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Um Papa tímido e sem medo

por Zulmiro Sarmento, em 05.01.11

Não diz tudo o que pensa, mas dá a impressão que nada do que pensa fica por dizer

 

Será exagero, ou talvez não. A entrevista que Bento XVI concedeu ao jornalista Peter Seewald diz mais sobre a sua visão do mundo, da história e do hoje, que o conjunto dos seus discursos. Exprime melhor a sua fé que os seus tratados de teologia. Define melhor o homem, o padre, o cidadão e o Papa que as imagens televisivas mais próximas dos momentos solenes do Sumo Pontífice. Porquê? Porque abre o coração de Joseph Ratzinger a um olhar íntimo, não esquematizado por ele mas pelas observações e perguntas que o jornalista lhe lança, envolvendo-o sempre na sua história pessoal e não na esfinge a que muitas vezes a imagem pública o condena.

Sabendo embora que são muitas horas de diálogo, que o Papa não deixa escapar qualquer resposta impensada, que o texto foi revisto para aperfeiçoamento de algumas referências factuais, sobressai em toda a  conversa um homem que nunca separa o  seu pensamento  da sua história pessoal. Nada parte dum laboratório irreal mas duma reflexão experimentada da vida, da Igreja, de Deus, do homem, de Jesus Cristo, da história do mundo e dele próprio. Aprofunda o que pensa, deixa soltar algumas dúvidas sobre a forma de agir, exprime a sua concepção de poder enquadrado na sua actuação como Papa, pratica a colegialidade "como trabalho de equipa", mostra a importância e a limitação da Cadeira de Pedro, conversa com todo o rigor teológico e sentido pragmático. Sucede não a soberanos mas ao Pescador. Manifesta de forma luminosa a paixão de harmonizar razão e fé, não esconde alguma timidez sem qualquer tipo de medo em afirmar a verdade como obsessão. É um tímido sem medo de ninguém que até gosta dos adversários. Conhece o sofrimento e sabe que é este que tempera a alma e a desprende do relativo.

Mas diz também que não é um homem de gabinete, que conhece e acompanha o mundo, não volta a cara aos sinais dos tempos, não se conforma com a cultura que quer viver sem Deus. Propõe vigorosamente a urgência da conversão, sem qualquer azedume para com a modernidade. E, sem qualquer  tom catastrófico, admite que  a Terra corre verdadeiro risco de sobrevivência sem dar por isso.

Mais afeito às análises que às sínteses consegue derramar, nas poucas palavras que profere, todos os seus compêndios, numa espécie de oceano lógico, teológico e humano que o habita. Não diz tudo o que pensa, mas dá a impressão que nada do que pensa fica por dizer. E deixa - outro recato - o espaço aberto a quem dele discorda em qualquer matéria. Com a coragem de dizer que não é infalível.

Fascinante este horizonte de homem, crente, cristão e Papa no abrir dum novo ano. Onde se não devem esconder os medos e perturbações. Mas onde prevalece a serenidade e a esperança. De quem reconhece a medida do tempo e o afronta com a eternidade.

António Rego

 

in ECCLESIA

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publicado às 04:52



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