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«Family» – ‘father and mother I love you’, isto é, ‘pai e mãe eu amo-vos’!
Foi desta forma simples e incisiva que, uns dias destes, li uma breve estória para explicar como as iniciais da palavra família – em inglês ‘family’ – pode ser muito mais abrangente, tanto no significado como na repercussão desta realidade humana, social, espiritual e, sobretudo, cristã com que vivemos e temos de nos aprofundar, não dando de barato (ou ao desbarato) o combate a que está submetido este valor... cultural.
Eis uma pequena estória sobre o sentido encoberto da família.
Tropecei num estranho que passava e pedi-lhe perdão. Ao que ele respondeu: ‘desculpe, por favor. Eu que não a vi’. Fomos minimamente educados e cada um seguiu o seu caminho.
À noite, quando cozinhava, estava o meu filho perto de mim. Ao virar-me quase me esbarrei com ele e, de imediato, gritei-lhe para que tivesse mais cuidado. Ele retirou-se sem que tivesse notado, logo, como tinha sido dura para com ele.
Ao deitar-me, senti que Deus me dizia, suavemente: ‘Trataste um estranho de forma cortês e para com o teu filho, que muito amas, foste dura. Agora vai à cozinha e repara nas flores, que estão caídas junto da porta. São flores que ele apanhou para te oferecer, à hora do jantar: uma cor-de-rosa, outra amarela e outra azul. Ele estava calado para te fazer a surpresa, quando lhe gritaste e... nem reparaste nas lágrimas que lhe saíram dos olhos... quando o repreendeste!
Senti-me muito mal e comecei a chorar.
De mansinho aproximei-me da cama do meu filho e disse-lhe: ‘Acorda! São estas as flores que tu me querias oferecer?’
Ele sorriu e disse-me: ‘Encontrei-as junto de uma árvore ao vir da escola e apanhei-as por que são bonitas como tu! A que gosto mais é a azul... fazem-me lembrar a cor dos teus olhos’.
De imediato ripostei: ‘Filho, peço desculpa pela forma como hoje te tratei, eu não devia ter gritado contigo’.
O meu filho acrescentou: ‘Mamã, está bem, eu amo-te de todos os modos... mesmo quando me gritas’.
E, abraçados um ao outro, respondi: ‘eu também te amo e adorei as flores, especialmente a azul’.
Entende que se morresses hoje ou amanhã, em poucos dias, a empresa onde trabalhas arranjaria um substituto. Mas a família que deixámos sentirá essa perda para o resto da vida. Pensa neles, porque geralmente dedicamos mais tempo ao trabalho do que à nossa família. Será que não é uma inversão inteligente?
* Família: escola de sentimentos... verdadeiros
Por certo esta estória tem muito de verdadeiro no nosso trato ordinário, em família. Com efeito, não temos direito de menosprezar os que nos amam por termos optado por ocupações inúteis com as quais nos vamos desculpando, habitualmente. Nem sequer os amigos valem de alguma coisa se não tivermos uma família equilibrada, sadia e reconfortante. Muitos podem-nos apreciar (ou talvez não!), mas é na família que podemos contar com o suporte mais sincero, simples e leal.
- Quantas vezes são esses/as que nos conhecem, sobretudo, nos nossos mais elementares defeitos – desde os de educação até aos de feitio – que nos desculpam e toleram... muito para além do humanamente razoável.
- Quantas vezes são esses/as que amamos que nos podem corrigir sem destruir, nos podem incentivar sem adular e, até, nos podem encorajar sem nos enganarem.
- Quantas vezes são esses/as que nos amam de verdade que valorizam os sinais mais simples e saboreiam aquilo que somos mais do que aquilo que podemos ter... economicamente, tanto agora como no futuro.
* Família: igreja de acontecimentos... espiritualizados
Para a vivência da Quaresma deste ano, temos – pessoalmente e com alguns outros cristãos que quiseram entrar na onda – estado a seguir um opúsculo muito interessante – Pedrosa Ferreira, ‘Quaresma em família’ – de caminhada simbólica: a cada semana e por cada dia se faz corresponder um sinal da vida em ordem a descobrirmos a força de Deus, a mensagem de Jesus e a dinâmica do Espírito Santo.
Partindo da elaboração de um recipiente com areia (lembrando o deserto espiritual de todos e de cada um) num lugar digno da casa, onde são colocadas sete velas – uma por cada semana da Quaresma até ao domingo de Páscoa – dá-se a cada início de semana um ritmo de apresentação de vários sinais, como etapas de vivência quase de liturgia familiar: Bíblia, pedra, água, fita colorida, grãos de trigo, ramos de oliveira e flores em volta da Cruz.
Para cada dia está previsto um tempo de oração – porventura à volta da mesa da família, ao jantar – em que se recorda o texto do evangelho desse dia e se faz uma breve oração em comum.
Com efeito, de pouco adianta gritar contra a falta de oração na família se não nos socorrermos de subsídios que vão sendo apresentados, tanto ao nível diocesano, como em cada paróquia. Temos de estar atentos às propostas. Temos de ser inventivos. Temos de saber-nos adaptar às possibilidades... Resignar-se será já ser vencido pelas insídias do maligno.
A família merece que nos empenhemos em construir algo que a faça ser espaço e oportunidade de dizermos e de vivermos a expressão: ‘pai e mãe eu amo-vos’ pelo que sois e pelo que nos comunicais de amor, de ternura, de confiança e de fé.
Sílvio Couto - Ecclesia