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1. Nada pior para um doente do que não reconhecer que está doente.
Não menos danoso, entretanto, é quando a identificação da doença é imprecisa e o diagnóstico da enfermidade se revela superficial.
2. Toda a gente fala da crise. Mas quem se dispõe a ir à fundura da sua raiz? A crise económica e a crise política são, sem dúvida, um forte sintoma, mas não constituem a origem dos nossos males.
A prova é que a economia e a política, apesar de repetidos esforços, não têm sido capazes de vencer os nossos problemas. Parecem cercadas por uma atadura labiríntica que não (nos) deixa entrever uma luz.
3. Vivemos em crise, sim. Não só agora, mas também — e sobretudo — agora. Só que esta é uma entranhada crise social, cívica, civilizacional.
Como alertou o Papa Francisco, estamos a passar por uma aguda «crise de verdade». Não faltam sucessivos — e preocupantes — afloramentos desta crise. Mas será que estamos atentos? Ou não será que, à força do hábito, a indiferença já nem nos leva a reagir?
4. Anunciar uma decisão como irreversível tenderá a ser visto como jogada de mestre e como cartada forte.
O efeito pretendido será que outros cedam. Que a posição se consolide e o poder se reforce. Como corolário, será invocado o interesse comum quando aquilo que avulta é o reforço do interesse pessoal.
5. E quando o interesse pessoal é salvaguardado, até a decisão irreversível é rapidamente revertida.
Tudo se altera — até a palavra dada — para que o interesse se mantenha. Só o interesse é irreversível.
6. Que confiança poderá haver num cenário destes? Que crédito poderá ser reconhecido a pessoas que actuem assim?
É por isso que, como acentua o Papa, a resposta à crise de verdade não está só na competência nem no conhecimento. A superação da crise de verdade terá de passar também — e bastante — pela fé.
7. A fé é o terreno da confiança e o território da credibilidade.
A ligação entre a fé e a verdade é, por isso e como lembra o Santo Padre, «mais necessária do que nunca».
8. A fé não transporta uma verdade parcial, ditada pela técnica e imposta pelo interesse.
A fé transporta uma «verdade grande», a única «que ilumina o conjunto da vida pessoal e social».
9. Trata-se de uma verdade que coloca a dignidade da pessoa no centro, não o lucro. É uma verdade captada (mas não capturada) pela razão e emoldurada pelo amor.
É uma verdade que só se conhece quando se escuta e quando se vê. É uma verdade que corre no entendimento, mas que escorre pelo coração. É uma verdade que nos humaniza e fraterniza!
A. Não basta ter olhos para ver
De facto, não basta ter olhos para ver até porque nem todos os olhos permitem ver. Nem todos os olhos permitem ver bem. Os olhos deste cego estavam fechados. Mas, muitas vezes, os nossos olhos podem permanecer tapados mesmo quando estão abertos. A cegueira não está só na impossibilidade. Pode estar também na ilusão.
Há muita cegueira quando nos recusamos a descer até à profundidade. Há muita cegueira quando não aterramos no que se mantém escondido. Ou, melhor, não é tanto a realidade que se esconde de nós; nós é que, muitas vezes, nos escondemos da realidade.
B. Também na fé precisamos de óculos
3. Não é por falta de aviso, porém, que nos comportamos assim. Antoine de Saint-Exupéry deixou-nos o alerta quando afirmou que «o essencial é invisível aos olhos». O que ele queria dizer é que o mais importante da vida não se capta com estes olhos, com os olhos que temos na cabeça. O mesmo Saint-Exupéry assinalou que «só se vê bem com o coração». Ou seja, não se vê bem apenas por fora. Só se vê bem por dentro. Só se vê bem quando conseguimos chegar dentro e aterrar na profundidade.
É por isso que, como muito bem percebeu o Papa Bento XVI, «o programa do cristão é o coração que vê». Só o coração vê onde «há necessidade de amor». E só o coração «actua em consequência».
A fé oferece-nos, pois, aqueles «óculos» que podemos colocar por cima dos nossos olhos. É pelos «ocula fidei» (óculos da fé) que conseguimos ver o invisível. Por conseguinte, Deus deixou-nos uns óculos para podermos ver, para O podermos ver: os «óculos da fé». Quem quiser pode usá-los.
