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A. Senhor de todos os passos
1. De Betânia para Jerusalém. Da Páscoa antiga para a Páscoa nova. Da casa para a cidade e da cidade para uma outra casa. Da mesa para a rua e da rua para uma outra mesa. Desta outra mesa para o monte. Da refeição para a oração. Do dia para a noite. Da luz para as trevas. Da negação para a traição. Do Getsémani para o tribunal. Da prisão para o julgamento. Da acusação para a agressão. Da ofensa para a sentença. Da multidão para a solidão. Da presença para o abandono. Da tortura para a humilhação. Do pretório para o Gólgota. Da flagelação para a Cruz. Da vida para a morte. Do baixo para o alto. Do alto para baixo. Da Cruz para a sepultura. Do cúmulo para o túmulo. De ontem para hoje.
2. Eis os passos que já passaram. Eis os passos que ainda estão a passar. Eis os passos que nunca passam. No fundo, este é o verdadeiro dia de Nosso Senhor dos Passos: de todos os passos, dos Seus passos, dos nossos passos, dos passos que deu há dois mil anos, dos passos que dá connosco hoje. Foi por nós que Jesus subiu à Cruz e desceu ao túmulo. E só no túmulo parou todo aquele cúmulo de amor. Ou, melhor, nem no túmulo parou todo aquele cúmulo de amor.
B. A Cruz não ficou em Jerusalém
3. Nós é que devemos parar — e reparar — diante da Cruz. Este é o dia de parar na Cruz. Este é o dia de parar para reparar na Cruz. Este é o dia de parar para reparar nos passos que conduziram à Cruz. E este há-de ser o dia para começar a reparar os nossos passos que nem sempre estão em sintonia com o testemunho que nos vem da Cruz. A Cruz não tem só passado. A Cruz também tem presente. A Cruz também subsiste no presente.
4. A Ressurreição não constitui a eliminação da Cruz, mas a revelação do significado — e do alcance — da Cruz. O que ressuscitou mantém as marcas da Cruz, como faz questão de mostrar a Tomé (cf. Jo 20, 27). É como se nos estivesse a dizer que só se chega à Ressurreição pelo caminho da Cruz. Só volta à vida quem dá a vida, quem se dá na vida. É por isso que a Cruz não ficou em Jerusalém, a Cruz está espalhada pelo mundo. Jesus continua a carregar a Cruz em tantos que vão carregando a Cruz. A Cruz continua a ser carregada nos hospitais e nas prisões. A Cruz continua a ser carregada em camas abandonadas de tantas casas isoladas. A Cruz continua a ser carregada por tanta gente sem pão, sem trabalho e sem saúde. A Cruz continua a ser carregada por tantos que sofrem as dores da injustiça e da opressão. A Cruz continua a ser carregada por tantos que são esquecidos e maltratados.
C. A Cruz está sempre a passar
5. Jesus continua a ser crucificado em tantos que crucificamos. O que fazemos a eles é o que fazemos a Ele (cf. Mt 25, 40). O que não fazemos a eles é o que deixamos de fazer a Ele (cf. Mt 25, 45). Nunca esqueçamos que a Cruz tem uma actualização sacramental, na Eucaristia, e uma permanente actualização existencial, na vida de tantas pessoas. A Cruz não passou, a Cruz está sempre a passar. Será lícito votar-Lhe ausência ou indiferença? Se Jesus é diferente, como continuar a ser indiferente?
6. A esta semana os antigos chamavam «semana pascal». E, com efeito, esta é uma semana pascal: não só porque é a semana que nos conduz à celebração da Páscoa, mas também porque nos convida a «passar» de uma vida centrada em nós a uma vida centrada em Deus e nos irmãos. A antiga liturgia de Milão dava a esta semana o nome de «semana autêntica» por ser a semana que assinala os verdadeiros «trabalhos de Jesus». E não há dúvida de que, nos «trabalhos» derradeiros como em toda a Sua vida, Jesus recusa tudo o que é falso, mentiroso ou apenas aparente. Jesus vive — e morre — para dar testemunho da verdade (cf. Jo 18, 37). Não admira, portanto, que os cristãos olhassem, desde cedo, para esta semana como uma «semana santa», uma «semana grande» e uma «semana maior». Tudo o que nela acontece é santo, é grande, é maior. Trata-se, por isso, de uma semana que não se esgota em sete dias. A «semana maior» é, pois, uma «semana grande» e há-de tornar-se uma semana sem termo. Nela ocorrem os acontecimentos que mudaram a história e que hão-de mudar a nossa vida. Podemos dizer que esta é também a «semana primeira» que inaugura os tempos últimos, os tempos definitivos em que vivemos.
