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Foi o eterno silêncio de Deus que fecundou o eloquente silêncio de Maria. É este silêncio que, hoje, respiramos. É neste silêncio que, em cada dia, devíamos morar. Tudo mudou quando o Silêncio falou. As trevas sobressaltaram-se. A noite acordou. Toda a natureza — e não apenas o galo — cantou. A manhã despontou. E o Salvador chegou.
2. Eis, como dizia Sto. Agostinho, «o dia feliz, em que o grande e eterno Dia, procedente do grande e eterno Dia, veio inserir-se neste nosso dia temporal e tão breve». Neste feliz dia, nasceu Jesus e nascemos nós com Jesus. O Natal é a festa do nascimento de Jesus e do nosso próprio nascimento. Nós nascemos quando Ele nasceu. O nascimento de Jesus é o nascimento de todo o corpo de Jesus, do qual nós fazemos parte (cf. 1Cor 12). Assim sendo e como notou S. Leão Magno, «o aniversário da cabeça é o aniversário do corpo». O Natal também é nosso. Enfim, o Natal é a festa universal porque é o acontecimento total.
O Evangelho evoca a geração do Filho de Deus desde toda a eternidade. E, como refere o Prefácio II da Missa de Natal, «o que foi gerado desde toda a eternidade começou a existir no tempo». O que foi gerado no seio do Pai veio até nós pelo seio de Maria. E foi assim que, como já notavam os escritores cristãos mais antigos, «Um da Trindade Se fez Um de nós». O amor de Deus, o amor que é Deus, não cabe em Deus e explode na criação. O «big bang» terá sido realidade e é seguramente sinal: sinal de um amor que explode permanentemente no mundo.
B. Deus, que está no alto, visita-nos cá em baixo
3. É por tudo isto que este é o dia tão esperado. Este é o dia por nós tão esperado porque, nele, celebramos a vinda ao mundo do Inesperado. Deus não só vem ao encontro do homem, como Ele próprio Se faz homem. E não somente Se faz homem como Se faz homem pobre, homem simples, homem frágil. O sinal de Deus não é a opulência nem a ostentação. O sinal de Deus — dizem os enviados do Céu — é um Menino, «envolto em panos e deitado numa manjedoura»(Lc 2, 12).
Guilherme de Saint-Thierry dá uma explicação muito luminosa para tal opção: «Deus viu que a Sua grandeza suscitava no homem resistência. Então, Deus escolheu um caminho novo. Tornou-Se um Menino. Tornou-Se dependente e frágil, necessitado do nosso amor. Agora — diz-nos aquele Deus que Se fez Menino — já não podeis ter medo de Mim, agora podeis apenas amar-Me».
Por isso, é urgente fazer o bem, também hoje. Por isso, é fundamental ser bom, sobretudo hoje. De resto e como apelava António Gedeão, «hoje é dia de ser bom». Acontece que este hoje é um dia sem ocaso, pelo que fazer o bem e ser bom hão-de constituir uma prioridade para sempre.
C. Uma explosão de divindade, uma lição de humanidade
5. Este é o dia que não tem fim. É o dia que jamais anoitece e em que até o frio nos aquece. É o dia em que os céus se abriram, em que os anjos saíram e melodias se ouviram. Não é o simples dia que sucede à noite. É o dia que rebenta com as correntes que a escuridão armou durante a noite. Este é o dia que começou ainda de noite. Compreende-se, pois, que este seja o dia que começamos a celebrar ainda de noite. Este é o dia que sentimos despontar quando ainda era noite. Este é o dia destinado a iluminar todas as nossas noites. Este é — numa palavra — o dia.
Eis a lição do presépio. O silêncio de Deus, que falou em Belém, continua a clamar nos pobres deste mundo, nos injustiçados desta vida. Quem não os ouve a eles, como pode dizer que O escuta a Ele? Aquele Menino é tão divino que até quis ser humano. Aquele Menino é tão humano que só pode ser divino. O Deus que está naquele Menino humaniza-Se e diviniza-nos. Ele não nos retira humanidade. Pelo contrário, a Sua divindade acrescenta-nos humanidade.
A tragédia do nosso tempo é a desumanidade entre os homens. E para esse pecado concorrem não somente os não crentes. Os crentes também não lhe são imunes. Muitas são as vezes em que não têm sido capazes de encontrar Deus no homem. Deus é muito mais humano que os homens.