C. Fora de Jesus não há luz
5. Não olhemos apenas com os olhos. Procuremos ver com os olhos do coração, com os olhos da alma. Procuremos ver com os olhos de Deus. Só na Sua luz vemos a luz (cf. Sal 36, 10). Só na Sua luz encontramos luz. Deus é uma luz que o Seu Filho Jesus acende em nós. É por isso que o Concílio Vaticano II proclama que «Cristo, o Verbo Encarnado, revela o homem ao homem». Isto significa que, para sabermos quem somos, temos e procurar a luz de Cristo. Só Ele desvela o que, fora d’Ele, está velado. Aliás, o próprio Jesus Cristo teve o cuidado de nos esclarecer ao dizer que Ele é a luz do mundo (cf. Jo 8, 12).
Que fique, portanto, bem claro. Fora de Jesus, não há luz. Fora da Sua verdade é só obscuridade. Esta luz nunca se apaga. Pelo contrário, esta é uma luz que se apega. Não admira, por conseguinte, que Jesus queira que todos nós, Seus discípulos, também sejamos luz. «Vós sois a luz do mundo»(Mt 5, 14) — eis o que Ele nos diz no Sermão da Montanha. Com efeito, na terra nós somos a luz acendida por Jesus. Nós somos a luz que traz a luz de Jesus, a luz que é Jesus. A fé, como aprendemos logo no Baptismo, é um mistério de luz, um mistério de iluminação.
Ao falar dela mesma no Concílio Vaticano II, a Igreja não diz que é luz. A luz dos povos («lumen gentium») não é a Igreja; a luz dos povos é Cristo, presente na Sua Igreja para chegar a toda a humanidade.
D. Não tenhamos medo de gritar
7. Temos, portanto, que perceber que, por nós, não conseguimos nada. Sem Jesus, nada conseguiremos fazer (cf. Jo 15, 5) e nada conseguiremos ver. Sem Jesus, é só escuridão. Temos de fazer como este homem. Temos de ir ao encontro de Jesus.
Não tenhamos receio de chamar por Ele. Não tenhamos medo até de gritar por Ele. Ainda que muitos nos tentem calar, como tentaram calar o cego (cf. Mc 10, 47), gritemos por Jesus e nunca cessemos de gritar Jesus. Evangelizar também é gritar. Evangelizar é gritar Jesus. É que, se neste mundo há muita cegueira, também há nela uma persistente surdez. Não hesitemos, pois, em gritar. Gritemos Jesus com a voz. Gritemos Jesus com a alma. Gritemos Jesus com o testemunho de vida.
Este homem percebeu que, para continuar a ver, tinha de seguir Jesus. Nunca mais poderia largá-Lo. Nunca mais poderia afastar-se d’Ele. Jesus deu-lhe a luz. Jesus é a luz.
E. O caminho de Jesus é um caminho de luz
9. Aquele homem encontrou Jesus no caminho (cf. Mc 10, 46) e começou a seguir pelo caminho (cf. Mc 10, 52). É no caminho que se dá o encontro, é no caminho que se dá a mudança. Os caminhos de Jesus são os nossos caminhos para que os nossos caminhos sejam os caminhos de Jesus. Não foi Jesus quem (também) Se apresentou como o caminho (cf. Jo 14, 6)?
Não desanimemos. Enchamo-nos de coragem e levantemo-nos porque Jesus também chama por nós, também vem ao nosso encontro (cf. Mc 10, 49). Levemos esta palavra de ânimo a tantos que permanecem caídos. Deixemos que a Sua luz brilhe em todas as vidas.
Notemos que Jesus, aparentemente, não faz o que o cego pede. O cego pede «que eu veja»(Mc 10, 51) e Jesus responde «vai»(Mc 10, 52). Isto significa que a luz está em seguir Jesus. A luz está no caminho de Jesus. O caminho de Jesus é, pois, um caminho de luz. Para todos. Para nós também!
Do blogue THEOSFERA
Frei Bento Domingues, O.P.