D. Paz, até na violência
7. No Domingo de Ramos, não procuramos apenas recordar a entrada solene de Jesus em Jerusalém. Procuramos sobretudo dar testemunho público da nossa fé em Jesus Cristo, morto e ressuscitado. Já agora, refira-se que este Domingo também chegou a ser conhecido como «Capitulavium», que significa «lavagem das cabeças». É que, neste dia, os que iam ser baptizados na Vigília Pascal, no sábado seguinte, lavavam solenemente a cabeça numa cerimónia pública. Em Jerusalém, a Procissão dos Ramos começava pelas 13 horas, no Monte das Oliveiras. Cantavam-se hinos e salmos, e faziam-se leituras da Sagrada Escritura. Pelas 17 horas, era lido o Evangelho que descreve a entrada de Jesus em Jerusalém. Nessa altura, todos, com ramos de oliveira e palmeira, saíam em direcção à cidade, cantando e rezando.
8. Nós também chegámos aqui com ramos e vamos sair daqui com a Cruz, procurando plantá-la na nossa vida e implantá-la no nosso mundo. É enorme a lição que vem da Cruz. Tanta dor e tanta paz perante a dor. Jesus recusa sempre responder à violência com violência. Até à violência, até à violência mais injusta, Jesus responde com a mansidão, com a paz. Trata-se, obviamente, de uma paz sentida, de uma paz sofrida, mas, mesmo assim, é paz. O que mais comove, em todo este relato, é a paz que Jesus mantém até ao fim, é a dignidade que Jesus conserva até para lá do próprio fim.
E. Vida, até na morte
9. Tudo parece escurecer na Cruz. Até Deus parece ocultar-Se como se depreende do grito de Jesus (cf. Mc 15, 34). Até Jesus Se sente abandonado. E, não obstante, tudo brilha na escuridão da Cruz. É esta morte que faz luz sobre esta vida. Até um estranho reconhece que, afinal, Deus está na Cruz (cf. Mc 15, 39). O que — de certo modo — estava velado em vida parece desvelar-se completamente na morte.
10. No fundo, é quando parece que tudo acaba que tudo verdadeiramente começa. A morte de Jesus é uma morte «morticida», uma morte que mata a morte. Já não vivemos para morrer; morremos para viver. A morte já não é termo, mas passagem. Já não é fim, mas trânsito. Já não é conclusão, mas viragem. Já não é despedida, mas recomeço. A evidência mostra que a vida conduz à morte, mas a fé assegura que, em Cristo, até a morte nos reconduz à vida. Em Cristo, até a morte está cheia de vida!
Do blogue A Paz na Verdade
A. Jesus ressuscita ao «terceiro dia» para nos ressuscitar (logo) ao «quarto dia»
É o nosso «eu» que nos traz moribundos. É, por isso, do nosso «eu» que Jesus nos vem libertar. É o nosso «eu» que nos traz «atrelados» à mordaça do pecado e da morte por este acarretada. O nosso «eu» também nos faz «cheirar mal» (cf. Jo 11, 39). Só Jesus, com o Seu odor, nos liberta deste infectado fedor.
Ressuscitar é, assim, libertar. A Ressurreição é a suprema libertação. Jesus, ao ressuscitar Lázaro, mostra que Ele mesmo é a Ressurreição e a suprema libertação. Mas nem isso O impede de chorar. A Sua divindade não ofusca a Sua humanidade e a Sua humanidade não obscurece a Sua divindade. Jesus, que ressuscita Lázaro, chora por Lázaro. Jesus era muito amigo de Lázaro (cf. Jo 11, 35-36), como é muito amigo de cada um de nós.
B. A morte como «adormecimento»
3. «Senhor, aquele de quem és amigo está doente» (Jo 11, 3). Eis o que foi dito a Jesus há dois mil anos. Eis o que pode — e deve — ser dito a Jesus hoje. Tantos são os que estão doentes. Tantos são aqueles a quem só Jesus pode curar. Não tenhamos medo de recorrer a Jesus. Jesus está sempre disponível para vir em nosso auxílio. Quando sabe que o amigo está doente, Jesus altera os planos e muda de caminho (cf. Jo 11, 7) apesar da hostilidade dos judeus (cf. Jo 11, 7). Sabendo também da nossa doença existencial, Jesus está sempre disponível para nos curar.