D. Em Belém e na nossa vida também
7. Não nos cansemos de fixar o olhar no presépio. Aquele Menino é tão santo que só consegue provocar encanto. É tão cheio de mansidão que os nossos joelhos caem logo em adoração. O Seu rosto destila tanta pureza que até os antípodas aspiram o perfume da Sua beleza. Enfim, a Sua imagem desperta tal ternura que nem há palavras para descrever tamanha formosura.
O Menino está ali. Mas eu sinto-O sobretudo aqui. Vejo Jesus agora e não deixo de O rever lá fora. Ele está na rua, na minha história e também na sua. Está no sofredor, naquele que estende a mão e mendiga amor. Está no pobre, no que não tem pão. Está em quantos vão penando na solidão. O Seu tempo nunca é distante pois a Sua presença é constante. O Seu lugar não é só em Belém, é na nossa vida também. Ouçamos sempre a Sua voz. E nunca deixemos de O acolher em cada um de nós.
Razão tem João Coelho dos Santos ao colocar nos lábios de Jesus este lamento: «Senta-se a família/ À volta da mesa./ Não há sinal da cruz,/ Nem oração ou reza./ Tilintam copos e talheres./ Crianças, homens e mulheres/ Em eufórico ambiente./ “Lá fora tão frio, Cá dentro tão quente!”/ Algures esquecido,/ Ouve-se Jesus dorido:/ “Então e Eu,/ Toda a gente Me esqueceu?”».
E. Hoje em dia, o grande Natal é a Eucaristia
9. De facto, às vezes — muitas vezes —, parece que esquecemos Jesus até na época em que assinalamos o nascimento de Jesus. Esquecemos Jesus quando esquecemos aqueles para quem Jesus nasceu. Esquecemos Jesus quando nos fechamos aos outros. Esquecemos Jesus quando nos encerramos nas torres (pretensamente) fortificadas do egoísmo e da indiferença. É triste ver que há muitos Natais longe do Natal. É penoso sentir que há muitos Natais aquecidos à lareira, mas arrefecidos no coração.
São muitos, sem dúvida, os encantos do Natal. Há presépios lindos. Há presépios deslumbrantes. Há presépios originais. Há presépios surpreendentes. E até há presépios ao vivo. Faltam, contudo, presépios vivos, que, a bem dizer, são os únicos presépios necessários. São esses que são construídos não nas ruas ou nas casas, mas no coração humano: no meu, no seu, no nosso, enfim, no coração de todos os homens.
Não desliguemos a luz que Deus acende em nós neste dia. Deixemos brilhar a luz do Natal em cada dia. E nunca esqueçamos que, hoje em dia, o grande Natal é a Eucaristia. Um feliz Natal hoje. Um feliz Natal sempre. Para todos, um santo, luminoso e muito abençoado Natal!
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A. Não falta quase nada ou continua a faltar quase tudo?
Mas se fizermos a mesma pergunta a nós próprios, que resposta teremos para dar? Poderemos achar que nada (nos) falta no Natal. Mas não será que nos falta tudo para o Natal? É possível que tenhamos preparado tudo para o Natal. Mas será que nos estamos a preparar devidamente para o Natal?
O Natal assinala a eliminação de todas as distâncias. O que era mais distante tornou-se o mais próximo. O que parecia estranho entranhou-se. Jesus é Deus no meio de nós. Jesus é, verdadeiramente, o Emanuel, o «Deus connosco», o «Deus em nós», o «Deus para nós».
B. Natal não são as oferendas que recebemos como prendas
3. O teofilósofo Xavier Zubiri dizia que «estar é ser em sentido forte». E, na verdade, só quem está mostra o que é. Ora, Jesus é o Deus que está, é o Deus que nunca deixa de estar. Jesus é o Deus que faz de cada pessoa a Sua habitação. A Sua habitação tem a forma de coração. É no nosso coração que Ele habita. É no nosso coração que Ele nos visita.
Em Jesus, Deus tornou-Se mais íntimo a nós do que nós mesmos. Ainda que nos sintamos longe d’Ele, Ele está sempre perto de nós. Haverá beleza maior? Haverá sequer encanto igual?
