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NO DIA DOS SANTOS ARCANJOS MIGUEL, GABRIEL E RAFAEL ACABÁMOS DE TER NOTÍCIAS FRESQUINHAS SOBRE O DESEJADO BISPO COADJUTOR DE ANGRA

por Zulmiro Sarmento, em 29.09.15

 

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 (Enquanto padre, capelão e cónego, e depois de bispo)

 

Foi mesmo. Ficou confirmadíssimo. Hoje, 29 de Setembro, dia da Festa do Arcanjo das Boas Notícias (São Gabriel) o Núncio Apostólico da Santa Sé em Portugal (Lisboa), do lado da manhã, anunciou com o aparato próprio das circunstâncias mas sem tolices balofas, o Bispo coadjutor da Diocese de Angra, que auxiliará o Bispo António até à idade (canónica) para ceder-lhe, com o aval de Francisco, o ministério episcopal destas Ilhas. 

Nem no Antigo Testamento o sacerdote Zacarias, sobre o nome a dar ao seu filho gerado em Isabel, escreveria melhor na tábua de cera...

Lá esteve a Agência Ecclesia e a Agência Igreja Açores para, de seguida, noticiarem aos quatro ventos.

Tarde é o que nunca chega...

Como vão sair (porque já estão certamentes redigidas), após o anúncio, a carta de boas vindas do Bispo António e a carta de chegada do Bispo.

Bendito o que vem em nome do Senhor!

E deixem-se agora de artigos desapropriados e enfadonhos sobre o tema em Direito Canónico!... 

E as fontes dos dois jornais acorianos?!... Eram refinadas, veladas e eclesiasticamente maquiavélicas por isso saíu-lhes o tiro pela culatra. O Núncio não voltou atrás. Queriam tanto. Às vezes acontece, mas o homem está muito batido em safadezas, sobretudo efeminadas. Foi vergonhoso o encosto de certa cor política que se gerou para se chegar a um bispo nado e criado nos Açores. Houve um partido que fazia bandeira desse propósito. Até parecia que havia um mandatário presidente de câmara e doutras irmandades... mais os senhores padres colados ao poder político nos Açores! Mas há sempre uma palavrinha que chega a tempo e horas à Nunciatura para se evitar espertezas saloias. E mais não digo sobre tão mesquinho assunto.

De João Lavrador *, como assim se assina nos seus oportunos escritos do semanário Voz Portucalense e só no final se afirma Bispo Auxiliar do Porto após asterisco, fiquei a saber do seu pensamento eclesial e pastoral há alguns anos a esta parte, e sinceramente é o homem certo para o lugar certo. Na festa do Bom Jesus de 2013 alguém se adiantou a ele e falou-lhe desta possibilidade episcopável. Foi interessante o diálogo. Pode ser que ele goste dos Açores e Açoreanos afirmou na altura o Bispo António. Agora vai ter de ser mesmo.

Terá toda a minha lealdade. 

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publicado às 11:05

Um caso de se lhe tirar o chapéu...

por Zulmiro Sarmento, em 29.09.15

É este rapaz, na casa dos vinte e tal, que paga os estudos à irmã, que contribui para sustentar a casa, que paga a prestação do carro

 
Os pais casaram tardote. O pai, na casa dos sessenta, é um desempregado de longa duração, perdeu o direito ao subsídio de desemprego e está cheio de levar 'negas' daqueles a quem bate à porta, pedindo trabalho. A mãe, vítima doença de Parkinson, deixou de poder trabalhar e tem visto as juntas médicas negarem-lhe o acesso à reforma antecipada.
A irmã mais nova está na universidade. Ele trabalha. Ganha 600 euros limpos. Porque trabalha longe de casa, precisou de comprar um carrito que anda a pagar às prestações.
É este rapaz, na casa dos vinte e tal, que paga os estudos à irmã, que contribui para sustentar a casa, que paga a prestação do carro.
E mais. A Igreja da sua paróquia, muito bonita, estava em estado avançado de degradação. Os paroquianos, embora poucos, resolveram quotizar-se mensalmente para angariarem dinheiro para as obras de recuperação. Este rapaz não ficou atrás na colaboração. Fez questão de marcar presença e, cada mês, desconta para as obras 50 euros.
Não barafusta contra a vida e a sorte. Assume que a corda da vida se sobe a pulso. É uma pessoa em paz consigo e com a vida. Desta maneira, aceita prescindir de muitas coisas de que gostava para poder ser útil aos outros. Mas é assim que lhe sabe bem viver!

