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HOJE É DIA DE PARAR — E REPARAR — NA CRUZ! (Domingo de Ramos na Paixão do Senhor)

por Zulmiro Sarmento, em 09.04.17
 

A. Senhor de todos os passos

 

1. De Betânia para Jerusalém. Da Páscoa antiga para a Páscoa nova. Da casa para a cidade e da cidade para uma outra casa. Da mesa para a rua e da rua para uma outra mesa. Desta outra mesa para o monte. Da refeição para a oração. Do dia para a noite. Da luz para as trevas. Da negação para a traição. Do Getsémani para o tribunal. Da prisão para o julgamento. Da acusação para a agressão. Da ofensa para a sentença. Da multidão para a solidão. Da presença para o abandono. Da tortura para a humilhação. Do pretório para o Gólgota. Da flagelação para a Cruz. Da vida para a morte. Do baixo para o alto. Do alto para baixo. Da Cruz para a sepultura. Do cúmulo para o túmulo. De ontem para hoje.

 

2. Eis os passos que já passaram. Eis os passos que ainda estão a passar. Eis os passos que nunca passam. No fundo, este é o verdadeiro dia de Nosso Senhor dos Passos: de todos os passos, dos Seus passos, dos nossos passos, dos passos que deu há dois mil anos, dos passos que dá connosco hoje. Foi por nós que Jesus subiu à Cruz e desceu ao túmulo. E só no túmulo parou todo aquele cúmulo de amor. Ou, melhor, nem no túmulo parou todo aquele cúmulo de amor.

 

B. A Cruz não ficou em Jerusalém

 

3. Nós é que devemos parar — e reparar — diante da Cruz. Este é o dia de parar na Cruz. Este é o dia de parar para reparar na Cruz. Este é o dia de parar para reparar nos passos que conduziram à Cruz. E este há-de ser o dia para começar a reparar os nossos passos que nem sempre estão em sintonia com o testemunho que nos vem da Cruz. A Cruz não tem só passado. A Cruz também tem presente. A Cruz também subsiste no presente.

 

4. A Ressurreição não constitui a eliminação da Cruz, mas a revelação do significado — e do alcance — da Cruz. O que ressuscitou mantém as marcas da Cruz, como faz questão de mostrar a Tomé (cf. Jo 20, 27). É como se nos estivesse a dizer que só se chega à Ressurreição pelo caminho da Cruz. Só volta à vida quem dá a vida, quem se dá na vida. É por isso que a Cruz não ficou em Jerusalém, a Cruz está espalhada pelo mundo. Jesus continua a carregar a Cruz em tantos que vão carregando a Cruz. A Cruz continua a ser carregada nos hospitais e nas prisões. A Cruz continua a ser carregada em camas abandonadas de tantas casas isoladas. A Cruz continua a ser carregada por tanta gente sem pão, sem trabalho e sem saúde. A Cruz continua a ser carregada por tantos que sofrem as dores da injustiça e da opressão. A Cruz continua a ser carregada por tantos que são esquecidos e maltratados.

 

C. A Cruz está sempre a passar

 

5. Jesus continua a ser crucificado em tantos que crucificamos. O que fazemos a eles é o que fazemos a Ele (cf. Mt 25, 40). O que não fazemos a eles é o que deixamos de fazer a Ele (cf. Mt 25, 45). Nunca esqueçamos que a Cruz tem uma actualização sacramental, na Eucaristia, e uma permanente actualização existencial, na vida de tantas pessoas. A Cruz não passou, a Cruz está sempre a passar. Será lícito votar-Lhe ausência ou indiferença? Se Jesus é diferente, como continuar a ser indiferente?

