Ainda e sempre a crise económica e financeira.
A crise com que continuamos a ser bombardeados todos os dias. Pelo governo, pela oposição, pelos sindicatos, pelas associações patronais, pela comunicação social (mea culpa…), pelos parentes, pelos amigos, pelos conhecidos. A crise negada e logo depois reconhecida. A crise que tudo justifica, que tudo explica, que tudo desculpa. A crise que é fonte da mais desbragada demagogia, das promessas mais oportunistas, da mais desenfreada propaganda política.
Mas, se desta crise muito se fala e escreve, outra há de que ninguém parece lembrar-se, a que ninguém parece ligar importância. E, no entanto, essa bem pode ser considerada a “mãe” de todas as crises.
Chama-se crise de valores.
É essa, verdadeiramente, a crise. Porque se não fosse o desprezo a que são votados, por esse mundo fora, os valores do Amor ao próximo, da Caridade, da Solidariedade, da Paz, não vingariam, como vingam, a sede de poder, o egoísmo sem peias, o consumismo desmedido, o lucro escandaloso a qualquer preço. E não se assistiria ao desmoronar do edifício social, minado pelas desigualdades, pela injustiça, pela recusa em distribuir equitativamente – ou, ao menos, mais equitativamente – a riqueza produzida.
É a natureza humana, na sua vertente mais materialista e ambiciosa, a impor a sua lei. É a natureza humana despida de consciência, na busca de uma sonhada divinização, a perder-se nas suas próprias contradições – e a deixar aberto o caminho para o inevitável colapso. Para a crise, a tal crise que nos caiu em cima e “faz” hoje o nosso dia-a-dia.
E o grande problema está em que o combate imediato a esta crise vai acabar por ser um combate pouco menos do que inútil. Porque não se trava contra as suas raízes, contra as suas causas reais.
Não se trava contra a crise de valores.
Essa, infelizmente, vai continuar bem instalada e, o que é pior, a agravar-se. Como tem acontecido nos últimos anos, perante a cómoda aceitação geral. Mas há excepções raras e honrosas. A Igreja Católica é uma delas, talvez a mais importante. A sua voz continua a fazer-se ouvir, forte e coerente, e a sua acção continua a fazer-se sentir, discreta e sem alardes, na defesa do património dos valores essenciais que pautam – ou deviam pautar – a existência humana.
É esta a esperança que fica.
Pereira Caldas