O Natal não são só as oferendas que recebemos como prendas. O Natal é o presente que Deus faz a toda a gente. Não tenhamos medo de proclamar que o Natal é Deus que nos vem visitar. Não tenhamos medo de rezar diante d’Aquele que está sempre a chegar. Não tenhamos medo de testemunhar a nossa fé em Jesus de Nazaré.
C. Sem rumo neste «festival de consumo»
5. Por vezes, parecemos andar sem rumo neste «festival de consumo». Em vez de dinheiro, procuremos dar a vinda por inteiro. Estacionemos em Belém e paremos um pouco também. Tanta humildade vem com aquela divindade! Tanta luz que na simplicidade reluz! Maria e José não arredam pé: contemplar o Menino passa a ser o seu único destino. Haverá quadro igual para nos envolver no Natal?
José não percebe o que em Maria acontece. O mistério não é para perceber. O mistério é para acolher, ainda que não o possamos compreender. Nem sempre a evidência corresponde à existência. Maria estava grávida, mas nenhum homem A fecundou. Foi Deus quem A visitou. O que em Maria se passa é, totalmente, obra da Graça.
Sem saber bem o que fazer, José acaba por adormecer. Talvez saísse manhã cedo, repudiando sua Esposa em segredo (cf. Mt 1, 19). Uma coisa não iria deixar: que as suas palavras servissem para Maria condenar.
D. A maior maravilha que pelo mundo brilha
7. É então que Deus traz a solução. José não precisa de ter medo e a sua alma pode ficar em sossego. Nem tudo o que parece corresponde ao que acontece. Aquela gravidez foi obra que Deus fez. É a maior maravilha que pelo mundo brilha. Aquele seio do Espírito Santo está cheio. É um sacrário fecundo que trouxe Deus para o mundo.
O Céu desce até à Terra para acabar com a injustiça, com a guerra. Tudo começa a ser novo para todo este povo. A salvação está, finalmente, à nossa disposição. A partir de agora, já nada é como era; Deus está sempre à nossa espera. O Seu amor não tem fim. Iremos negar-Lhe o nosso «sim»?
Ponhamos Deus no nosso Natal como Deus nos pôs, a nós, no Seu Natal. Quando o Filho de Deus nasceu, foi por todos nós que Se ofereceu. Acolhamos o que Ele nos traz e vivamos sempre em paz.
E. No tempo que resta, preparemos a grande festa
9. Neste tempo que resta, preparemo-nos para tão grande festa. Falta pouco tempo para que o Natal chegue, mas talvez ainda nos falte muito para que o Natal fique. É pela conversão que as coisas ficarão melhores do que estão. Por tal motivo, celebremos o Perdão e abeiremo-nos do divino Pão. Não esqueçamos que o Natal é com José, com Maria e com Jesus na Eucaristia.
Assim sendo, não fiquemos só à nossa mesa, em noite de tanta beleza. Que cada um venha, com os seus, celebrar a Noite Santa na Casa de Deus. É na Eucaristia que Jesus volta a nascer e que o Natal volta a acontecer.
Que o Natal não tenha «depois». Que o Natal só tenha «durante» e que se prolongue a cada instante. Que se apresse, então, o dia de Natal. Mas que não haja mais nenhum dia sem Natal. Que em cada coração se acenda a felicidade. E que a paz se instale em toda a humanidade. Deus vem ao nosso encontro, a cada hora. Comecemos, então, a recebê-Lo já, a partir de agora!
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Afinal, que fizemos da alegria? Estaremos, em vez de fazer, a desfazer a alegria? Porque é que a alegria nos falta? Que nos faltará para que a alegria nos visite?
Podemos ter tudo, mas, longe de Deus, nunca nos sentiremos plenamente alegres. Podemos não ter nada, mas, em Deus, sentir-nos-emos sempre visitados pela alegria.
B. Afinal, onde está a alegria?
3. É sintomático notar que o convite de São Paulo à alegria é feito na prisão. Não se trata de um ambiente propriamente propício à alegria. Mas o Apóstolo sente-se alegre porque está em Deus, porque está com Cristo.
Daí o (insistente) apelo aos cristãos: «Alegrai-vos sempre no Senhor» (Fil 4, 4). E, a seguir, repete: «Novamente vos digo: alegrai-vos» (Fil 4, 4). Porquê? Porque «o Senhor está próximo» (Fil 4, 5). Aliás, é esta fórmula verbal — o imperativo «alegrai-vos» — que deu origem a este Domingo, chamado «gaudete». «Gaudete» é o imperativo do verbo latino «gaudeo», que significa precisamente «alegrai-vos».
