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Há católicos e católicos...

por Zulmiro Sarmento, em 30.03.09

Ouço, a cada passo, esta expressão: eu sou católico e a minha fé ninguém ma tira. Quando pergunto o que é isso de ser católico, o normal é parar a respiração, olhar para mim e dizer: lá porque não vou à missa, acredito em Deus. Respondo que todos os seguidores das religiões acreditam num Deus. Se assim é, onde é que está a diferença?
Não temos que procurar esta resposta nas religiões, mas nos “livros”, a que eu chamo, da Santa Ignorância religiosa. Creio não estar muito longe da verdade, se afirmar que a maior veneração e devoção, no seio dos católicos, é, sem dúvida nenhuma, tributada à Santa Ignorância, cuja festa se celebra todos os dias e em todos os lugares. Estamos saturados de analfabetismo religioso que, aliado, tantas vezes, ao analfabetismo cultural, e, aqui ou ali, a certas doses de estupidez natural, leva as pessoas a estarem na vida mais com sentimentalismos doentios, do que com uma atitude sã, aberta e dialogante.
Há católicos de “rótulo” para quem o baptismo, a fé e os outros sacramentos não passam de acções sociais, marcadas por um superficialismo e rotina impressionantes. Não é por acaso que temos cerca de 90% de baptizados, casamentos na igreja a diminuir consideravelmente, e menos de 20 % a frequentar a Igreja. Quantos, destes, profundamente convictos?
Há católicos de “quatro”, quero dizer, quatro estações: Na Primavera abre-se a porta à cruz: é a visita pascal, (Páscoa é outra coisa); no Verão, é a festa do Padroeiro ou outra (sempre com a indispensável e longa procissão); no Outono... bem, parece mal não ir ao... cemitério, mesmo que seja só para encontrar velhos amigos; e no Inverno, o Natal tem de ocupar o seu lugar. Se quisermos dizer de outra forma, temos católicos de quatro ocasiões: Baptismo, primeira Comunhão, Casamento e... funeral. Para agravar mais esta situação, quem está neste lote, é mesmo levado pelos outros: no Baptismo é-se bebé, ainda nem sequer se fala; na Comunhão, é-se criança, e parece mal não levar os filhos a essa festa tão linda; no Casamento, se mais não for, é-se levado por pressões sociais; no funeral, são precisos quatro para nos transportarem. Quantas vezes pensei, e algumas disse, que, se alguns mortos se levantassem quando estão na igreja, fugiriam imediatamente, pois enquanto vivos, nunca lá quiseram estar, e, se tal acontecesse, morreria muita gente de susto.
Ao mesmo tempo há católicos apenas preocupados em viverem e carregarem a sua vida com coisas inúteis: a beatice. Tantos deles, homens e mulheres, vivendo uma religião perfeitamente alheada das realidades da vida, da família, do trabalho e do compromisso apostólico. Não conseguem descobrir algo por debaixo das poeiras, fixando nelas a sua atenção.
Há também os católicos de conveniência: não querem a Igreja como experiência e caminho de salvação; não concordam com o seu projecto doutrinal ou pastoral; acham que os que vêm à igreja são os piores, mas não deixam de querer entrar para daí retirarem o pedaço que acham pertencer-lhes. Não concordam que se tornem obrigatórias as reuniões de preparação para baptismo e casamento, mas querem obrigar os outros a aceitar o seu pedido de baptismo e de casamento.
Católicos de festas também abundam por toda a parte: se os crentes fossem tão empenhados na vida das associações culturais, nos projectos sociais e no trabalho da Igreja como o são na promoção de festas religiosas, o mundo não estaria diferente? Algum fanatismo envolve, quase sempre, estas iniciativas, aqui e ali misturadas com alguns interesses mesquinhos e alguma ostentação e vaidade. Reparem só: a celebração litúrgica de um santo ocorre, por exemplo, em Fevereiro, mas faz-se a festa em Agosto. Não conheço ninguém que faça anos em Janeiro e os comemore em Agosto!
Há mais: os católicos da emergência. Quando estão aflitos chamam Deus, o 112 sempre disponível, pretendendo que Deus ponha um remendo onde se quis abrir um buraco; que Deus me cure quando eu próprio estraguei a minha saúde; que Deus salve aquilo que eu não quis salvar. Quando tudo corre bem,... falar de Deus não tem qualquer sentido.
Ainda há os católicos do contra, sempre contra tudo e contra todos. Aqueles que nunca fizeram nada nem nada querem fazer, para estarem sempre do lado de lá da barricada a atirar pedras.
E, já agora, os católicos para quem está sempre tudo bem: são um dos grandes pesos da nossa Igreja, porque, como se diz, “não atam nem desatam”, pautam-se por uma passividade e inércia revoltantes: são a carga de um atrelado com os pneus vazios.
Muito mais “espécies” poderiam ser referidas. Porém, não posso deixar de falar dos católicos conscientes, comprometidos e responsáveis, porque os há, desses que fazem do cristianismo um modo de viver e não uma qualquer filosofia. Mas esses são incómodos, dão a cara, não usam as máscaras da hipocrisia social ou religiosa, chamam às coisas pelos seus nomes, proclamam corajosamente a sua fé, às vezes até, correndo riscos, gente que não envereda pelos caminhos fáceis de um cristianismo cheio de mofo. Desses é que a sociedade e a Igreja precisam, porque a sua fé é algo que se usa todos os dias e não preciosidade que se guarda e não se usa, para não correr o risco de se perder.


