quem tiver pitafe dum vizinho deve de fazer logo as pazes que é para ser atendido. E o terceiro dom do Espírito Santo é o do Conselho - o Espírito Santo é que nos ilumina e indica o caminho. É a luz, o sopro, ou seja, o espírito. É por isso que tem a forma de uma Pomba, porque tudo cria e é amor e carinho. O quarto dom é o da Fortaleza, que vem amparar a nossa natural fraqueza - com este dom a gente damos testemunho público, não temos medo. Quem tem o Senhor Espírito Santo consigo tem tudo e pode estar descansado. Depois vem o dom da Ciência, do trabalho e do estudo. O saber porque é que as coisas são assim e não assado. É não ser toleirão nem atorresmado como muitos que há por aí. O senhor sabe. O dom da Piedade e da humildade é o sexto dom. Quer dizer que o Senhor Espírito Santo não faz cerimónia nem tem caganças. Assim os irmãos devem ser simples e rectos. E depois, por derradeiro, vem o sétimo que é o Temor mas não é o temor de medo. É o temor de respeito - para cá e para lá. A gente respeita o Espírito Santo porque o Senhor Espírito Santo respeita a gente. Temor não é andar de joelhos esfolados ou pés descalços a fazer penitências tolas: é fazer mas é bodos discretos com respeito mas alegria que o Espírito Santo não tem toleimas nem maldades escondidas. É isto que são os sete dons do Espírito Santo e o senhor se perguntar por aí ninguém vai ao contrário, fique sabendo».
Que dizer mais?! Se afinal, já dizia assim o pai de meu pai. E com toda a fé.
Muitos eclesiásticos (alguns pelo menos) deviam entrar mais dentro da religião popular antes de lhe darem com os pés ou tolerá-la hipocritamente. Pelo menos se soubessem disfarçar!
Aqui fica o que não posso dizer na homilia de Pentecostes... mas é seu complemento autêntico.
O livro do professor Ávila Coelho (falecido há muitos anos) da freguesia da Piedade do Pico ajudou-me imenso a entender o Divino celebrado por aquela gente briosa, da qual ele fazia parte; dos seus costumes e tradições seculares. Foi muito bom ter vivido nove anos com o povo da Piedade do Pico. Só guardo estupendas recordações.
Para manifestar a minha gratidão para com esse povo na hora de passar o testemunho deixei como oferta uma coroa do Espírito Santo em prata com gravação dos meus sentimentos. Auxiliarem-me de todas as casas da comunidade aquando do raio que se abateu em noite de tempestade sobre o passal e me deixou vivo, em Domingo do Espírito Santo, e o restante destruído e, também, contribuirem na totalidade para o jantar em honra do Divino Espírito Santo que naquela hora terrível me veio à mente e ao coração, são coisas que jamais esquecerei!
Até uns escassos inimigos de estimação, que qualquer pessoa de bem que se preze tem, disseram daquela noite: «não há raio que o parta!».
Amén.