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publicado às 10:14

Uma Igreja ou um Museu?

por Zulmiro Sarmento, em 23.09.15

20 setembro 2015


 
Frei Bento Domingues, O.P.

1. Este Papa continua a ser visto como um provocador na Igreja e na sociedade, a nível local e global. Uns gostam muito, outros não gostam mesmo nada. Os que se alegram com a sua chegada dizem que ele anda a reabrir janelas e a arrombar portas construídas para abafar a revolução libertadora de João XXIII e do Vaticano II. Os assustados com a sua desenvoltura teológica e canónica esperam que a idade e o cansaço se encarreguem de os aliviar deste pesadelo. Não podem com as suas manias colegiais e a sistemática teimosia em interpretar os textos dos Evangelhos em ligação com as situações actuais da vida das pessoas e dos grupos, sejam essas situações de ordem espiritual, social, financeira, económica ou política.

Porque não deixa ele os textos bíblicos dormir em paz e sossego? A sua antiguidade merece e recomenda um eterno descanso.

Bergoglio, porém, de forma muito original e criativa, escolheu para as suas intervenções, mensagens, homilias, discursos e encíclicas, o método teológico que tinha sido desactivado por várias instâncias romanas. É precisamente esse método que semeia desassossego e esperança em tudo quanto diz e faz.

Seria uma banalidade dizer que a chave do seu pensamento é teológica e cristológica. O importante é saber que Deus e que Cristo falam e actuam nas suas intervenções.

Para ficarmos esclarecidos, basta ouvir o que o Papa Francisco declarou na Praça de S. Pedro, no dia 6 de Setembro, ao comentar o texto de S. Marcos [1]: “Deus não está fechado em si mesmo, mas abre-se e põe-se em comunicação com a humanidade. Na sua misericórdia imensa, supera o abismo da diferença infinita entre Ele e nós, vem ao nosso encontro. Para realizar esse encontro com o ser humano, tornou-se humano: para Ele não é suficiente falar connosco mediante a lei e os profetas, mas torna-se presente na pessoa do seu Filho, a Palavra feita carne. Jesus é o grande “construtor de pontes”, que constrói, em si mesmo, a grande ponte de comunhão com o Pai”.

Bergoglio não ficou por aqui. “Este Evangelho também fala de nós: muitas vezes estamos fechados em nós mesmos e criamos muitas ilhas inacessíveis e inospitaleiras. Até as relações humanas mais elementares criam, por vezes, realidades incapazes de abertura recíproca: o casal fechado, a família fechada, a pátria fechada… Isto não é de Deus! Isto é nosso, é o nosso pecado. Contudo, na origem da vida cristã, no baptismo, estão precisamente aquele gesto e aquela palavra de Jesus Effata! – Abre-te”.

2. Tenho, diante de mim, L’ Osservatore Romano [2] e estou espantado com um Papa que consegue ser mesmo “Sumo Pontífice”, o homem de pontes para todos os universos e para todas as situações! Se fossem só discursos poderia supor que dispõe de um centro de produção literária. No entanto, tudo ou quase tudo tem a marca, o estilo, o cunho pessoalíssimo deste argentino. É impossível ser trabalho de encomenda.

Não posso, numa crónica, dar conta deste vasto mundo de intervenções. Destaco que na mensagem que dirigiu para o encontro de Tirana [3], sobre a guerra e a paz, observa que também é violência levantar muros e barreiras para impedir um lugar de paz. É violência rejeitar quem foge de situações desumanas. É violência descartar crianças e idosos da sociedade e da própria vida! É violência ampliar o fosso entre quantos desperdiçam o supérfluo e aqueles que carecem do indispensável.