Neste sentido, longe do Senhor, a alegria é sempre insuficiente. Longe do Senhor, a pessoa sente-se como que num «redemoinho no meio do qual não pode sentir-se realmente alegre».
C. O segredo da verdadeira alegria
5. Por conseguinte, se queremos a alegria, recebamos o Filho da Virgem Maria. Não é o prazer banal que nos dá alegria real. Nem sequer é a diversão que nos alegra o coração. Aliás, são tantas as noites de pretensa festa que acabam de maneira funesta. Como pode haver alegria na existência com tantas cenas de violência?
Foi apenas com Jesus Cristo que, no mundo, «apareceu a alegria real». Aliás, nada há de verdadeiro se não nos abrimos a Cristo por inteiro. É por isso que, como observou Bento XVI, «a nossa alegria só será verdadeira se não assentar em coisas que nos podem ferir e destruir». A nossa alegria só será verdadeira com Cristo Jesus à nossa beira.
As propostas foram surgindo. Consistiria a verdadeira alegria no facto de todos os mestres de Paris entrarem na Ordem Franciscana? São Francisco responde que não. Consistiria a verdadeira alegria na adesão de todos os bispos e reis à referida Ordem? São Francisco volta a responder que não. Consistiria a verdadeira alegria nos êxitos da pregação ou no dom de fazer milagres? Para espanto de muitos, São Francisco volta a responder que não.
D. Uma alegria que até arrepia
7. Onde estaria, afinal, para São Francisco, a verdadeira alegria? São Francisco responde, propondo que meditemos na seguinte situação.
Imaginemo-lo, numa noite de Inverno, a chegar a casa, de horas a fio a mendigar. Está muito frio e as pernas já escorrem sangue. Depois de bater à porta e de esperar bastante tempo, alguém lhe diz lá de dentro: «Não são horas de chegar a casa. Fica aí, de fora». Novas insistências, novas recusas e alguns insultos. Conclusão de São Francisco: «Se eu suportar tudo isto com serenidade, sem perder a calma, terei encontrado a verdadeira alegria»!
No fundo, para haver alegria é preciso combater uma tirania. A tirania do eu leva a que cada um só pense em si e no seu. Temos, pois, de nos libertar de nós para que a alegria (re)entre em nós.
E. Alegria na missão, com o exemplo de João
9. É fundamental que ponhamos Jesus no centro: no centro da nossa vida. Coloquemos Jesus em primeiro lugar e não procuremos logo o lugar a seguir ao lugar primeiro. Em inglês, alegria diz-se «joy». E «joy» pode funcionar como um acróstico em que «J» é inicial de Jesus, «o» é inicial de outros («others) e «y» é inicial de você mesmo («yourself»). Eis que nos surge, então, a seguinte proposta de vida: Jesus em primeiro lugar («Jesus first), os outros em segundo lugar («others second») e cada um de nós em último lugar (yourself last»).
Que cada um de nós coloque Jesus em primeiro e os outros em segundo. Foi, de resto, o próprio Jesus que nos ensinou o serviço aos outros, a entrega pelos outros. E não tenhamos medo de ficar em último até porque, segundo o Evangelho, os últimos são os primeiros (cf. Mt 20, 16). Deus olha para os últimos. Deus ama os últimos. E faz dos últimos primeiros.
Como há dois mil anos, procuremos contar o que vimos e ouvimos (cf. Mt 11, 49). Uma alegria nunca pode estacionar. Uma alegria é sempre para irradiar. Como a João, deixemos que Jesus toque o nosso coração. O Baptista, homem íntegro e verdadeiro, é o modelo para todo o mensageiro. No seu tempo, nunca aceitou ser uma cana agitada pelo vento (cf. Mt 11, 7). As suas roupas não eram macias (cf. Mt 11, 8) e as suas palavras nunca foram vazias. A alegria de João é, pois, uma permanente lição. A sua alegria assentava na verdade que vivia. A verdade é sempre alegre, a alegria é sempre verdadeira. Cristo é a alegria, Cristo é a verdade. Para todos, Ele é a felicidade!
