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OS «PRETERIDOS» DO MUNDO SÃO OS «PREFERIDOS» DE DEUS (23º Domingo do Tempo Comum)

por Zulmiro Sarmento, em 06.09.15
 

A. Deus não quer preferências entre pessoas

  1. É fundamental ser ouvinte da Palavra. Mas não basta ser ouvinte da Palavra. A Palavra de Deus não se dirige apenas aos nossos ouvidos, mas a toda a nossa vida. A Palavra de Deus entra pelos nossos ouvidos para transformar toda a nossa vida. Tiago avisa-nos para que não nos limitemos a ouvir (cf. Tgo 1, 23). É preciso cumprir, pôr em prática. E o mesmo S. Tiago faz-nos, hoje, uma advertência, que tantas vezes escutamos, mas tão poucas vezes pomos em prática.

 

  1. Para S. Tiago, não é lícito ligar a fé à preferência por certas pessoas (cf. Tgo 2, 1). Para S. Tiago, é claro que não pode haverpreferidos nem preteridos. Deus não quer que, em Seu nome, se faça distinção entre pessoas. Ninguém pode ser especialmente tratado, todos devem ser igualmente respeitados.

A Segunda Leitura deste Domingo tipifica uma situação em que falhamos frequentemente. «Pode acontecer que, na vossa assembleia, entre um homem com bem vestido e com anéis de ouro e entre também algum pobre e mal vestido. Talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais: “Tu, senta-te aqui, em bom lugar”, e ao pobre digais: “Tu, fica aí de pé”, ou então: “Senta-te a meus pés”. Porventura não estareis a fazer distinções entre vós?»(Tgo 2, 3-4).

 

B. Se houve preferências, que seja pelos simples

 

3. É bom que os bem-vestidos sejam estimados. Mas é muito mau quando os mal-vestidos são desprezados. Só que, infelizmente, é o que, muitas vezes, se vê. Olhamos para as aparências e valorizamos o aparato. Damos mais atenção à roupa do que à dignidade. Arranjamos os melhores lugares para os grandes e não mostramos o menor apreço pelos pequenos, pelos simples, pelos pobres.

Tudo isto mostra que não falhamos só nos preceitos da cortesia. Tudo isto mostra que, antes de mais, estamos a falhar na compreensão do Evangelho. S. Tiago pergunta: «Não escolheu Deus os que são pobres aos olhos do mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que Ele prometeu àqueles que O amam?»(Tgo 2, 5).

 

  1. Se alguma preferência houver, deve ser para os pequenos, para os simples, para os humildes, para os sofredores. Os preteridos do mundo hão-de ser os preferidos dos cristãos. Mas será isso o que se vê? Tantas são as atenções que damos aos poderosos e tão gritante é a falta de atenção que damos às vítimas dos poderosos!

É importante que sejamos respeitadores para com as autoridades. Mas é mais imperioso que respeitemos os humildes. Quem está em cima já tem muitas compensações. Já os que estão em baixo não costumam ser reconhecidos. Quem reconhece o trabalho e a dedicação das pessoas simples?

 

C. Ânimo para os desanimados

 

5. Jesus veio corrigir todas as assimetrias, que tresandam a injustiça. Jesus veio trazer as periferias para o centro. Jesus veio engrandecer o que é pequeno. Jesus veio trazer para cima o que está em baixo. Por isso é que Ele era apreciado pelos humildes e incompreendido pelos poderosos. Será que nós, seguidores de Jesus, procuramos dar continuidade às Suas opções? Ou não será que, muitas vezes, contrariamos as Suas escolhas?

A Igreja de Jesus é para todos. Mas eu diria que a Igreja é sobretudo para os humildes. A Igreja é para que todos nos tornemos humildes. Acabemos, pois, com as disputas por lugares e protagonismos nas nossas celebrações. Para a Casa de Deus, ninguém pode ser especialmente convidado, todos devem ser igualmente bem-vindos. E se alguma distinção fizermos, que seja para aqueles que mais sofrem, para aqueles que, habitualmente, são mais esquecidos. São esses os que mais precisam de um alento, de uma atenção, de um estímulo.

 

  1. É sobretudo para os mais simples que, hoje, ressoa uma palavra de conforto. A Primeira Leitura insere uma palavra de ânimo da parte de Deus para o Seu povo. De facto, o Povo de Deus estava paralisado pelo desespero, mostrando-se abatido e bloqueado. Não tem perspectivas de futuro e não vê qualquer razão para ter esperança. Mas, como dizia Vergílio Ferreira, «quando a situação é mais dura, a esperança tem de ser mais forte»

No meio da provação, Deus anuncia a proximidade da libertação: «Tende coragem. Não vos assusteis»(Is 35, 4). Eis o que Deus nos diz sempre, eis o que Deus nos diz a todos. Tenhamos coragem, não nos assustemos. E porque é que não nos devemos assustar? Porque Deus está connosco (cf. Is 35, 4). Deus nunca deixa de estar connosco. O Seu Filho é o Deus-connosco, o Deus para nós, o Deus em nós. Hoje, Deus continua a estar connosco na Palavra, no Pão e na Missão junto de cada Irmão.