Os cristãos, perante a tragédia de dezenas de refugiados que fogem da morte devido à guerra ou à fome, não podem dizer a estes abandonados: coragem, paciência! … A esperança cristã é combativa, com a tenacidade de quem caminha rumo a uma meta segura. Ao aproximar-se o Jubileu da Misericórdia, o Papa dirige um apelo às paróquias, às comunidades religiosas, aos mosteiros e aos santuários de toda a Europa a expressar o aspecto concreto do Evangelho e a acolher uma família de refugiados, a começar pela minha diocese e pelas paróquias do Vaticano. Dirijo-me aos meus irmãos bispos da Europa, verdadeiros pastores, que acolham este meu apelo.
Na preparação da viagem aos EUA, lembra aos americanos que todos são responsáveis por todos.

3. Essa atitude do Papa resulta do que ele pensa da própria Igreja. Nos Evangelhos, a assembleia de Jesus tem a forma de uma família, de uma família hospitaleira. Não de uma seita exclusiva, fechada: nela encontramos Pedro e João, mas também o faminto e o sedento, o estrangeiro e o perseguido, a pecadora e o publicano, os fariseus e as multidões. Jesus não cessa de acolher e falar com todos, até com quem já não espera encontrar Deus na sua vida. Esta é uma lição forte para a Igreja. Os próprios discípulos são eleitos para cuidar desta família dos hóspedes de Deus. Uma Igreja que seja verdadeiramente segundo o Evangelho não pode deixar de ter a forma de uma casa hospitaleira, sempre de portas abertas. As igrejas, as paróquias e as instituições com as portas fechadas devem chamar-se museus.

O Papa não ficou por aqui.

Público, 20.09.2015

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[1] Mc 7, 31-37
[2] Edição semanal de 06.09.2015
[3] Comunidade de Sto Egídio

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publicado às 16:17

HÁ QUEM GOSTE DE FAZER MAL A QUEM (só) FAZ O BEM (25º Domingo do Tempo Comum)

por Zulmiro Sarmento, em 20.09.15
 

A. Porquê não dar descanso (também) à língua?

  1. É coisa estranha, mas muito frequente. Temos cuidado com todo o nosso corpo, menos com a língua. Procuramos dar descanso ao nosso organismo, excepto à língua. E nem sequer damos conta do mal que causamos com o abuso — e o mau uso — da língua. Daí vêm tantos mal-entendidos e tantas discórdias, desordens e acções perversas (cf. Tgo 3, 16). Tiago exorta-nos a ter cuidado com a língua (cf. Tgo 3,1-12). De seguida, refere-se à necessidade de os crentes rejeitarem a «sabedoria do mundo» e de acolherem a «sabedoria que vem do alto» (cf. Tgo 3,13-18). Finalmente, apresenta a origem das discórdias que envenenam a vida das comunidades cristãs (cf. Tgo 4,1-10).

 

  1. O objectivo de S. Tiago é, acima de tudo, purificar a existência cristã para que não se percam os valores que dimanam do Evangelho. Assim, na primeira parte do texto (cf. Tgo 3,16-18), adverte os crentes para que vivam de acordo com a «sabedoria de Deus».

A «sabedoria do mundo» gera inveja, contendas, falsidade (cf. Tgo 3,14), rivalidades, desordem e toda a espécie de más acções (cf. Tgo 3,16). Acaba por destruir a vida da própria pessoa e por impedir a comunhão entre os irmãos. Trata-se de uma «sabedoria» incompatível com as exigências do seguimento de Cristo. Mas não será que, muitas vezes, nos deixamos envolver por este género de comportamentos? Não será que, muitas vezes, nos consideramos «sábios» quando enganamos e prejudicamos os outros? Não será que, muitas vezes, reduzimos a sabedoria à arte de enganar, à astúcia e à esperteza?

 

B. O que denunciamos lá fora também se verifica cá dentro

 

3. Pelo contrário, a «sabedoria de Deus» é «pura, pacífica, compreensiva e generosa, cheia de misericórdia e boas obras, imparcial e sem hipocrisia»(Tgo 3,17).