1. Há dias, um amigo dizia-me, com ar sentencioso: a vida de uma pessoa, comparada com a duração do mundo, não é apenas breve, é insignificante. Vós, os católicos, tendes a mania de negar a evidência, inventando a ideia de vida eterna quando, de facto, não passa de um fruto enganador da megalomania do desejo. Para não entrar numa discussão estéril, citei-lhe uma frase de Manuel da Fonseca, mais radical e evidente: isto de estar vivo, ainda vai acabar mal! A conversa tinha começado pelos rumores em torno do Sínodo dos Bispos. Segundo este amigo, está a preparar-se a primeira grande derrota do Papa Francisco. O seu raciocínio era simples: os bispos de todo o mundo dispõem de um passado e do Direito Canónico que lhes oferece a ilusão - assim como à Cúria vaticana - de mandar no imaginário de uma realidade universal, com uma longa história de muitas configurações culturais e religiosas: a Família. Para eles, as normas contam mais do que a felicidade ou infelicidade das pessoas e dos casais. O Papa Francisco, pelo contrário, acordou para as exigências do humanismo cristão, mas não conseguiu acordar os outros bispos do sono dogmático. Anselmo Borges fez muito bem em apresentar um artigo de J. M. Castillo que mostra e documenta que não existe nenhuma declaração dogmática que imponha a indissolubilidade absoluta do casamento [1]. Nestas crónicas, notifiquei, desde 1993, as posições que justificavam a possibilidade do acesso dos divorciados recasados à Eucaristia, assim como a discussão aberta em torno da indissolubilidade do Matrimónio que o Direito Canónico impôs [2]. Além disso, se a vida das pessoas é muito breve, a ética inter-geracional não pode pensar apenas em termos do tempo curto das pessoas, mas insistir no tempo longo: o mundo não começou agora nem vai acabar hoje. Não é saudável deixar para o futuro o que já é possível resolver. A espiritualidade do provisório, do pão nosso de cada dia, é parecida com o dito do poeta: não há caminho, o caminho faz-se caminhando. De qualquer modo, o Evangelho de Jesus Cristo segue a lei do alívio dos oprimidos, não a atitude farisaica que carrega os abatidos sempre com mais pesos. 2. Ao que parece, há agitações no Sínodo e fora do Sínodo, com ameaças de cismas, de cisões na Igreja e não sei que mais! Parece-me que se está a esquecer algo de muito elementar: estamos perante o Sínodo dos Bispos sobre a Família, não do Sínodo das Famílias traçando orientações para a sua caminhada segundo as diferenças de continentes e culturas. Este virá a seguir. Agora estamos perante o Sínodo dos bispos celibatários, com responsabilidades inalienáveis na Igreja universal, confrontando pontos de vista antropológicos, cristológicos e pastorais para oferecerem um bom contributo para a felicidade das famílias. Não alimento sonhos delirantes nem visões apocalípticas sobre esta grande reunião. Procurou-se esquecer o Vaticano II (1962-1995) que foi a grande revolução católica do séc. XX. Agora, estamos a colher as consequências desse vazio. Foram várias gerações que o não aprofundaram e que ouviram, a vários níveis, as vozes que apresentaram a sua memória como uma desgraça para a Igreja. Quando se julgava que estava enterrado para sempre, surge o Papa Francisco estragando esse cálculo. Muitos queixam-se de que é o no seio do clero mais novo que surgem os padres mais reacionários. Talvez. São, porém, facilmente cooptados pelos movimentos e grupos que desejam neutralizar o impacto Bergoglio, a nível interno da Igreja e da sociedade. São manipulados que tentam manipular. 3. Em vez de perder tempo com as atoardas sobre os possíveis cismas na Igreja, devido à livre discussão que o Papa Francisco introduziu na sua orientação pastoral, talvez fosse melhor começar a pensar e a desenhar o próprio Sínodo das Famílias, segundo os continentes geográficos e culturais, a partir das paróquias, dos movimentos, dos casais, de forma inclusiva, em termos de caminhada, mais ou menos longa, segundo os contextos. Os Bispos têm mensagens e orientações para as famílias, mas não serão as famílias que vivem experiências de êxitos e fracassos matrimoniais a poderem apontar caminhos possíveis para a felicidade familiar? Várias vezes nestas crónicas, destaquei a falta de senso quanto ao acesso dos divorciados recasados à Comunhão Eucarística, cuja simbólica é uma ceia. Como é possível convidar uma pessoa para jantar e dizer-lhe: vem, mas não podes comer!? Além disso, recomenda-se a estes pais - cuja norma os impede de comungar - que preparem e acompanhem a comunhão dos filhos. De repente, a criança pode pensar: mas a comunhão será só para crianças? Aí começa a debandada. Público, 18.10.2015 - - - - - - [1] Anselmo Borges, Casamento católico: indissolúvel? DN 10.10.2015; José Maria Castillo, El Papa puede admitir a la eucaristía a los divorciados vueltos a casar, Religión Digital, 26.08.2015. [2] Frei Bento Domingues, A Humanidade de Deus, p. 203-206, 1995; As Religiões e a Cultura da Paz, p 88-91, 2002. Cf. Fidélité et Divorce, Rev. Lumière & Vie, n.206, 1992 ; Francisco Gil Delgado, Divórcio en la Iglesia. História y Futuro, 1993; Michel Legrain, Os Divorciados e a Igreja, 1995.