Padre Costa Leite

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publicado às 08:15


9 comentários

De Danilo a 30.03.2009 às 13:17

Oi, vi sua postagem no Guia de Blogs Católicos.

Sua postagem descreve uma realidade inquietante. O que precisamos fazer para reverter essa situação?

De Zulmiro Sarmento a 30.03.2009 às 16:16

Olá, Danilo!
O Catolicismo é uma realidade tão complexa que até esmaga. Um peso pesado. Como chegámos a esta situação?
Continuo à procura de respostas.

De Lisa a 30.03.2009 às 14:55


Bondoso coração… Grandiosa alma!
Uma relevante partilha que nos propõe a todos uma lavagem cerebral…
Se me permite, deixo um breve testemunho meu:
No meu humilde pensar a bondade e a fé são sentimentos profundos, que só se realizam na partilha, no silencio da oração, no alimento
da palavra de Deus.
E creio que a fé é um acto de devoção tanto na igreja como fora da igreja…
Para mim o que me prende com fascínio na missa é o teor da palavra e o momento da celebração eucarística.
Concordo que até há certas cortesias rituais que me passam despercebidas, porque não é o que me cativa.
É da palavra, o alimento que transporto o caminho a seguir na vida, de encontro à salvação!
Quando se ajuda alguém com amor jamais se representa, nem se tem como prioridade o porquê da situação, é algo forte de querer minimizar o sofrimento…

De Danilo a 30.03.2009 às 19:06

Lisa e Zulmiro,

A partir do que a Lisa disse, pode-se dizer que a questão decisiva é o encontro pessoal com o Senhor Jesus, cujos meios privilegiados seriam a oração, a leitura da Palavra e a prticipação na Eucaristia?

De Lisa a 31.03.2009 às 15:49

Para mim toda a riqueza da missa tomo da palavra
Porque só com a palavra pode perceber o autêntico significado da comunhão.
Exactamente o que sinto depois da partilha da eucaristia, é Deus que habita em mim.
E no silêncio da oração há um sentimento profundo
da presença de Deus que renova qualquer dor em esperança…

P/S Não basta ser católico é preciso ter fé e acreditar que sem Deus nada somos.


De Danilo a 01.04.2009 às 15:00

Lisa, novamente aparecem no seu comentário as três ideias-chave: oração, leitura da Palavra e Eucaristia. Ao que parece, sua sensibilidade espiritual está para a Palavra, correto? Digo isso a partir da sua afirmação "toda a riqueza da missa tomo da palavra".

Não vejo, em suas palavras, qualquer oposição entre as três ideias-chave. Você leva em consideração todas, mas parece ter maior sensibilidade à Palavra. Isso está ok.

Então, voltando ao tema da postagem do Zulmiro: o que faz com que muitos católicos sejam apenas católicos "beatos, de festa, de emergência", etc., usando os termos da postagem? Como ajudá-los a deixar de sê-lo?

De Lisa a 02.04.2009 às 12:39

Eu bem tento partilhar com pessoas mais
Próximas de mim, o que sinto em relação à missa e ao valor da Palavra, mas sem sucesso…

Penso que enquanto católicos, mesmo praticantes cederem maior tendência como prioridade na vida; A vida pessoal de cada um,
mais do que sentir, a verdadeira necessidade
da palavra do evangelho para seu próprio bem e crescimento.

Vai ser difícil mudar as mentalidades.
Porque não se ajuda difamando, mas sim oferecendo um caminho de luz!

Gostaria muito de ajudar, mas não sei bem como:
Talvez começando dentro da igreja,
não fazendo grupos fixos para determinadas
Incumbências. Ir ao encontro dos que se encontram no fundo da igreja,
Claro, dentro das capacidades de cada um:

Manifestando um exemplo de igualdade
e incentivar os que menos frequentam
eventos religiosos, a participarem.

Muito importante a participação das crianças
Na missa, um motivo forte, para os pais comparecerem.

Felizmente hoje temos sacerdotes abertos à mudança, mas infelizmente muitas vezes sem cooperação à sua volta.

P/S Desculpem a minha sinceridade.
Mas foi no momento pior da minha vida
que encontrei a maior força, essa fonte veio
Da palavra bíblica.


De Danilo a 02.04.2009 às 20:38

Lisa, penso que não há que se pedir desculpa, quando a sinceridade está aliada ao respeito, como no seu caso. Concordo com você. E penso que a santidade de vida é aquilo que mais pode atrair outros para se encontrarem com o Senhor.

De Lisa a 04.04.2009 às 14:51

Danilo, Penso se todos nós nos capacitássemos como somos frágeis e como é importante a palavra do evangelho para o nosso enriquecimento espiritual e a firmeza para a nossa vida, então a missa era o pão essencial e todo aquele momento faz sentido…

Agradeço a sua compreensão.

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