Trata-se, portanto, de sete «qualidades» da «sabedoria». Tendo em conta que o número sete significa «perfeição», «plenitude», S. Tiago está a propor aos seus destinatários um caminho de perfeição, de realização total, de vida plena. O corolário desta sabedoria é a justiça e a paz, duas grandes carências no nosso mundo e, nessa medida, duas enormes urgências para o nosso tempo. Sem justiça não há paz e sem paz não há justiça. A justiça e a paz são filhas uma da outra. S. Tiago proclama que «a justiça é um fruto produzido na paz»(Tgo 3, 18). E o Concílio Vaticano II assegura que «a paz é obra da justiça».

 

  1. Neste sentido, se o cristão quer viver na paz e na justiça, deve acolher a «sabedoria de Deus» em cada passo da sua existência. É por isso que, em contraponto, S. Tiago analisa as causas das situações de conflito e de discórdia que se notam em muitas das comunidades cristãs. No fundo, tudo resulta do facto de os cristãos nem sempre incorporarem a proposta de Jesus Cristo na sua vida. Em vez de fazerem da sua vida um acto de amor pelos irmãos, há cristãos que ainda vivem entricheirados no seu egoísmo e no seu orgulho. E, deste modo, não só não fazem o bem como ainda fazem o mal.

Era bom que todos nós, cristãos, fizéssemos um sério exame de consciência a este respeito. Muitas vezes, as nossas comunidades, as nossas organizações e os nossos movimentos pouco se distinguem das outras instituições. Afinal, o que denunciamos lá fora também se verifica cá dentro. Também dentro da Igreja, com efeito, há facções, ataques, insinuações, agressões ao bom nome e à boa fama, etc.. O nosso coração parece dominado pela cobiça, pela inveja e pela vontade de se sobrepor aos outros.

 

C. Há quem não suporte o bem

 

5. Todas estas más «paixões»(Tgo 4, 1) corrompem a vida comunitária, despejando nela atitudes de luta, de inveja, de rivalidade, de ciúme, de arrogância, de ira. Onde está a diferença em relação ao mundo? Caso para perguntar: vivemos de acordo com a «sabedoria do mundo» ou com a «sabedoria de Deus»?

Até a nossa oração é afectada. S. Tiago avisa os cristãos: «Pedis mal porque o que pedis é para satisfazer as vossas paixões»(Tgo 4, 3). Como é que esta oração poderia ser escutada por Deus? Devemos pedir que se faça a vontade de Deus e não que se satisfaçam as nossas más «paixões». Uma coisa é certa: os pedidos egoístas não são nunca escutados por Deus.

 

  1. Esta tentação é, aliás, muito antiga e vem já denunciada no Livro da Sabedoria. Não falta, na verdade, quem deseje o mal dos outros, quem se alegre com o mal dos outros. Os «ímpios» de que fala o autor do nosso texto sagrado são, certamente, aqueles que levavam uma vida de corrupção e de imoralidade. São aqueles que, por causa disso, não suportavam a conduta recta dos que eram fiéis à Lei de Deus. Só a existência de alguém justo já é um incómodo. Daí a ameaça: «Armemos ciladas ao justo, que nos incomoda»(Sab 2, 12).

Há quem não suporte o bem. Há quem faça mal até àquele que só faz o bem. Enfim, há quem não suporte ser incomodado. E, nessa medida, há quem não olhe a meios para destruir os que incomodam. A vida dos «justos» é um constante incómodo por causa da sua fidelidade, por causa da sua rectidão. A coerência, a honestidade, a verticalidade e a fidelidade dos «justos» constituem um permanente espinho cravado na conduta imoral de tantos. Então gera-se a perseguição. Quando não há argumentos, abundam os insultos, as insinuações. Trata-se de algo que os justos de todas as épocas conhecem bem.

 

D. Também há «fumo» sem (qualquer) «fogo»

 

7. Infelizmente, há quem dê mais crédito às calúnias sem fundamento do que à vida limpa de tantas pessoas. O mal parece ter um «auditório» muito mais extenso que o bem. A mentira parece bem mais «popular» que a verdade. O problema é que, ao contrário do se diz, há tanto «fumo» sem «fogo». Muitas vezes, o «fogo» avisado por pretensos «fumos» só arde na cabeça e nos lábios de quem insinua, de quem difama, de quem calunia. Mas é assim que se devassam vidas e se atenta contra a integridade de pessoas sérias.