In PÚBLICO
A. A fé mexe com tudo, até com o bolso
A fé é, por natureza, invasiva e incendiária. Ela pretende invadir todas as dimensões do nosso ser e incendiar todos os momentos da nossa vida. A fé não admite poupanças. A fé implica gastos. A fé exige que nos gastemos até ao último dia, até à derradeira gota do nosso suor.
A missão é para todos: para todas as pessoas, para todos os lugares e para todos os momentos. A missão não é só para os missionários até porque missionários temos de ser todos, em toda a parte. Quem não faz missão será cristão? Não. Quem não faz missão não é cristão.
B. Há que criar uma «cultura de missão», não de demissão
3. Hoje é, por isso, (mais) uma oportunidade para tomarmos consciência do que somos. Hoje é, por isso, (mais) uma oportunidade para percebermos que ser cristão é ser missionário. Neste sentido, há que compreender que a oração tem de desaguar na acção. E, concretamente, há que ter presente que a Missa é o começo — e o alimento — da Missão.
Qual é o campo da missão? É o campo da nossa vida. Onde está o cristão, aí tem de estar o missionário. Em casa e na rua, no trabalho e no lazer, nada pode ficar à margem da missão. Quem nega que é preciso levar o Evangelho às famílias, ao trabalho, à política, à cultura e ao desporto? A resposta pode não vir de todos, mas a proposta não pode deixar de chegar a todos.
Até sabemos o que deve ser feito, mas facilmente nos tranquilizamos sob o pretexto de que não é para nós, de que não temos tempo ou capacidade. Sobretudo quando se trata de uma missão mais delicada, em que o anúncio pode incomodar ou até ferir, multiplicam-se as escusas e os recuos. De facto, há quem saiba o que outros devem fazer, esquecendo que o importante é que cada um faça o que deve não se recusando a fazer o que pode. Em tudo — e sempre —, a missão, não a demissão! Jesus quer que sejamos missionários, não demissionários!
C. Até as redes sociais podem ser (fecundas) redes missionárias
5. Não nos esqueçamos de uma coisa: onde abundam as adversidades, aumentam também as possibilidades. Vamos deixar de fazer missão só porque o ambiente é adverso? É preciso estar onde as pessoas estão. E se há problemas, também há-de haver uma forma de lidar com os problemas.
É sabido que, hoje em dia — e em noite! —, as pessoas estão nas redes sociais. Será legítimo subestimar ou abandonar este novo mundo, ainda por cima tão densamente povoado? Tanta gente que por ali passa! Como não apresentar aí o Deus que nos enlaça, o Deus que sempre nos abraça? Estes novos meios também podem ser vistos como «novos púlpitos». Além do mais, eles podem ensinar-nos a importância de trabalhar em rede, interagindo com quem questiona, com quem inquieta, com quem procura.
É por isso que, concretamente em relação ao «facebook», diria: «nem sempre nem nunca». Tão perigoso é nunca estar no «facebook» como estar sempre no «facebook». O importante é saber estar no «facebook» como se deve saber estar na vida: com critério, com equilíbrio e sobretudo com sentido de missão e não apenas diversão.
D. O missionário ao serviço do Missionante
7. Habitualmente, pensamos nos destinatários e nos espaços da missão. Não basta, porém. É prioritário que pensemos sempre no conteúdo da missão. Ou seja, é importante pensar naqueles a quem levamos a missão, mas é decisivo pensar, antes de mais, n’Aquele que levamos na missão.
A missão não pode ficar à porta nem contentar-se com o limiar. É preciso sair para convidar outros a entrar. Há que não ter medo de falar de Jesus Cristo. A missão consiste em levar Jesus Cristo: em forma de Palavra, em forma de Pão, em forma de Caridade e Solidariedade, em forma de Justiça, em forma de Ternura e Amor.
