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Talvez seja por lidar com as palavras como ofício mas a verdade é que gosto de estar atento ao modo como as pessoas conversam. Não se trata de bisbilhotice , até porque temo que seja cada vez mais raro encontrar seres humanos com algo de relevante para dizer; não, interessa-me neste caso mais a forma do que o conteúdo. Gosto de saber como a língua é usada, as músicas sortidas das frases, os diálogos improváveis, algumas expressões geniais. É um exercício inofensivo, barato, portátil (praticável em qualquer paragem de autocarro, café ou repartição de finanças) e sempre útil para quem escreve.
Infelizmente, a última experiência deixou-me aterrorizado. Descobri, sem margem para erro, que os adolescentes da franja etária 12-16 não têm voz própria: alguém faz a dobragem dos seus diálogos.
Parece um mau argumento de um filme de Woody Allen, mas é a minha convicção. Explico: dediquei-me há uns dias a ouvir a forma como a minha filha (14 anos) e as amigas conversavam. O resultado foi traumático. A entoação e as expressões-tipo eram traduções selvagens do modo de falar das teenagers americanas. Um exemplo clássico encontra-se nas formas descritivas:«A stôra de Inglês é, tipo, chata», em que 'tipo' substitui o bordão 'like' («She was, like, you know...»); as interjeições a mesma coisa: «E vocês viram o cabelo do Luís? Oh meu Deus, é sei lá, tipo – horrível?», em que a interrogação significa na verdade uma afirmação. Qualquer infeliz que tenha assistido a um episódio em português da Hannah Montana sabe do que estou a falar.
Não me entendam mal, leitores: não sou um empedernido reaccionário linguístico. Não acho que os adolescentes devam falar com tiradas à Pai Tirano («Ó inclemência! Ó martírio!»). Pelo contrário, sei que a língua é viva e objecto de fácil contaminação, o que a torna apaixonante (e por isso não susceptível de a formatarem com «acordos» mas isso são outras lutas). Só tenho pena é que os jovens tenham preguiça de formar a sua própria gíria, os seus próprios bordões e manias de dizer que os afastem do linguajar dos adultos. Isto é uma dobragem transladada do americano, que a não ser contrariada poderá no limite fazer com que qualquer dia um dos versos mais famosos de Camões seja lido «Amor é um fogo que arde, tipo, sem se ver».
Desdobrem-se, por favor.