Estamos num tempo em que muitos são mais crédulos em relação à menor mentira do que em relação à maior verdade. É muito doloroso ser injustiçado. Como proceder? Será que a vida dos «justos» está, irremediavelmente, condenada ao fracasso? O importante não é o julgamento dos homens, mas o juízo de Deus. E Deus nunca abandona os que pelos homens são abandonados e espezinhados.

 

  1. Aliás, foi pelos homens que o próprio Jesus foi condenado e morto. Jesus tem plena consciência de que a Sua conduta iria conduzi-Lo à morte (cf. Mc 9, 31). Mas apõe logo uma ressalva: «Depois de morto, ressuscitará»(Mc 9, 31). Ou seja, a morte é certa, mas a vitória sobre a morte é ainda mais segura. Isto significa que Deus tem um pensamento diferente do pensamento dominante entre os homens. Deus desfaz — e refaz — o que, muitas vezes, os homens fazem. Deus corrige muitos dos nossos juízos e altera muitos dos nossos actos.

É por isso que Jesus Se mostra sereno mesmo diante da certeza da paixão e da morte. As palavras de Jesus denotam uma plácida aceitação desses factos que irão ocorrer num futuro próximo. Importante, para Jesus, é que a vontade do Pai Se cumpra. Jesus não Se afasta desse plano nem Se desvia desse caminho. A serenidade de Jesus vem-Lhe da total aceitação e da absoluta conformidade com os projectos do Pai.

 

E. Não abandonemos os abandonados

 

9. Entretanto, os discípulos mantêm-se num estranho silêncio diante deste anúncio. S. Marcos explica que eles não entendem a linguagem de Jesus tendo medo de O interrogar (cf. Mc 9, 32). Jesus é muito claro, mas o espírito dos Seus discípulos ainda está muito obscurecido. Em vez de se preocuparem com o seguimento do Mestre, discutem entre eles sobre qual seria «o maior» (cf. Mc 9, 34).

De facto, ainda não tinham entendido mesmo nada acerca de Jesus. Será que, dois mil anos depois, já entendemos? Será que já entendemos que, para Jesus, verdadeiramente grande é aquele que se faz pequeno? «Quem quiser ser o primeiro há-de ser o último de todos e o servo de todos»(Mc 9, 35)

 

  1. Jesus deita por terra qualquer pretensão de poder e mando. Ele olha para baixo, para quem está em baixo: para os simples, para os pequenos. Por isso, pega numa criança e ensina: «Quem acolher em Meu nome uma criança como esta acolhe-Me a Mim»(Mc 9, 37).

Jesus sempre Se identificou com os mais pequenos (cf. Mt 25, 40). É essa a nossa opção se quisermos efectivamente seguir Jesus: tomar partido pelos mais pequenos, lembrar aqueles que os grandes repetidamente esquecem. A atitude de Jesus não dá lugar a dúvidas. Quem quiser segui-Lo deve estar ao lado dos pequenos, dos pobres, dos marginalizados, daqueles que o mundo rejeita. É nos mais rejeitados que Jesus está mais presente. O que fizermos a eles é o que faremos a Ele!

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publicado às 22:35

BEM-HAJA A QUEM BEM AGE (24º Domingo do Tempo Comum)

por Zulmiro Sarmento, em 13.09.15
 

A. Fechar os lábios para abrir os ouvidos

  1. Diz o profeta que o Senhor Deus lhe abriu os ouvidos (cf. Is 50, 5). Deixemos nós também que o Senhor Deus nos abra os ouvidos. Nenhum coração se abre quando os ouvidos estão fechados. O certo é que, para nosso mal, os ouvidos do nosso coração permanecem teimosamente fechados, pesadamente fechados.

Acontece que nem nos apercebemos de que, para ter os ouvidos abertos, temos de dar algum descanso à nossa língua. Há momentos em que a boca tem de estar fechada para que os ouvidos se mantenham abertos. De facto, como consegue escutar quem não pára de falar? A rotina é tão envolvente que, por vezes, nem na Casa de Deus mostramos disponibilidade para ouvir Deus. Até na Casa de Deus a boca continua aberta. Até na Casa de Deus os ouvidos parecem continuar fechados!

