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A. Uma preparação para a Paixão
Situada entre os dois anúncios da Paixão e da Morte de Jesus (cf. Mc 8, 31-33; 9, 30-32), a Transfiguração prepara os Apóstolos para a vivência dessa mesma Paixão e Morte. Assim, quando virem Jesus na Sua condição de Servo, estarão mais bem preparados para não esquecerem a Sua condição divina.
É possível que, depois de terem ouvido falar do caminho da Cruz, os discípulos sentissem algum desânimo e frustração. À primeira vista, tudo parece encaminhar-se para um rotundo fracasso. E, no seu pensar, não era só o projecto de Jesus que fracassava. Fracassavam também os sonhos de glórias, de honras e de triunfos dos Seus seguidores. É muito provável que se perguntassem: valeria a pena seguir um mestre que nada mais tem para oferecer do que a morte na Cruz? É neste contexto que S. Lucas insere o episódio da Transfiguração. Trata-se de uma forma de animar os discípulos — e os crentes, em geral —, pois, na Transfiguração, manifesta-se a glória de Jesus e atesta-se que Ele é, apesar da morte que se aproxima, o Filho muito amado de Deus (cf. Lc 9, 35).
B. Jesus transfigura-Se e transfigura-nos
3. Os discípulos recebem a garantia de que o projecto de Jesus é o projecto do próprio Deus. Não obstante as suas dúvidas, são obsequiados com um suplemento de esperança para continuarem a acreditar no programa de Jesus que se chama Evangelho. Jesus transfigura-Se para nos transfigurar. A Sua figura transforma-se para que toda a nossa vida se transforme. Há todo um envolvimento de Jesus com os discípulos e dos discípulos com Jesus. Esse envolvimento não prescreve. Esse envolvimento permanece para sempre. Também para nós é bom estar com Jesus. Estar com Jesus transfigura a nossa vida e transforma a nossa história. Agora, já não contam os nossos planos; a partir de agora, só devem contar os planos de Jesus.
Temos diante de nós uma teofania, ou seja, uma manifestação de Deus. O autor do relato tem a preocupação de nos fornecer todos os ingredientes que acompanham as manifestações de Deus: o monte, a voz do céu, as aparições, as vestes brilhantes, a nuvem e até o medo daqueles que presenciam o encontro com o divino.
A aparição de Elias juntamente com Moisés (cf. Mc 9, 4) é como uma espécie de sufrágio do Antigo Testamento em relação a Jesus. Ele é o esperado e anunciado. Ele é o Messias anunciado pela Lei (figurada em Moisés) e pelos Profetas (representados por Elias). Ele é o novo Moisés, aquele que vai guiar o povo para a verdadeira libertação, já não pelas águas do Mar Vermelho, mas pelas águas do Baptismo. E Ele é o definitivo profeta, que transfigura o nosso ser e nos encaminha para a Verdade e para a Vida (cf. Jo 14, 6). Desta acção libertadora e profética de Jesus irá nascer um novo homem e um novo povo. É com este homem e com este povo que, em Jesus, Deus vai fazer uma nova Aliança. É com este homem e com este povo que, em Jesus, Deus vai percorrer os caminhos da nossa história.
C. A nuvem que dificulta a visão, mas não impede a escuta
5. A reacção de Pedro é compreensível. Ele sente que é bom estar ali, com Jesus transfigurado (cf. Lc 9, 33). Por isso, quer fazer três tendas (cf. Lc 9, 33). Acontece que Pedro não sabia — nem podia saber — o que estava a dizer (cf. Lc 9, 33). Ele queria já permanecer com Jesus glorioso. Só que, antes, é fundamental acompanhar Jesus crucificado. Sabemos que tal não foi fácil para Pedro. Será que é fácil para algum de nós?
Antes de armar a tenda junto de Jesus glorioso, é preciso levar Jesus junto de tantos que não têm tendas: nem tendas para viver, nem tendas para comer, nem tendas para dormir, nem tendas para trabalhar. Este ainda não é o tempo de descansar com Jesus. Este é o tempo para, incansavelmente, anunciar Jesus. O caminho de Jesus há-de ser o nosso caminho com Jesus e para Jesus.
Não é por acaso que a voz de Deus se faz ouvir através de uma nuvem. A nuvem é o que não deixa ver ou não deixa ver bem. A nuvem é, por isso, o que nos faz sentir que não sabemos tudo e que nem sequer sabemos o bastante. Mas se a nuvem nos impede de ver, não nos impede de escutar. É da nuvem que o Pai fala (cf. Lc 9, 35). É na nuvem que devemos escutar o Pai que fala. Enfim, não devemos andar nas nuvens, mas devemos escutar o se diz na nuvem.
D. Mais atentos ao que (ainda) não sabemos
7. Seria oportuno que, concretamente nesta Quaresma, prestássemos mais atenção ao que ainda não sabemos sobre Deus. E que, em consequência, estivéssemos mais atentos à voz que nos chega a partir de tantas nuvens.
Na Sagrada Escritura, Deus surge, muitas vezes, através das nuvens. É natural que, ao olhar para uma nuvem, só reparemos na obscuridade, no cinzento ou em tons ainda mais carregados. Era bom que nos habituássemos a estar atentos também à sua leveza e à sua subtileza. A grande luz é a que nos vem de além das nuvens, não a que se enxerga imediatamente para cá das nuvens.
Como bem frisou Karl Rahner, nem a palavra Deus é adequada para dizer Deus. A própria palavra Deus é uma criação humana. Por conseguinte, quando falamos sobre Deus, falamos habitualmente do que os seres humanos têm dito sobre Deus. Alguém pode garantir que tal dizer sobre Deus corresponde cabalmente ao ser de Deus? Sto. Agostinho não alimentava ilusões: «Por mais altos que sejam os voos do pensamento sobre Deus, Ele está sempre mais além».
E. Só Deus deixa ver Deus
9. Deus é luz (cf. Sal 27, 1), mas, como avisa S. Paulo, parece habitar numa luz inacessível, numa luz que ninguém vê (cf. 1Tim 6, 16). A morada de Deus parece ser a nuvem (cf. Sal 97, 2), que é um manto de obscuridade que se interpõe entre nós e a luz. Mesmo assim, Deus não deixa de vir ao nosso encontro. Deus vem até nós através da nuvem (cf. Êx 19, 9), falando connosco por entre nuvens (cf. Êx 24, 6; Mt 17, 5).
Tudo isto significa que só vemos Deus quando O vemos com os olhos de Deus. Só na Sua luz encontramos a luz (cf. Sal 36, 5). É por isso que Deus envia o Seu Filho. Ele é a luz de Deus para cada homem (cf. Jo 1, 9) e para todo o mundo (cf. Jo 8, 12). Como confessamos no Símbolo, Jesus é a «luz da luz». É a luz que vem da luz para acender, em nós, mais luz. É a luz que vence a nebulosidade das próprias nuvens. É a luz que nos deixa ver a Luz.
Como recorda S. Paulo, «se temos Deus por nós, quem poderá estar contra nós?»(Rom 8, 31). Deus ofereceu-nos o melhor que tinha, o melhor que tem: o Seu próprio Filho, que Ele entregou para dar a vida por nós (cf. Rom 8, 32). Se Deus dá o melhor por nós, como é que nós não havemos de dar o melhor a Deus?
Do blogue THEOSFERA