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Este é um verdadeiro dia da Mãe. É o dia em que a Mãe começou a existir. É o dia em que o céu se quis abrir e, para todos, sorrir. O primeiro suspiro de Maria acaba por ser o primeiro sopro de vida de Jesus. A Mãe também teve mãe, também teve pai. Mas Sta. Ana e S. Joaquim não imaginavam que aquele começo não mais teria fim. Este é, pois, o início antes do começo, o dia anterior ao dia primeiro. Este é o Natal que prepara o Natal. É o pré-Natal que nos vai conduzir até ao Natal.
É desde o início que Deus nos sustenta. Foi desde o início que Deus sustentou Maria com a Sua presença. Foi desde o início que Maria Se tornou a «cheia de graça»(Lc 1, 28) Desde sempre tatuada por Deus, Maria nunca conheceu o pecado original. A Igreja desde o princípio o reconheceu e, pela voz de Pio IX, o proclamou a 8 de Dezembro de 1854, na Bula «Ineffabilis Deus»: «A Bem-Aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de Sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus omnipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano, foi preservada imune de toda a mancha do pecado original».
B. Uma festa universal, uma festa de Portugal
3. Por aqui se vê como Maria também precisou de ser redimida. Afinal, a Mãe também precisou do Filho, Maria também precisou de Jesus. Aliás, se assim se não fosse, ficaria em causa um dos pilares estruturantes da nossa fé: a universalidade da salvação. Se Maria não precisasse de ser salva, a salvação não seria plenamente universal pois haveria, pelo menos, uma criatura que a dispensava. Só que Maria também foi salva, Maria também foi redimida, mas por antecipação, por preservação. No Seu desígnio insondável, Deus preservou do pecado Aquela que haveria de gerar Aquele que nos iria libertar de todo o pecado.
E o certo é que esta verdade de fé tem sido acreditada desde os começos. Muitos escritores antigos defenderam a Imaculada Conceição da Virgem Maria, tanto no Oriente como no Ocidente. No século IV, Sto. Efrém sustentava que só Jesus e Maria estão limpos de todo o contágio do pecado. Daí que, já no século VIII, se celebrasse a festa litúrgica da Imaculada Conceição a 8 de Dezembro, ou seja, nove meses antes da festa de Sua natividade, comemorada a 8 de Setembro.
Nas cortes de 1646, o rei D. João IV declarou, sob juramento, Nossa Senhora da Conceição Padroeira de Portugal. Este mesmo rei, em 1648, mandou cunhar moedas de ouro e de prata chamadas «Conceição». Em 1654, o referido monarca enviou a todas as câmaras municipais cópia da inscrição comemorativa do juramento solene feito em 1646 para que fosse mais notória a obrigação de defender «que a Virgem Senhora Nossa foi concebida sem pecado original». Também em 1654, o reitor e os professores da Universidade de Coimbra determinaram que a fórmula do juramento de todos os futuros graduados começasse pelo compromisso de «defender sempre e em toda a parte que a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, foi concebida sem a mancha do pecado original». E até 1910 o cumprimento de tal juramento era condição para se obter qualquer grau universitário.
C. O Filho que Maria nos deu pela fé O concebeu
5. É com pesar que noto que a memória começa a ser difusa acerca de toda uma história que é também tão lusa. De facto, Maria, sendo genuinamente universal, é muito nossa, é muito de Portugal. Se os nossos antepassados aprenderam cedo a venerá-La, iremos nós, agora, ignorá-La?
Maria é uma presença que a nossa fé não dispensa. É uma lembrança que nos acalenta na esperança. Ela é a toda pura e é com emoção que olhamos para a Sua figura. Ela é a toda bela e a nossa vida está sempre iluminada por Ela. Ela é toda luz e com suave segurança nos conduz. Ela esteve junto à Cruz e continua a levar-nos até Jesus.
Maria não era muito de falar, era mais de escutar. A Palavra de Deus não A encontrou distraída, por isso a mesma Palavra n’Ela Se fez vida. O Filho que Ela nos deu pela fé O concebeu.