 

  1. Se os nossos ouvidos se deixarem abrir, escutaremos que, para Deus, não basta a fé. No fundo, o que Deus nos diz, pela boca de S. Tiago, é que a fé não é fé se for apenas fé. A fé sem obras é morta (cf. Tgo 2, 17). Algum de nós quer deixar morrer a fé? A fé, como notou S. Paulo, entra pelos ouvidos (cf. Rom 10, 17), expressa-se pelos lábios e é alimentada pela vida.

Uma fé que não chegue ao chão da vida desfalece. Uma fé que não aterre na terra da existência desmorona-se. A fé, por natureza, é invasiva, é saudavelmente intrometida.

 

B.  A fé será eloquente se não for apenas loquaz

 

3. Os lábios manifestam a fé. Mas o que prova a fé é a vida, são as acções que praticamos na vida. O acto de fé constitui, por isso, o maior certificado da linguagem da fé. Se a fé não se expressa em actos, então é porque falsamente se expressa nos lábios. Daí que já Sto. António tenha avisado: «Cessem as palavras e falem as obras. De palavras estamos cheios, de obras vazios».

As palavras só têm sentido quando são sufragadas pelas obras. As palavras de fé só merecem aceitação quando são apoiadas por obras que nascem da fé.

 

  1. A palavra da vida é muito mais eloquente do que a palavra dos lábios. Não precisamos de uma fé palavrosa nem basta uma fé loquaz. Do que necessitamos é de uma fé eloquente. E a fé só será eloquente quando a vida mostrar o que os lábios indicam. Não chega alegar que temos fé. Poderá haver quem apresente obras, ainda que não alardeie vistosas proclamações de fé. É possível que alguém nos diga: «Mostra-me a tua fé sem obras que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé»(Tgo 2, 18).

As obras são o melhor discurso da fé. As obras são o mais belo ornamento da fé. Não nos esqueçamos. Deus, um dia, não nos perguntará pela fé que dissemos, mas pela fé que vivemos.

 

C. A fé tem de ser amorosa

 

5. A vivência da fé tem o nome de amor e o sobrenome de caridade. A caridade é o ápice do amor. A caridade é o amor maior, o amor sem limites, nem fronteiras, nem condições. A caridade é o amor para todos, é o amor para sempre.

É por isso que Hans Urs von Balthasar entendia que «só o amor é digno de fé». E se o amor é digno de fé, a fé tem de ser sempre digna do amor. O amor é fidedigno e a fé tem de ser sempre amorosa. Se falta a fé, o amor não cresce. Se falta o amor, a fé desaparece.

 

  1. S. Paulo foi muito claro quando proclamou que a fé actua pela caridade (cf. Gál 5, 6). E S. Tiago oferece um exemplo muito concreto. Se a alguém faltar roupa ou alimento, não basta dizer: «Vai em paz, aquece-te e alimenta-te» (cf. Tgo 2, 15-16). Mas aquecer com quê e comer o quê? Se não partilharmos o necessário, de que servem as nossas palavras? (cf. Tgo 2, 16).

O mundo não cresce com os que (apenas) falam; só cresce com os que agem. O bem agir é mais importante que o bem falar. Mas, graças a Deus, ainda há tanta gente que sabe agir, há tanta gente que sabe falar, agindo. Ouçamos os que falam, mas habituemo-nos a imitar os que agem, os que bem agem. Por conseguinte, bem-haja a quem bem age!

 

D. Crismados por Cristo

 

7. Jesus é aquele que age, é aquele sempre age, é aquele que bem age, é aquele que belamente age. Jesus é aquele que andou de lugar em lugar a fazer o bem (cf. Act 10, 38). É por isso que crer em Jesus implica procurar agir como Jesus. Daí que a profissão de fé não possa esgotar-se nos lábios. A profissão de fé tem de escorrer sempre pela vida, por cada momento da nossa vida.

A descoberta do Messias vem até nós pelos lábios de Pedro: «Tu és o Messias»(Mc 8, 29). Sobre Jesus, não basta repetir o que os outros dizem. Já naquele tempo havia quem dissesse que Jesus era uma espécie de reencarnação de João Baptista, de Elias ou de algum profeta (cf. Mc 8, 28). Jesus não é a mera continuidade do passado. Jesus é a transformação de toda a nossa vida. O futuro não é só o que vem depois. Há-de ser o que vem de novo.

