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«QUE HAVEMOS NÓS DE FAZER?» (Terceiro Domingo do Advento)

por Zulmiro Sarmento, em 13.12.15
 

A. Tantas vezes já fizemos esta pergunta

  1. «Que havemos nós de fazer?» Três vezes nos aparece, hoje, esta pergunta (cf. Lc 3, 10.12.14). Tantas vezes nos aparece, na vida, esta pergunta! Tantas vezes já fizemos esta pergunta a nós mesmos! Tantas vezes já fizemos esta pergunta aos outros! E tantas vezes já fizemos esta pergunta a Deus! Afinal, que havemos de fazer neste dia? Afinal, que havemos de fazer nesta vida? Esta é uma das perguntas que atravessa todas as épocas. Para o filósofo Immanuel Kant, trata-se mesmo de uma das perguntas fundamentais da humanidade: «que devo fazer?»

Não espanta, por isso, que esta pergunta surja frequentemente na Bíblia. De resto, pôr as pessoas as perguntar «o que devemos fazer?» é habitual em S. Lucas: aqui, no Evangelho, e também no Livro dos Actos dos Apóstolos (cf. Act 2,37; 16,30; 22,10). Tal pergunta indica uma coisa que, à partida, já é muito importante e meritória. De facto, perguntar pelo que se deve fazer sugere, pelo menos, uma abertura à proposta de salvação que vem de Deus.

 

  1. Neste sentido, propunha que, a partir deste Terceiro Domingo do Advento, nos comprometêssemos a fazer esta pergunta todos os dias ao acordar: «que hei-de fazer hoje?», «que devo fazer hoje?», «Senhor, que queres que eu faça hoje?» Não esqueçamos que foi com esta pergunta que a vida de Paulo mudou. «Senhor, que queres que eu faça?»(Act 9, 6). É com esta pergunta que a nossa vida começará a mudar.

Façamos, pois, esta pergunta todos os dias ao amanhecer. E procuremos responder a esta pergunta, ininterruptamente, até ao anoitecer. Não foi em vão que Martin Heidegger disse que «a pergunta é a “oração” do pensamento». É que, a partir de certas perguntas, tudo pode ser diferente, tudo pode ser melhor. Por isso, perguntemos a Deus sobre o que Ele quer que nós façamos. E, depois, não nos descuidemos de responder. Uma pergunta séria requer uma resposta séria. Pelo que de uma resposta séria a uma pergunta séria dependerá, em grande medida, a nossa salvação e a nossa felicidade.

 

B. Deus quer que tudo mude

 

3. Que havemos nós de fazer então? Que é que Deus quer que nós façamos? Esta pergunta já foi levada, há dois mil anos, a João Baptista pelas multidões, pelos publicanos e pelos soldados. Para todos — e para sempre —, a resposta é clara. Deus quer que tudo mude na nossa vida. Deus quer que tudo mude no nosso pensar, no nosso sentir e no nosso agir. Deus vem ao mundo não para que o mundo fique na mesma, mas para que o mundo fique diferente, para que o mundo seja diferente.

Acontece que o mundo só será diferente se cada pessoa que há no mundo começar a ser diferente. Daí o apelo de Gandhi: «Sê tu mesmo a mudança que queres para o mundo». E daí também o caminho para a mudança indicado por Roger Schutz: «Começa por ti». Comecemos então a mudança. Comecemos a mudança por nós. Comecemos a mudança por nós, hoje, agora, já.

 

  1. O Evangelho aponta três domínios onde esta mudança é necessária. É preciso sair do nosso egoísmo e aprender a partilhar. É preciso quebrar os esquemas de exploração e de imoralidade e proceder com justiça. É preciso renunciar à violência e à prepotência e respeitar absolutamente a dignidade dos nossos irmãos. No fundo, é precisamos mudar tudo em todos. É preciso que todos mudemos tudo.

A mudança não pode ser selectiva. A mudança, para ser real, tem de ser total. A conversão é para a mente e para o coração. João Baptista não dá lugar a dúvidas: é preciso partir e repartir. «Quem tem duas túnicas reparta com aquele que não tem e quem tiver alimentos proceda da mesma forma»(Lc 3, 11). Acresce que, hoje em dia, continua a haver gente sem roupa e tanta gente sem pão. Hoje em dia, Jesus continua a aparecer-nos desnudado e faminto. Há que passar de uma «economia do mero ter» a uma urgente «economia do dar, do partilhar».