 

6. A esta semana os antigos chamavam «semana pascal». E, com efeito, esta é uma semana pascal: não só porque é a semana que nos conduz à celebração da Páscoa, mas também porque nos convida a «passar» de uma vida centrada em nós a uma vida centrada em Deus e nos irmãos. A antiga liturgia de Milão dava a esta semana o nome de «semana autêntica» por ser a semana que assinala os verdadeiros «trabalhos de Jesus». E não há dúvida de que, nos «trabalhos» derradeiros como em toda a Sua vida, Jesus recusa tudo o que é falso, mentiroso ou apenas aparente. Jesus vive — e morre — para dar testemunho da verdade (cf. Jo 18, 37). Não admira, portanto, que os cristãos olhassem, desde cedo, para esta semana como uma «semana santa», uma «semana grande» e uma «semana maior». Tudo o que nela acontece é santo, é grande, é maior. Trata-se, por isso, de uma semana que não se esgota em sete dias. A «semana maior» é, pois, uma «semana grande» e há-de tornar-se uma semana sem termo. Nela ocorrem os acontecimentos que mudaram a história e que hão-de mudar a nossa vida. Podemos dizer que esta é também a «semana primeira» que inaugura os tempos últimos, os tempos definitivos em que vivemos.

 

D. Paz, até na violência

 

7. No Domingo de Ramos, não procuramos apenas recordar a entrada solene de Jesus em Jerusalém. Procuramos sobretudo dar testemunho público da nossa fé em Jesus Cristo, morto e ressuscitado. Já agora, refira-se que este Domingo também chegou a ser conhecido como «Capitulavium», que significa «lavagem das cabeças». É que, neste dia, os que iam ser baptizados na Vigília Pascal, no sábado seguinte, lavavam solenemente a cabeça numa cerimónia pública. Em Jerusalém, a Procissão dos Ramos começava pelas 13 horas, no Monte das Oliveiras. Cantavam-se hinos e salmos, e faziam-se leituras da Sagrada Escritura. Pelas 17 horas, era lido o Evangelho que descreve a entrada de Jesus em Jerusalém. Nessa altura, todos, com ramos de oliveira e palmeira, saíam em direcção à cidade, cantando e rezando.

 

8. Nós também chegámos aqui com ramos e vamos sair daqui com a Cruz, procurando plantá-la na nossa vida e implantá-la no nosso mundo. É enorme a lição que vem da Cruz. Tanta dor e tanta paz perante a dor. Jesus recusa sempre responder à violência com violência. Até à violência, até à violência mais injusta, Jesus responde com a mansidão, com a paz. Trata-se, obviamente, de uma paz sentida, de uma paz sofrida, mas, mesmo assim, é paz. O que mais comove, em todo este relato, é a paz que Jesus mantém até ao fim, é a dignidade que Jesus conserva até para lá do próprio fim.

 

E. Vida, até na morte

 

9. Tudo parece escurecer na Cruz. Até Deus parece ocultar-Se como se depreende do grito de Jesus (cf. Mc 15, 34). Até Jesus Se sente abandonado. E, não obstante, tudo brilha na escuridão da Cruz. É esta morte que faz luz sobre esta vida. Até um estranho reconhece que, afinal, Deus está na Cruz (cf. Mc 15, 39). O que — de certo modo — estava velado em vida parece desvelar-se completamente na morte.

 

10. No fundo, é quando parece que tudo acaba que tudo verdadeiramente começa. A morte de Jesus é uma morte «morticida», uma morte que mata a morte. Já não vivemos para morrer; morremos para viver. A morte já não é termo, mas passagem. Já não é fim, mas trânsito. Já não é conclusão, mas viragem. Já não é despedida, mas recomeço. A evidência mostra que a vida conduz à morte, mas a fé assegura que, em Cristo, até a morte nos reconduz à vida. Em Cristo, até a morte está cheia de vida!

Do blogue A Paz na Verdade

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publicado às 01:07

MORREMOS, MAS NÃO FICAREMOS MORTOS (Quinto Domingo da Quaresma)

por Zulmiro Sarmento, em 02.04.17
 

A. Jesus ressuscita ao «terceiro dia» para nos ressuscitar (logo) ao «quarto dia»

  1. Não é só para Lázaro que Jesus fala. É também a cada um de nós que Jesus Se dirige: «Sai para fora» (Jo 11, 43), diz Jesus a Lázaro de uma forma intencionalmente pleonástica. «Sai para fora», diz Jesus a cada um de nós de um modo igualmente forte. Jesus quer tirar-nos dos «túmulos» (cf. Ez 37, 12) em que o nosso «eu» nos traz «sepultados».