D. Um sim que não tem fim
7. Deixemo-nos, pois, guiar por Maria. Ela não nos afasta de Jesus. Aliás, como poderia afastar-nos de Jesus Aquela que nos dá Jesus? Como reconhecia Charles Péguy, «é preciso que a gente suba Àquela que intercede, Àquela que é infinitamente celeste porque é também infinitamente terrestre, Àquela que é infinitamente eterna porque é também infinitamente temporal, Àquela que está infinitamente acima de nós porque está infinitamente entre nós, Àquela que é Maria porque é cheia de graça, Àquela que é cheia de graça porque é connosco, Àquela que é connosco porque o Senhor é com Ela, Àquela que está infinitamente longe porque está infinitamente perto, Àquela que é a mais alta princesa porque é a mais humilde mulher, Àquela que está mais próxima de Deus porque é a que está mais próxima dos homens».
Como notou o mesmo poeta, a Maria não falta nada, a não ser o ser Deus, ser o Seu Criador. «Porque, sendo carnal, Ela também é pura. Sendo pura, também é carnal. Por isso, Ela não é apenas uma mulher única entre todas as mulheres, mas uma criatura única entre todas as criaturas. Ela é uma criatura única, infinitamente única, infinitamente rara».
«Ave» significa «alegra-Te», pelo que a nova humanidade só tem motivos para se alegrar. A nova humanidade começa por um acto de fidelidade. O «sim» de Maria nunca mais terá fim. O amor de Maria é fecundo porque o seu «sim» é profundo. Os Seus lábios disseram «amém» e todo o Seu ser anuiu também. O Verbo fez-Se carne pela carne de Maria. A Palavra fez-Se vida na vida de Maria. Foi no silêncio de Maria que fermentou a Palavra que salva. O Seu coração guardou a Palavra que Deus enviou (cf. Lc 2, 19). Com Maria digamos «sim». Com Maria digamos também «amém».
E. Tanta tristeza na beleza, tanta beleza na tristeza
9. Termino com o meu poema preferido sobre Nossa Senhora. Foi composto por Antero de Quental. Era um espírito inquieto, mas que sempre soube encontrar a bússola certa para os seus caminhos incertos. É um texto sentido, um texto sofrido. É um texto que fala da Mãe, do Seu amor e da Sua dor, da Sua tristeza e da Sua beleza.
De facto, tanto amor há na dor e tanta dor há no amor; tanta tristeza há na beleza e tanta beleza há na tristeza.
«Num sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade
É que eu vi o teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza.
Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade.
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na Natureza.
Um místico sofrer... uma ventura
Feita só de perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira.
Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa.
E deixa-me sonhar a vida inteira!»
Maria é a estrela do Advento. É Ela, afinal, que nos embala até ao Natal. É Ela que nos oferece o Natal. Foi o Seu amor profundo que trouxe o Filho de Deus até ao nosso mundo!
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Foi, com efeito, a 4 de Dezembro de 1966 — curiosamente, também um Domingo — que Lamego se cobriu de festa para assinalar a conclusão da construção do Escadório. 189 anos depois de ter começado, nas imediações do Santuário, era concluído, em plena cidade. 605 anos após a inauguração da Capela de Santo Estêvão, aqui em cima, os primeiros degraus de acesso eram colocados, lá em baixo.
Só que tais tentativas foram continuando até que, a 11 de Novembro de 1962, as obras arrancaram. O primeiro degrau foi benzido a 4 de Maio de 1963, por D. João da Silva Campos Neves. Os trabalhos prosseguiram ao longo de mais três anos: 85 degraus ligaram o Largo da Meia Laranja à Estrada Nacional e outros 157 degraus trouxeram o Escadório da Estrada Nacional para a Av. Dr. Alfredo de Sousa. Deste modo, mais 242 degraus foram acrescentados aos 683 que já existiam.
B. A Mãe é o grande degrau para o Filho
3. Depois de estar aprazada para Setembro, a cerimónia de inauguração decorreu, então, a 4 de Dezembro de 1966, um Domingo. Houve uma Santa Missa no Santuário, presidida por D. Américo Henriques, Bispo Auxiliar e que tinha sido ordenado pouco antes. Entre os presentes, encontrava-se o Ministro das Obras Públicas, Eng. Eduardo Arantes e Oliveira. A sua fotografia foi descerrada na Sala dos Retratos, onde ainda se encontra. Recebeu um diploma de membro benemérito da Irmandade, a medalha de ouro do município e o título de cidadão honorário da cidade.