Na missão, não pode haver jogos de ambição nem sonhos de poder. Essa foi a tentação dos missionários da primeira hora e acaba por ser a tentação dos missionários desta nossa hora. Daí a pertinência da advertência de Cristo. Na missão não se está pelo poder, mas pelo serviço. Ser missionário não é ser proprietário, é ser servo, é querer ser servidor. Tal foi, de resto, o testemunho do próprio Jesus Cristo, «que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida»(Mc 10, 45).
E. Uma vida «centrifugada» e não «centripetada»
9. É por isso que Jesus é apresentado como sacerdote e até como «sumo sacerdote»(Heb 4, 14). Ele não oferece coisas exteriores, oferece-Se a Si mesmo, oferece a própria vida. Como já anteviu Isaías, Ele é o servo que oferece a Sua vida por nós, sofrendo em nosso lugar: Ele tomou sobre Si «as nossas dores»(Is 53, 11).
Jesus nunca foi «a-pático». Jesus foi sempre — e literalmente — «sim-pático», isto é, sofreu por nós, sofreu em nosso lugar. Fez Suas as nossas dores para que nós possamos fazer nosso o Seu amor, o Seu desmedido amor. A existência de Jesus não é «centripetada»; é totalmente «centrifugada». É por isso que Ele é capaz de nos compreender e de Se compadecer por nós (cf. Heb 4, 15).
A missão também exige conversão. É decisivo haver uma conversão à missão e uma conversão na missão. A missão não existe para que Deus faça o que Lhe pedimos, mas para que nós façamos o que Deus nos pede (cf. Mc 10, 35-44). A missão não é, pois, uma questão de competência, mas de generosidade. Estamos dispostos a fazer o que Deus nos pede, o que Deus quer? Uma coisa é certa. Na nossa generosidade — muito mais do que nas nossas ambições — estará a nossa plena felicidade!
Do blogue THEOSFERA
A. Um «quase discípulo» não é um discípulo
Somos convidados a ser discípulos de Jesus, mas a tempo inteiro e com a vida toda. Por conseguinte, importa que compreendamos que um «quase discípulo» não é um discípulo. Também na fé, a distância mais difícil de percorrer é a distância que vai do «quase» até ao «tudo». O «quase» traz consigo a ilusão de que é «tudo». Mas não é: «quase tudo» não é o mesmo que «tudo».
O que já temos é importante, mas o que ainda nos falta é que pode ser decisivo. E, tal como sucedeu a este homem que aborda Jesus, o que nos falta não é saber nem fazer; o que nos falta é dar, é darmo-nos.
B. A Lei já é bastante, mas ainda não é obastante
3. Aquele homem sabia tudo e pensava que já tinha feito tudo. Para ele, era só continuar a fazer o que fazia. Quando Jesus enuncia os Mandamentos, ele exulta como o atleta que alcançou a meta: «Mestre, tudo isso tenho eu cumprido desde a juventude»(Mc 10, 20). Reconheçamos que não é coisa pouca — nem coisa fácil — cumprir os Mandamentos. É certo que nenhum de nós mata nem rouba. Mas quantos de nós podem assegurar que nunca levantaram falsos testemunhos? Quantos de nós podem garantir que nunca cometeram fraudes? Quantos de nós farão tudo por seu pai e sua mãe? (cf. Mc 10, 19).
Afinal, aquele homem já tinha feito bastante e até tinha feito bem o bastante que tinha realizado. A avaliar pela reacção de Jesus, ele estava mesmo a ser sincero. A afeição de Jesus é sinal de reconhecimento da autenticidade das suas palavras. Se já tinha feito tanto, não deveria custar fazer o que ainda faltava: vender o que tinha, dá-lo aos pobres e seguir Jesus (cf. Mc 10, 21). Tratava-se, no fundo, do corolário da sua — já bem conseguida — obra.
Isto significa que só no Novo Testamento se cumpre cabalmente o Antigo Testamento. Só seguindo Jesus, só sendo como Jesus, só dando a vida como Jesus é que a Lei fica integralmente cumprida. Afinal e como proclama o Concílio Vaticano II, o Antigo Testamento só está patenteno Novo, o que equivale a reconhecer que o Novo Testamento já estava latente no Antigo.
C. Quando possuir significa ser possuído
5. Tal como, sem o tecto, a construção do edifício não está terminada, sem o Evangelho de Jesus, a antiga Lei também não está concluída. O Evangelho é a plenitude da Lei. É a Lei nova que coroa — e plenitudiza — a Lei antiga.
