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O «QUASE» NÃO CHEGA (28º Domingo do Tempo Comum)

por Zulmiro Sarmento, em 11.10.15
 

A. Um «quase discípulo» não é um discípulo

  1. Dizem os desportistas que as provas não são como começam, mas como acabam. É nos últimos instantes que se ganha, é nos últimos momentos que se perde. Às vezes, não tão poucas vezes assim, há quem faça «quase» tudo bem, mas vacile à beira do fim. Não basta ir à frente para chegar em primeiro. Só fica em primeiro quem terminar à frente. Há quem faça «quase» todo o percurso à frente, mas fique para trás quando o fim já está à vista. O «quase» não chega. Um «quase» vencedor não é um vencedor.

Somos convidados a ser discípulos de Jesus, mas a tempo inteiro e com a vida toda. Por conseguinte, importa que compreendamos que um «quase discípulo» não é um discípulo. Também na fé, a distância mais difícil de percorrer é a distância que vai do «quase» até ao «tudo». O «quase» traz consigo a ilusão de que é «tudo». Mas não é: «quase tudo» não é o mesmo que «tudo».

 

  1. Acontece que, frequentemente, não conseguimos ver a diferença e não queremos eliminar a distância. Falta-nos capacidade para ver que o «quase» não é o mesmo que «tudo». E falta-nos vontade para percorrer o caminho que vai do «quase» até ao «tudo». Só Cristo é a luz (cf. Jo 8, 12) que nos faz ver a diferença entre o «quase» e o «tudo». E só Cristo é o caminho (cf. Jo 14, 6) que nos permite vencer a distância entre o «quase» e o «tudo».

O que já temos é importante, mas o que ainda nos falta é que pode ser decisivo. E, tal como sucedeu a este homem que aborda Jesus, o que nos falta não é saber nem fazer; o que nos falta é dar, é darmo-nos.

 

B. A Lei já é bastante, mas ainda não é obastante

 

3. Aquele homem sabia tudo e pensava que já tinha feito tudo. Para ele, era só continuar a fazer o que fazia. Quando Jesus enuncia os Mandamentos, ele exulta como o atleta que alcançou a meta: «Mestre, tudo isso tenho eu cumprido desde a juventude»(Mc 10, 20). Reconheçamos que não é coisa pouca — nem coisa fácil — cumprir os Mandamentos. É certo que nenhum de nós mata nem rouba. Mas quantos de nós podem assegurar que nunca levantaram falsos testemunhos? Quantos de nós podem garantir que nunca cometeram fraudes? Quantos de nós farão tudo por seu pai e sua mãe? (cf. Mc 10, 19).

Afinal, aquele homem já tinha feito bastante e até tinha feito bem o bastante que tinha realizado. A avaliar pela reacção de Jesus, ele estava mesmo a ser sincero. A afeição de Jesus é sinal de reconhecimento da autenticidade das suas palavras. Se já tinha feito tanto, não deveria custar fazer o que ainda faltava: vender o que tinha, dá-lo aos pobres e seguir Jesus (cf. Mc 10, 21). Tratava-se, no fundo, do corolário da sua — já bem conseguida — obra.

 

  1. Em boa verdade, Jesus, em coerência com o Seu ensinamento, estava a dizer que o Antigo Testamento era necessário, mas insuficiente. A antiga Lei já era bastante, mas ainda não era o bastante. Como sempre vincou desde o princípio, Jesus não veio destruir a Lei, mas cumprir a Lei (cf. Mt 5, 17). Jesus não é a anulação, mas o pleno cumprimento da Lei.

Isto significa que só no Novo Testamento se cumpre cabalmente o Antigo Testamento. Só seguindo Jesus, só sendo como Jesus, só dando a vida como Jesus é que a Lei fica integralmente cumprida. Afinal e como proclama o Concílio Vaticano II, o Antigo Testamento só está patenteno Novo, o que equivale a reconhecer que o Novo Testamento já estava latente no Antigo.

 

C. Quando possuir significa ser possuído

 

5. Tal como, sem o tecto, a construção do edifício não está terminada, sem o Evangelho de Jesus, a antiga Lei também não está concluída. O Evangelho é a plenitude da Lei. É a Lei nova que coroa — e plenitudiza — a Lei antiga.

