por Zulmiro Sarmento, em 29.10.09
Por Vasco Pulido Valente
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O problema com o furor que provocaram os comentários de Saramago sobre
a Bíblia (mais precisamente sobre o Antigo Testamento) é que não devia
ter existido furor algum. Saramago não disse mais do que se dizia nas
folhas anticlericais do século XIX ou nas tabernas republicanas no
tempo de Afonso Costa. São ideias de trolha ou de tipógrafo
semianalfabeto, zangado com os padres por razões de política e de
inveja. Já não vêm a propósito. Claro que Saramago tem 80 e tal anos,
coisa que não costuma acompanhar uma cabeça clara, e que, ainda por
cima, não estudou o que devia estudar, muito provavelmente contra a
vontade dele. Mas, se há desculpa para Saramago, não há desculpa para
o país, que se resolveu escandalizar inutilmente com meia dúzia de
patetices.
Claro que Saramago ganhou o Prémio Nobel, como vários "camaradas" que
não valiam nada, e vendeu milhões de livros, como muita gente acéfala
e feliz que não sabia, ou sabe, distinguir a mão esquerda da mão
direita. E claro que a saloiice portuguesa delirou com a façanha. Só
que daí não se segue que seja obrigatório levar a criatura a sério.
Não assiste a Saramago a mais remota autoridade para dar a sua opinião
sobre a Bíblia ou sobre qualquer outro assunto, excepto sobre os
produtos que ele fabrica, à maneira latino-americana, de acordo com o
tradição epigonal indígena. Depois do que fez no PREC, Saramago está
mesmo entre as pessoas que nenhum indivíduo inteligente em princípio
ouve.
O regime de liberdade, aliás relativa, em que vivemos permite ao
primeiro transeunte evacuar o espírito de toda a espécie de tralha. É
um privilégio que devemos intransigentemente defender. O Estado
autoriza Saramago a contribuir para o dislate nacional, mas não
encomendou a ninguém? principalmente a dignatários da Igreja como o
bispo do Porto - a tarefa de honrar o dislate com a sua preocupação e
a sua crítica. Nem por caridade cristã. D. Manuel Clemente conhece com
certeza a dificuldade de explicar a mediocridade a um medíocre e a
impossibilidade prática de suprir, sobre o tarde, certos dotes de
nascença e de educação. O que, finalmente, espanta neste ridículo
episódio não é Saramago, de quem - suponho - não se esperava melhor. É
a extraordinária importância que lhe deram criaturas com bom senso e a
escolaridade obrigatória.
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