As palavras inscritas há 50 anos dizem tudo porque provêm da alma de todos: «Devota homenagem/Bendita seja, Nossa Senhora dos Remédios, excelsa e querida Padroeira da Cidade». De facto, a cidade é d’Ela é Ela também é da cidade. A vida agita-se lá em baixo, mas os olhos — e sobretudo o coração — apaziguam-se sempre que se voltam cá para cima, para o brilho que vem da Mãe. O brilho do Escadório faz reluzir, ainda mais, o amor que nele ferve à medida em que é escalado.
Eles perceberam que o centro da Casa da Mãe é o Altar do Seu Filho, que, em cada Eucaristia, renasce para nós a fim de que nós renasçamos para Ele. É por isso que a Eucaristia é o contínuo Advento e o perene Natal.
C. A mudança já devia ter começado ontem
5. Vale, por isso, a pena reparar não apenas na arquitectura do Escadório, mas também na teologia do Escadório e na espiritualidade do Escadório. O Escadório não é só — nem principalmente — um espaço para trilhar; é sobretudo uma atmosfera para respirar e para meditar.
Este Escadório nasceu para ser um monumental oratório. Por estes degraus tornou-se hábito aspirar um profundo hálito. Tornou-se hábito humano aspirar, aqui, o hálito divino. Aqui, todos sentem o aconchego de uma mão, da mão da Mãe. Por toda esta escadaria ressoará sempre uma imensa «Ave, Maria»!
Atenção, pois. A mudança já devia ter começado ontem. Não adiemos para amanhã a mudança que é urgente começar (pelo menos) hoje. Jesus não vem para que tudo fique na mesma. Jesus vem para que tudo seja diferente, para que tudo seja melhor. Jesus não vem para mudar só as estruturas. Jesus quer mudar a vida, a minha e a tua. Vamos deixá-Lo sozinho, a clamar na rua? A Sua proposta merece sempre a nossa melhor resposta.
D. Deus oferece-nos um mundo novo
7. Na Primeira Leitura, o profeta Isaías apresenta um enviado de Deus, sobre quem repousa a plenitude do Espírito divino. É um espírito de sabedoria e de inteligência como Salomão. É um espírito de conselho e de fortaleza como David. É um espírito de conhecimento e de temor de Deus como os patriarcas e os profetas. Refira-se que aos seis dons aqui enunciados, a tradução grega dos chamados «Setenta» acrescentará a piedade. Como se pode ver, está aqui a origem da lista dos sete dons do Espírito Santo.
A missão deste enviado é construir um reino de justiça e de paz sem fim. Todas as divisões serão banidas, todos os conflitos serão superados. Até os que se dão mal passarão a dar-se bem. Vão passar a dar-se bem: o lobo e o cordeiro, a pantera e o cabrito, o bezerro e o leão; a vaca e o urso.
Recorrendo a imagens muito sugestivas, o profeta apresenta um mundo novo, um mundo belo. Destruídas as inimizades e superadas as desarmonias, o homem viverá em paz e em comunhão total com Deus. Esta descrição não pode ser vista como meramente idílica ou como um ideal irreal. O que aqui é dito corresponde ao que nos é oferecido e há-de ser permanentemente construído.
E. Nem justiça sem paz nem paz sem justiça, nem paz nem justiça sem Cristo
9. Como resposta a esta descrição, cantámos expressando a nossa plena convicção de que, «nos dias do Senhor, nascerá a justiça e a paz para sempre». Porque é que parece demorar tanto a justiça que não temos e a paz que não vemos? Talvez porque pretendemos uma sem a outra e as duas sem Cristo.
Pura ilusão, porém. Não há paz sem justiça nem justiça sem paz. E não há paz nem justiça sem Cristo. Só em Cristo a paz e a justiça despertarão juntas. Em Cristo, a paz e a justiça estão geminadas. Como podemos querê-las separadas?
Advento é sobretudo tempo de preparar aquilo que esperamos e de nos prepararmos para Aquele que esperamos. Daí o sonoro apelo brandido por João: «Preparai o caminho do Senhor» Mt 3, 3). Não se trata de preparar os nossos caminhos até Deus, mas de nos prepararmos para acolher os caminhos de Deus até nós. A iniciativa é sempre de Deus. Preparar é estar alerta, vigilante. Deus gosta de surpreender. A esperança não desistiu de nós. Não queiramos nós desistir da esperança!
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