 

C. Deus quer que haja mais misericórdia

 

5. E que havemos de fazer mais? Há que ser tolerante, respeitador e misericordioso. Neste início do Ano Santo da Misericórdia, é oportuno reter estas recomendações de João Baptista: «Não exijais nada além do que vos está fixado»(Lc 3, 13); «não useis de violência com ninguém nem denuncieis injustamente»(Lc 3, 14). Ou seja, tudo ao contrário do que estamos habituados a fazer.

Na verdade, não paramos de reivindicar nem cessamos de violentar. O nosso mundo é feito de palavras alteradas e de atitudes alterosas. Em suma, há um excesso de violência nas palavras e nas atitudes.

 

  1. Diante deste cenário, é urgente criar uma efectiva — e afectiva — cultura da misericórdia. É certo que todos gostamos da misericórdia, mas quem pratica verdadeiramente a misericórdia? A misericórdia é uma palavra que muito se ouve, mas infelizmente também é uma atitude que pouco se vê. Ainda há alguma misericórdia nas palavras, mas, para nosso pesar, há pouca misericórdia na vida. E, em relação à misericórdia, não basta ouvi-la; é preciso vê-la.

Curiosamente, só se vê misericórdia quando se dá misericórdia. A misericórdia é aquilo que só se possui quando se dá. Assim sendo, a misericórdia nunca pode ser poupada; a misericórdia tem de ser saudavelmenteesbanjada e generosamente distribuída. Porque Deus é «rico em misericórdia»(Ef 2, 4), ninguém, em nome de Deus, tem o direito de ser avarento em misericórdia.

 

D. O Natal é — essencialmente — a festa da misericórdia

 

7. O modelo da misericórdia é Deus, é o Pai. Percebe-se, por isso, que, para este Ano Santo, o Papa Francisco tenha proposto o lema «Misericordiosos como o Pai». Porque o Pai é misericordioso, cria o homem. Porque o Pai é misericordioso, envia o Seu Filho para salvar o homem (cf. Jo 3, 16). Porque o Pai é misericordioso, está sempre pronto a acolher o homem e a perdoar o homem.

O Natal celebra a imensa — e infinda — misericórdia de Deus. O que mais encanta — e permanentemente se canta — é a misericórdia de um Deus que vem ao mundo e Se faz um de nós no mundo. Em Cristo, Deus faz-Se o que nós somos. Será que nós, no mesmo Cristo, estamos dispostos a fazermo-nos o que Ele é?

 

  1. Se Deus é misericordioso e se cada um de nós é imagem de Deus (cf. Gén 1, 26), então é pela misericórdia que realizaremos a nossa semelhança com Deus. Uma grande conversão é necessária, porém. Como estamos longe da misercórdia! Por conseguinte, disponhamo-nos a acolher a misericórdia que, em Cristo, Deus nos oferece. A misericórdia que, em Cristo, Deus nos oferece está na Palavra, está no Pão e está na Reconciliação. Procuremos, a partir deste Ano da Misericórdia, aproximarmo-nos mais do Sacramento da Reconciliação, do Sacramento da Misericórdia e do Perdão.

Não é por acaso que o Papa Francisco se refere a Cristo como «o rosto da misericórdia do Pai». A misericórdia de Deus não é uma validação — nem um branqueamento — dos nossos frequentes descaminhos. A misericórdia não é para ficar onde estamos, mas para sair donde costumamos estar.

 

E. Mais misericórdia, mais alegria

 

9. A misericórdia de Deus desinstala-nos, torna-nos diferentes. Não é lícito invocar a misericórdia de Deus para continuar na mesma. É fundamental que recorramos à misericórdia de Deus para sermos diferente.

A misericórdia de Deus não confirma o cego na cegueira; pelo contrário, cobre-o com uma inundação de luz (cf. Mc 10, 47-52). A misericórdia de Deus também não se conforma com o pecado da pecadora: «Vai e não tornes a pecar»(Jo 8, 11). A mesma misericórdia de Deus também não se resigna à nossa situação. Na misericórdia de Deus está o segredo da nossa conversão.

 

  1. A misericórdia é assim. Abre sempre novas oportunidades e não cessa de rasgar promissores caminhos de conversão. É por isso que, neste Domingo «Gaudete», temos todos os motivos para nos sentirmos ainda mais alegres e para, com Israel, soltarmos gritos de alegria (cf. Sof 3, 14).

Alegremo-nos, pois. Alegremo-nos sempre. Alegremo-nos porque a misericórdia de Deus nos inunda. Alegremo-nos porque o próprio Deus está próximo e porque o próprio Deus é sempre próximo (cf. Fil 4, 5). Enfim, alegremo-nos sem fim. Ou seja, alegremo-nos no Senhor (cf. Fil 4, 4). Porque só n’Ele estará sempre a nossa alegria!

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