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A consciência de que as coisas não estavam bem com o povo de São Mateus do Pico não é de agora. A meados dos anos noventa, com outra frescura mental, mas com os vícios de sempre, note-se, o Senhor Reitor e Pároco mostrou uma lucidez impressionante. Há um testemunho que pode ser aqui reavivado e quase ninguém conhece e que revelava, então, essa sua lucidez, talvez por não estar ainda "instalado" e agarrado como lapa à pedra, como nos últimos anos desta década de dez se tem verificado, por se achar insubstituível. Sintomas de senilidade irreversível. Que qualquer comum dos mortais se apercebe e percebe.
O dito Senhor viajou até à Ilha Terceira na Sata para participar no Retiro Espiritual no começo do Verão. Foi acompanhado por outro colega que seguia pela mesma razão e meteram conversa. «Sabes uma coisa», disse ele, «estou há dois anos em São Mateus e ainda não desfiz as malas. Como as coisas não estão a correr bem com a Paróquia estou à espera que o Senhor Bispo me diga alguma coisa sobre o assunto». «À espera de ir para outra banda», pensou o colega. Este apenas perguntou: «O Senhor Bispo sabe disso?» «Não», foi a resposta. E como o colega do Senhor Reitor e Pároco achou que ainda era cedo para se fazer um juízo de valor sobre o seu trabalho pastoral calou-se e foi magicando sobre o que fazer a partir daquele desabafo inesperado embora já lhe tivesse chegado aos ouvidos uns zuns-zuns da dua proverbial altivez e da respectiva erva daninha chamada "posso, quero e mando".
Chegado à Casa de Retiros encontrou o Senhor Bispo, ainda fresquinho de chegar à Diocese, e disse-lhe, discretamente, no meio de tantos cumprimentos sentidos, pela lufada de "ar fresco" que ele simbolizava com o seu jeito de ser: «Preciso de falar consigo». No dia seguinte, com mais acalmia, no quarto de visitas dos aposentos do palacete de D. Manuel "Quinteiro", de enfandonha memória, é recebido afavelmente, como o tem sido ao longo destes anos todos, e conta-lhe de imediato o episódio com todos os pormenores, mais o tom angustiado com que o desabafo foi transmitido no avião. O Senhor Bispo não disse nada. Nem teve tempo para isso. O dito pediu licença e partiu para as suas "meditaçães" espirituais. Mas matreiro como é, coisa de que nunca se curou, embora já tenha usado lixívia pura no tratamento de choque, andou a vigiar os ditos cujos. E o Senhor Reitor e Pároco lá entrou no referido quarto debaixo das arcadas, logo ao lado da cozinha. Algum tempo depois, na hora de recreio, sai ele como quem tirou o peso dum cabeço de cima de si, sem uma ruga na testa e dirige-se para a ponta sul do claustro onde se encontrava uma dúzia de padres em entusiasmada cavaqueira (próprio de colegas em ilhas dispersas e que não se encontram amiúde). Interrompe e diz somente, mas com aquela ressonância que lhe é peculiar quando feliz e entusiasmado: «O Senhor Bispo acabou de me dizer que posso desfazer as malas porque continuo em São Mateus».
Caros leitores: ninguém percebeu nada e ficaram todos atónitos a olhar uns para os outros. Mas o tal que veio sentado ao lado dele no avião sabia o que passava e percebeu. Mas pode jurar que na altura não ficou triste nem contente. Em abono da verdade. Mas um primo emigrante já de idade, ainda hoje lhe ferra nas ventas quando o vê: «Tu, tu, tu és o grande culpado daquele "araponga" estar em São Mateus!»
Mas ninguém, até esta data, prescreveu a este a penitência. E, por isso, continua por cumprir. Passados quase vinte anos este pobre pecador agora tem consciência que o pecado foi grave. Muito grave. Devia estar caladinho, não dizer nada ao Senhor Bispo e deixar rolar as coisas por si até ao golpe final. De facto, na altura, o Senhor Reitor e Pároco estava sensível à necessidade duma mudança. Que oportunidade desaproveitada!
O toleirão do colega (o tanso, talvez seja mais exacto) queria ser, exactamente naquela hora, bom samaritano. Bonzinho. Afinal comportou-se como uma vaca que deu muito leite e depois meteu a pata dentro da lata...
Um caso. Mas há mais episódios. Descansem.