Como é sabido, Jesus não vai logo para casa de Lázaro. Permanece ainda dois dias no local onde estava (cf. Jo 11, 6). Lázaro está doente, mas a sua doença não é de morte; é para que nela se manifeste a glória de Deus (cf. Jo 11, 4). Aquela morte é vista sobretudo como uma oportunidade para reforçar a fé na Ressurreição (cf. Jo 11, 15).
Ora, inclinar a cabeça é a posição não só de quem morre, mas também de quem dorme. Aliás, há uma máxima muito antiga segundo a qual a Igreja nasce do lado «adormecido» — não «morto» — de Cristo na Cruz. Na morte de uma pessoa santa, costumamos dizer que «adormeceu no Senhor». E, já agora, convirá recordar que a palavra «cemitério» significa não «lugar onde se morre», mas «lugar onde se dorme».
C. Um despertador chamado Jesus
5. É desta sonolência que Jesus nos vem despertar como despertou Lázaro. Jesus é a vida definitiva que supera a morte. Na Primeira Leitura deste Domingo, Deus oferece ao Seu Povo uma vida nova. Essa vida vem pelo Espírito, que irá inserir o mesmo Povo na fidelidade a Deus e no amor aos irmãos.
Por sua vez, a Segunda Leitura lembra aos cristãos que, no dia do seu Baptismo, optaram por Cristo e pela vida nova que Ele veio oferecer. Convida-nos, portanto, a sermos conformes com essa escolhas, realizando as obras de Deus e vivendo «segundo o Espírito». O Evangelho garante-nos que Jesus é a realização definitiva do divino desígnio de dar aos homens a vida nova. Os que aderem a Jesus Cristo também morrem, mas não ficam mortos: vivem para sempre em Deus.
O texto que hoje foi proclamado constitui a quinta — e última — catequese do referido Livro dos Sinais. Tudo se passa em Betânia, uma aldeia que fica a este do Monte das Oliveiras, a cerca de três quilómetros de Jerusalém. Da família de Lázaro faziam parte as suas irmãs Maria e Marta. Trata-se de uma família que Jesus conhece e que conhece Jesus, que ama Jesus e que é amada por Jesus.
D. É à nossa vida que Jesus oferece a Sua vida
7. Salta à vista que o Evangelho só fala destes irmãos, omitindo qualquer referência a outros membros desta família. Se repararmos, a palavra «irmãos» é a palavra usada por Jesus para se referir aos Seus discípulos (cf. 20, 17). É, pois, como irmãos que Jesus quer que vivamos. É como irmãos que Jesus nos quer encontrar. Jesus quer encontrar-nos como irmãos quando vem à nossa casa, à nossa vida.
É à nossa vida que Jesus oferece a Sua vida. É à nossa vida mortal que Jesus oferece a Sua vida eterna. Assim sendo, a morte não é fim, mas trânsito. É pela morte que passamos desta vida para a vida plena.
O gesto de dar vida a Lázaro representa o ápice da missão que o Pai confiou a Jesus: dar a vida definitiva ao homem. É por isso que Jesus, antes de mandar Lázaro sair do sepulcro, dá graças ao Pai (cf. Jo 11, 41-42). Ao dar a vida ao homem, Jesus está a realizar a vontade do Pai.
E. Não há maior felicidade que a divina amizade!
9. Que terá acontecido a Lázaro depois de ressuscitar? Os textos sagrados não dizem mais nada a não ser que os sumos-sacerdotes, além de Jesus, também decidiram matar Lázaro. É que muitos judeus, por causa dele, passaram a acreditar em Jesus. (cf. Jo 12, 11).
Há uma tradição que diz que os três irmãos foram para França, assegurando que Lázaro foi o primeiro Bispo de Marselha. Tendo sido martirizado, há quem acredite que as suas relíquias estão em Autun.
Enquanto padroeiro da Lárnaca, há nesta cidade uma basílica dedicada a São Lázaro, construída em 890. Antes da basílica, havia um templo do século V no qual existia um sarcófago com a inscrição: «Lázaro, o amigo de Cristo». Eis, assim, o mais belo remate para a nossa vida: sermos «amigos de Cristo» e termos Cristo como Amigo. Não há maior felicidade que a Sua amizade!
Do blogue A Paz na Verdade