É o nosso «eu» que nos traz moribundos. É, por isso, do nosso «eu» que Jesus nos vem libertar. É o nosso «eu» que nos traz «atrelados» à mordaça do pecado e da morte por este acarretada. O nosso «eu» também nos faz «cheirar mal» (cf. Jo 11, 39). Só Jesus, com o Seu odor, nos liberta deste infectado fedor.

 

  1. Jesus, que ressuscita «ao terceiro dia» (1Cor 15, 4), quer ressuscitar-nos logo no «quarto dia» (Jo 11, 39). Isto significa, uma vez mais, que Ele ressuscita para que nós ressuscitemos. Nós só ressuscitamos em Jesus, nós só ressuscitamos com Jesus. É Jesus que manda tirar a pedra do nosso túmulo (cf. Jo 11, 39). O «eu» é esta pedra que nos fecha, o «eu» é esta pedra que nos traz fechados (cf. Jo 11, 38).

Ressuscitar é, assim, libertar. A Ressurreição é a suprema libertação. Jesus, ao ressuscitar Lázaro, mostra que Ele mesmo é a Ressurreição e a suprema libertação. Mas nem isso O impede de chorar. A Sua divindade não ofusca a Sua humanidade e a Sua humanidade não obscurece a Sua divindade. Jesus, que ressuscita Lázaro, chora por Lázaro. Jesus era muito amigo de Lázaro (cf. Jo 11, 35-36), como é muito amigo de cada um de nós.

 

B. A morte como «adormecimento»

 

3. «Senhor, aquele de quem és amigo está doente» (Jo 11, 3). Eis o que foi dito a Jesus há dois mil anos. Eis o que pode — e deve — ser dito a Jesus hoje. Tantos são os que estão doentes. Tantos são aqueles a quem só Jesus pode curar. Não tenhamos medo de recorrer a Jesus. Jesus está sempre disponível para vir em nosso auxílio. Quando sabe que o amigo está doente, Jesus altera os planos e muda de caminho (cf. Jo 11, 7) apesar da hostilidade dos judeus (cf. Jo 11, 7). Sabendo também da nossa doença existencial, Jesus está sempre disponível para nos curar.

Como é sabido, Jesus não vai logo para casa de Lázaro. Permanece ainda dois dias no local onde estava (cf. Jo 11, 6). Lázaro está doente, mas a sua doença não é de morte; é para que nela se manifeste a glória de Deus (cf. Jo 11, 4). Aquela morte é vista sobretudo como uma oportunidade para reforçar a fé na Ressurreição (cf. Jo 11, 15).

 

  1. Afinal, é preciso morrer para ressuscitar: só ressuscita quem morre. É por isso que Jesus, apesar de saber que Lázaro tinha morrido (cf. Jo 11, 14), fala da sua morte como um adormecimento: «O nosso amigo Lázaro está a dormir; mas Eu vou lá para o acordar» (Jo 11, 11). É curioso notar como a interpretação que Jesus dá à morte de Lázaro é muito semelhante à interpretação que os primeiros cristãos dão à morte do próprio Jesus. Também a morte de Jesus é vista como um adormecimento. São João diz que, antes de «entregar o Espírito», Jesus «inclinou a cabeça» (Jo 19, 30).

Ora, inclinar a cabeça é a posição não só de quem morre, mas também de quem dorme. Aliás, há uma máxima muito antiga segundo a qual a Igreja nasce do lado «adormecido» — não «morto» — de Cristo na Cruz. Na morte de uma pessoa santa, costumamos dizer que «adormeceu no Senhor». E, já agora, convirá recordar que a palavra «cemitério» significa não «lugar onde se morre», mas «lugar onde se dorme».

 

C. Um despertador chamado Jesus

 

5. É desta sonolência que Jesus nos vem despertar como despertou Lázaro. Jesus é a vida definitiva que supera a morte. Na Primeira Leitura deste Domingo, Deus oferece ao Seu Povo uma vida nova. Essa vida vem pelo Espírito, que irá inserir o mesmo Povo na fidelidade a Deus e no amor aos irmãos.