Só que aquele homem resolveu estacionar no antigo. Diz o texto sagrado que, perante a proposta de Jesus, ficou pesaroso e «retirou-se entristecido»(Mc 10, 22). Porquê? Porque tinha «muitos bens». Ou, como especificam algumas traduções, porque tinha «muitas propriedades»(Mc 10, 22).
A bem dizer, ele era servo daquilo que o devia servir. Em vez de ser ele o senhor dos bens, os bens é que eram senhores dele. Em lugar de ser dono das suas propriedades, as suas propriedades é que eram donas dele. Ou seja, não era dono; estava dominado. Não possuía; estava (totalmente) possuído.
D. Não falta ter, falta dar (e sobretudo darmo-nos)
7. Pela Sua palavra, pela Sua vida e sobretudo pela Sua morte, Jesus veio ensinar-nos que nunca possuímos tanto como quando repartimos. É por isso que «há mais alegria em dar do que em receber»(Act 20, 35).
Só somos senhores quando somos livres. Quando não damos — e sobretudo quando recusamos a darmo-nos —, é porque não somos livres, é porque ainda estamos escravizados. E, não raramente, quem mais nos escraviza somos nós mesmos, são as nossas coisas, são os nossos bens.
Será que estamos dispostos a aprender com Jesus? Será que já damos conta daquilo que nos falta? Será que já percebemos que aquilo que nos falta é o mais importante? Será que já notamos que aquilo que nos falta é «ser» e não «ter»? E será que já interiorizamos que outros poderão «ter» mais se nós nos dispusermos a «ser» melhores?
E. Não deixemos que o servo se torne (nosso) senhor
9. Era bom que incorporássemos que o dinheiro devia ser como os automóveis. O dinheiro também nasceu para circular, não para estacionar. Neste caso, o dinheiro deve circular por todos e não estacionar apenas por alguns. Se ele circular, ajudará a todos e não aprisionará ninguém. Não deixemos que o dinheiro seja, como alguém disse, «o grande senhor do século XXI». O dinheiro existe para ser servo. Não deixemos que o servo se torne (nosso) senhor.
O dinheiro deve ser guiado pela justiça e não dominado pelo lucro. Deste modo, procuremos pôr as pessoas à frente do dinheiro e não pôr o dinheiro à frente das pessoas. E em vez de estabelecermos «salários mínimos», procuremos definir «salários máximos». É bom compensar o mérito, mas a prioridade deve ser atender às necessidades e aos necessitados. O que alguns têm a mais outros têm a menos. O supérfluo de muitos será o essencial para tantos.
Reside aqui a verdadeira sabedoria, aquela que devemos pedir incessantemente a Deus (cf. Sab 7, 7). A verdadeira sabedoria não passa pelo óbvio, mas pelo surpreendente. Deixemo-nos, por isso, surpreender por Deus e pelo Evangelho do Filho de Deus. Acima de tudo, nunca nos fiquemos pelo «quase». Para Deus, menos que tudo é nada. Afinal, o que dermos será sempre um «mínimo» diante d’Aquele que nos oferece sempre o «máximo»!
Do blogue THEOSFERA
A. Boas — e belas — notícias para as famílias
Neste Domingo, com efeito, somos ajudados a responder às duas perguntas fundamentais sobre a família: «em que consiste a família?» e «porque é que falham tantas famílias?».
É que o próprio Deus, sendo único, não é um. O próprio Deus, sendo único, não vive na solidão, mas em relação. Por conseguinte, a Santíssima Trindade é a primeira comunidade, a primeira família. Pelo que a família humana está destinada a ser a imagem por excelência da família divina.
B. A família que Deus quer
3. Tal como na família humana, também na família divina existe a conjugação entre a diferença e a unidade. O Pai é diferente do Filho e do Espírito Santo, o Filho é diferente do Pai e do Espírito Santo, o Espírito Santo é diferente do Pai e do Filho. E apesar disso — ou, melhor, por causa disso — todos estão unidos, formando uma família: a Santíssima Trindade. A unidade não exige que as pessoas sejam iguais. Pelo contrário, a unidade existe entre pessoas diferentes. O homem é diferente da mulher e a mulher é diferente do homem. E apesar disso — ou, melhor, por causa disso — são por Deus chamados a viver em unidade, em família.