Só que aquele homem resolveu estacionar no antigo. Diz o texto sagrado que, perante a proposta de Jesus, ficou pesaroso e «retirou-se entristecido»(Mc 10, 22). Porquê? Porque tinha «muitos bens». Ou, como especificam algumas traduções, porque tinha «muitas propriedades»(Mc 10, 22).

 

  1. Como, porventura, acontece a tantos de nós, aquele homem sofria de «apraxia». Diz a ciência que a «apraxia» é uma desordem neurológica que se caracteriza por provocar uma perda da capacidade em executar movimentos e gestos precisos que conduziriam a um determinado objectivo. Aquele homem estava bloqueado pela posse. Estava mais habituado a conjugar o verbo «possuir» do que o verbo «repartir».

A bem dizer, ele era servo daquilo que o devia servir. Em vez de ser ele o senhor dos bens, os bens é que eram senhores dele. Em lugar de ser dono das suas propriedades, as suas propriedades é que eram donas dele. Ou seja, não era dono; estava dominado. Não possuía; estava (totalmente) possuído.

 

D. Não falta ter, falta dar (e sobretudo darmo-nos)

 

7. Pela Sua palavra, pela Sua vida e sobretudo pela Sua morte, Jesus veio ensinar-nos que nunca possuímos tanto como quando repartimos. É por isso que «há mais alegria em dar do que em receber»(Act 20, 35).

Só somos senhores quando somos livres. Quando não damos — e sobretudo quando recusamos a darmo-nos —, é porque não somos livres, é porque ainda estamos escravizados. E, não raramente, quem mais nos escraviza somos nós mesmos, são as nossas coisas, são os nossos bens.

 

  1. A esta luz, salta à vista que a riqueza não está no que se tem, mas no que se dá. Jesus era rico porque era pobre e, como reconheceu S. Paulo, veio enriquecer-nos com a Sua pobreza (cf. 2Cor 8, 9).

Será que estamos dispostos a aprender com Jesus? Será que já damos conta daquilo que nos falta? Será que já percebemos que aquilo que nos falta é o mais importante? Será que já notamos que aquilo que nos falta é «ser» e não «ter»? E será que já interiorizamos que outros poderão «ter» mais se nós nos dispusermos a «ser» melhores?

 

E. Não deixemos que o servo se torne (nosso) senhor

 

9. Era bom que incorporássemos que o dinheiro devia ser como os automóveis. O dinheiro também nasceu para circular, não para estacionar. Neste caso, o dinheiro deve circular por todos e não estacionar apenas por alguns. Se ele circular, ajudará a todos e não aprisionará ninguém. Não deixemos que o dinheiro seja, como alguém disse, «o grande senhor do século XXI». O dinheiro existe para ser servo. Não deixemos que o servo se torne (nosso) senhor.

O dinheiro deve ser guiado pela justiça e não dominado pelo lucro. Deste modo, procuremos pôr as pessoas à frente do dinheiro e não pôr o dinheiro à frente das pessoas. E em vez de estabelecermos «salários mínimos», procuremos definir «salários máximos». É bom compensar o mérito, mas a prioridade deve ser atender às necessidades e aos necessitados. O que alguns têm a mais outros têm a menos. O supérfluo de muitos será o essencial para tantos.

 

  1. Procuremos, então, vencer a última barreira. Também a nós pode faltar uma «última coisa» para pertencermos inteiramente a Jesus. Só que essa última coisa pode ser a mais importante, a mais decisiva. Não tenhamos medo de saltar essa última barreira, embora saibamos que o passo que, muitas vezes, mais custa dar é o último. Não estamos sós, porém. Contamos com Jesus e em Jesus nada é impossível (cf. Fil 4, 13). Em Jesus, até o impossível se torna possível. A «última coisa» que nos falta não é «ter»; a «última coisa» que nos falta até pode ser «deixar de ter».

Reside aqui a verdadeira sabedoria, aquela que devemos pedir incessantemente a Deus (cf. Sab 7, 7). A verdadeira sabedoria não passa pelo óbvio, mas pelo surpreendente. Deixemo-nos, por isso, surpreender por Deus e pelo Evangelho do Filho de Deus. Acima de tudo, nunca nos fiquemos pelo «quase». Para Deus, menos que tudo é nada. Afinal, o que dermos será sempre um «mínimo» diante d’Aquele que nos oferece sempre o «máximo»!

Do blogue THEOSFERA

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