Por sua vez, a Segunda Leitura lembra aos cristãos que, no dia do seu Baptismo, optaram por Cristo e pela vida nova que Ele veio oferecer. Convida-nos, portanto, a sermos conformes com essa escolhas, realizando as obras de Deus e vivendo «segundo o Espírito». O Evangelho garante-nos que Jesus é a realização definitiva do divino desígnio de dar aos homens a vida nova. Os que aderem a Jesus Cristo também morrem, mas não ficam mortos: vivem para sempre em Deus.

 

  1. Importa ter presente que este episódio é a última parte do chamado Livro dos Sinais, que vem do capítulo 4 até ao capítulo 11 do Evangelho de São João. Ao longo destes capítulos, através dos «sinais» da água (cf. Jo 4,1-5,47), do pão (cf. Jo 6,1-7,53), da luz (cf. Jo 8,12-9,41), do pastor (cf. Jo 10,1-42) e da vida (cf. Jo 11,1-56), Jesus é apresentado como portador da novidade plena.

O texto que hoje foi proclamado constitui a quinta — e última — catequese do referido Livro dos Sinais. Tudo se passa em Betânia, uma aldeia que fica a este do Monte das Oliveiras, a cerca de três quilómetros de Jerusalém. Da família de Lázaro faziam parte as suas irmãs Maria e Marta. Trata-se de uma família que Jesus conhece e que conhece Jesus, que ama Jesus e que é amada por Jesus.

 

D. É à nossa vida que Jesus oferece a Sua vida

 

7. Salta à vista que o Evangelho só fala destes irmãos, omitindo qualquer referência a outros membros desta família. Se repararmos, a palavra «irmãos» é a palavra usada por Jesus para se referir aos Seus discípulos (cf. 20, 17). É, pois, como irmãos que Jesus quer que vivamos. É como irmãos que Jesus nos quer encontrar. Jesus quer encontrar-nos como irmãos quando vem à nossa casa, à nossa vida.

É à nossa vida que Jesus oferece a Sua vida. É à nossa vida mortal que Jesus oferece a Sua vida eterna. Assim sendo, a morte não é fim, mas trânsito. É pela morte que passamos desta vida para a vida plena.

 

  1. Jesus não evita a morte física. Nem sequer evitou a Sua própria morte. O que Jesus faz é oferecer ao homem uma vida que se prolonga para sempre. Para que essa vida possa chegar é nós, a única condição necessária é seguir Jesus.

O gesto de dar vida a Lázaro representa o ápice da missão que o Pai confiou a Jesus: dar a vida definitiva ao homem. É por isso que Jesus, antes de mandar Lázaro sair do sepulcro, dá graças ao Pai (cf. Jo 11, 41-42). Ao dar a vida ao homem, Jesus está a realizar a vontade do Pai.

 

E. Não há maior felicidade que a divina amizade!

 

9. Que terá acontecido a Lázaro depois de ressuscitar? Os textos sagrados não dizem mais nada a não ser que os sumos-sacerdotes, além de Jesus, também decidiram matar Lázaro. É que muitos judeus, por causa dele, passaram a acreditar em Jesus. (cf. Jo 12, 11).

Há uma tradição que diz que os três irmãos foram para França, assegurando que Lázaro foi o primeiro Bispo de Marselha. Tendo sido martirizado, há quem acredite que as suas relíquias estão em Autun.

 

  1. Outra tradição indica que os três irmãos foram para Chipre, tendo Lázaro sido Bispo de Cítio ou Lárnaca. Também nesta última cidade estão expostas relíquias que se crêem ser suas. Não falta, porém, quem diga que tais relíquias teriam sido transladadas para Constantinopla. Várias igrejas e capelas foram erigidas em sua honra na Síria.

Enquanto padroeiro da Lárnaca, há nesta cidade uma basílica dedicada a São Lázaro, construída em 890. Antes da basílica, havia um templo do século V no qual existia um sarcófago com a inscrição: «Lázaro, o amigo de Cristo». Eis, assim, o mais belo remate para a nossa vida: sermos «amigos de Cristo» e termos Cristo como Amigo. Não há maior felicidade que a Sua amizade!

Do blogue A Paz na Verdade

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