É por este motivo que a família não nasce por uma decisão do homem e da mulher; a família nasce, antes de mais, por decisão de Deus. Neste sentido, o matrimónio não é uma questão a dois, é uma questão a três. O matrimónio não é apenas uma questão entre o homem e a mulher; é uma questão entre o homem, a mulher e Deus. É Deus quem os chama porque é Deus quem mais os ama. Nós acreditamos que é Deus que coloca este homem no caminho daquela mulher e esta mulher no caminho daquele homem.
O homem e a mulher não deixam de ser o que são. A família, no pensamento de Deus, não anula nenhum dos seus membros. A família potencia e valoriza cada um dos seus elementos. A união não elimina, ilumina.
C. O amor entre o homem e a mulher é o amor de Deus no homem e na mulher
5. Jesus Cristo elevou esta união entre o homem e a mulher à dignidade de Sacramento. No fundo, a união entre o homem e a mulher é uma expressão do amor de Deus, do amor que é Deus e do amor que Deus tem por cada um de nós. Não espanta, por isso, que S. Paulo compare o amor entre os esposos ao amor que Cristo tem pela Sua Igreja, de que nós fazemos parte. Na Carta aos Efésios, ele pede aos esposos que se amem como Cristo amou a Igreja. E como é que Cristo amou a Igreja? Dando-se por ela, entregando-se por ela, oferecendo a vida por ela (cf. Ef 5, 25).
A esta luz, o amor que existe entre marido e esposa não é um somente um amor que nasceu entre um homem e uma mulher. Trata-se de um amor que, no homem e na mulher, foi depositado por Deus. É por isso que o homem e a mulher não se devem amar apenas como o seu amor, por muito grande que ele pareça. O homem e a mulher devem amar-se sempre com o amor de Deus, com o amor de Deus revelado em Cristo. Foi, aliás, o que nos pediu Jesus: que nos amemos uns aos outros como Ele nos amou, como Ele nos ama (cf. Jo 15, 12).
Para Jesus, é a nossa «dureza» que estraga tudo. É a nossa «dureza» que conduz à falência da família. É a «dureza» da nossa mente — e do nosso coração — que nos impede de ver a verdade da família e de cultivar a beleza da vida familiar.
Ficam, assim, bem vincadas as propriedades essenciais do matrimónio: unidade e indissolubilidade, com a consequente abertura à vida. Não se trata de um mero projecto ideal. Trata-se, obviamente, de um ideal — de um belíssimo ideal — que há-de tornar-se real, que há tornar-se realidade em cada dia.
E. Os problemas existem para serem vencidos, não para (nos) vencerem
9. Como tem recordado o Papa Francisco, a Igreja recebeu esta mensagem de Jesus, não se sentindo, portanto, em condições de a alterar. A Igreja é serva — não dona — da Palavra de Deus. Ela recebeu o encargo de a difundir, não de a modificar. Mas, então, e os problemas da família? Como lidar com tantos dramas, com tantas separações? Como ajudar tantas famílias que terminam e que, muitas vezes, mal chegaram a começar?
É claro que a Igreja, como não se têm cansado de repetir os seus pastores, tem de usar sempre de misericórdia. As portas da Igreja estarão sempre abertas e o coração da Igreja será um coração permanentemente sensível. Os que estão em maior dificuldade merecerão um maior acolhimento. Os que a vida mais feriu serão envolvidos por um acréscimo de compreensão, de solidariedade e de evangélica compaixão. Enfim, é preciso aproximar a mensagem das famílias. E é fundamental aproximar as famílias da mensagem.
Queridas famílias, não comeceis a desistir e nunca desistais de começar. Queridas famílias que estais em maior dificuldade, não desistais de vós. Maridos, não desistais das vossas esposas; esposas, não desistais dos vossos maridos. Filhos, não desistais dos vossos pais. Netos, não desistais dos vossos avós. Acreditai que aquilo que nos parece sombrio em muitos fins de tarde acabará por ser novamente luminoso ao nascer de uma qualquer manhã. E nunca esqueçais que, como já dizia Sto. Agostinho, às vezes, é quando parece que tudo acaba que tudo verdadeiramente começa. A vossa família é muito bela. Não desperdiceis tanta beleza que Deus acendeu no vosso lar, no vosso coração, na vossa vida!
DO BLOGUE THEOSFERA