 

D. Deus possibilita o próprio impossível

 

7. Em nós, Deus possibilita o próprio impossível: «os olhos do cego hão-de abrir-se, os ouvidos dos surdos serão abertos. O coxo saltará como um veado e a língua do mudo cantará de alegria. As águas brotarão no deserto e as torrentes na aridez da planície; a terra seca converter-se-á num lago e a terra sequiosa tornar-se-á uma nascente de água»(Is 35, 5-7).

Acreditar é esperar o próprio impossível. Acreditar é fazer cair as correntes de todas as prisões. Jesus é a certificação maior de que o impossível se torna possível. Em Jesus, o surdo ouve e o mudo fala. Eis a grande doença de hoje: não conseguimos ouvir e não sabemos falar. Eis a grande urgência de hoje: aprender a ouvir e reaprender a falar.

 

  1. Neste Domingo, acompanhamos Jesus numa viagem pela Fenícia, passando pelos territórios de Tiro e de Sídon, cidades da faixa costeira oriental do Mar Mediterrâneo, no actual Líbano (cf. Mc 7,24). No regresso dessa viagem, Jesus teria andado pelo território da Decápole (cf. Mc 7,31). Já agora, convirá dizer que a Decápole era uma liga de dez cidades, que se formou depois da conquista da Palestina pelos romanos, no ano 63 a.C..

É nesse contexto geográfico e humano que se insere o episódio da cura do surdo-mudo. As pessoas que trouxeram o surdo-mudo suplicaram a Jesus «que impusesse as mãos sobre ele»(Mc 7, 32). Lendo bem a narração deste episódio, ficamos com a sensação de que Marcos quer muito mais do que contar a cura de um surdo-mudo. Trata-se de uma catequese sobre a missão de Jesus e sobre o papel que Ele desenvolve no sentido de fazer nascer um homem novo. E, na verdade, tudo é novo a partir de Jesus.

 

E. Só Jesus deixa ouvir, só Jesus faz ver

 

9. Quais são, entretanto, os ingredientes desta novidade trazida por Jesus? Antes de mais, o próprio Jesus. Notemos que o surdo-mudo é alguém que tem dificuldade em dialogar, em comunicar, em relacionar-se. Acresce que estamos num meio que olha para as doenças físicas como consequência do pecado, pelo que o surdo-mudo é um «impuro», um pecador e um maldito.

É o encontro com Jesus que transforma totalmente a vida desse surdo-mudo. Jesus abre-lhe os ouvidos e solta-lhe a língua (cf. Mc 7, 35), tornando-o capaz de comunicar, de escutar, de falar, de partilhar, de entrar em comunhão. Tudo é novo neste homem a partir do encontro com Jesus. Em Jesus cumpre-se o que Isaías anunciara: os ouvidos soltam-se e os olhos abrem-se (cf. Is 35, 4-6). É Jesus que nos permite ouvir. É Jesus quem nos faz ver.

 

  1. O papel da comunidade é muito importante. Reparemos num pormenor. Não foi o surdo-mudo que se apresentou a Jesus, foi alguém que o apresentou a Jesus (cf. Mc 7, 32). É preciso levar os outros até Jesus e é decisivo levar Jesus até aos outros. A Igreja existe para trazer as pessoas a Jesus. A Igreja existe como sinal da predilecção de Deus pelos que mais sofrem neste mundo. Jesus mete os dedos nos ouvidos deste homem, faz saliva e toca a sua língua (cf. Mc 7, 33). Tocar com o dedo significa transmitir poder e colocar saliva significa oferecer a própria energia vital: equivale ao sopro de Deus que transformou o barro do primeiro homem num ser dotado de vida divina (cf. Gén 2,7).

Jesus pronuncia a palavra «effathá»: «abre-te». Não se trata de uma fórmula mágica, mas de um convite ao homem fechado para que se abra à vida nova de relação com Deus e com os irmãos. Este é verdadeiro milagre: a renovação da vida. Daí o espanto de todos. De facto, tudo o que Jesus faz é admirável (cf. Mc 7, 37). Faz que os surdos oiçam e que os mudos falem (cf. Mc 7, 37). Não hesitemos em pedir a Jesus que nos cure. Ele é a cura e o curador. Só em Jesus conseguiremos ouvir. Só em Jesus conseguiremos ver!

Do blogue THEOSFERA

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