 

  1. É preciso que cada um faça a experiência de Jesus. É fundamental que cada um faça essa experiência na sua existência. Como Jesus é o ungido do Pai, é necessário que cada um de nós seja ungido por Cristo. Cristo significa precisamente «ungido» O mesmo acontece, aliás, com a palavra «crisma». Deste modo, ser crismado é ser cristificado, é tornar-se um com Cristo. E crismados somos, desde logo, no Baptismo. Pelo que crismados nos devemos mostrar em cada dia da nossa vida, em cada gesto do nosso existir.

Para que não subsistam dúvidas, Jesus esclarece Pedro sobre o que implica ser Messias, ser ungido, ser Cristo. A sua missão de Jesus só pode ser entendida à luz da Cruz, isto é, como dom da vida aos homens, por amor. Dizer que Jesus é o Messias — ou Cristo — significa dizer que Ele é o libertador esperado, para libertar o seu Povo e para lhe oferecer a salvação definitiva.

 

E. A Cruz não traz facilidade, mas conduz à felicidade

 

9. A resposta de Pedro está certa. No entanto, podiam subsistir alguns equívocos, dado que o título de Messias estava conotado com expectativas políticas. Por isso, os discípulos são impedidos de falar d’Ele. Antes de falar, era preciso aprender a conhecer bem Jesus É isso que Jesus vai fazer, logo de seguida.

Jesus não é semeador de ilusões. Ele alimenta a esperança, mas não alimenta dúvidas. A missão de Jesus passa pela Cruz e a missão de quem O quiser seguir também terá de passar pela Cruz. «Se alguém quiser seguir-Me, negue-se a si mesmo; pegue na sua cruz e siga-Me»(Mc 8, 34).

 

  1. Não se pode seguir Jesus em «part-time». Seguir Jesus tem de ser sempre em «full-time», a tempo inteiro. É preciso, portanto, que cada um deixe tudo, a começar por si mesmo. Não tenhamos medo de dizer não a nós mesmos. E não tenhamos receio de dizer sim a Cristo em nós mesmos. O egoísmo não é compatível com o seguimento de Cristo. Jesus é muito claro: «Quem quiser salvar a própria vida, há-de perdê-la; mas quem perder a vida por causa de Mim e do Evangelho, há-de salvá-la»(Mc 8, 35).

Fugir da Cruz seria fugir de Cristo. A Cruz não traz facilidade, mas conduz-nos até à felicidade. Não caiamos na tentação de Pedro, que gostaria de ter um Cristo sem Cruz. Façamos, antes, como, mais tarde, fez Pedro, que abraçou a Cruz de Cristo. A Cruz não foge de nós, mesmo que nós queiramos fugir da Cruz. Quem abraça a Cruz com amor tem sempre encontro marcado com o Senhor!

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publicado às 00:21

Crise dos refugiados: a hipocrisia dos países árabes-islâmicos ricos

por Zulmiro Sarmento, em 07.09.15

A crise de refugiados que hoje enfrentamos é, de alguma forma, consequência da rebelião armada contra o governo de Assad.


1. A actual crise dos refugiados que fogem da guerra na Síria e de outros conflitos no Médio Oriente e Sul do Mediterrâneo (Iraque, Afeganistão, Líbia, etc.) tem provocado intermináveis discussões e profundas divisões entre os europeus.
O assunto é, sem dúvida, dos mais delicados que a União Europeia tem em mãos — mais até do que a crise da Zona Euro e da Grécia —, devido às possíveis consequências duradouras nas sociedades europeias. Nada indica que a dimensão da vaga de refugiados vá diminuir nos próximos tempos, pela persistência das guerras que as originam. Às vagas de refugiados acrescem os expressivos fluxos de migrantes à procura de melhores condições de vida, da Europa Balcânica (especialmente do Kosovo) e da África subsariana. Tendo em conta que, na crise actual, a principal origem dos refugiados é a Síria — e que estes são maioritariamente árabes e muçulmanos sunitas —, uma questão ocorre: por que razão não são os países árabes ricos do Médio Oriente o principal destino de acolhimento desses refugiados? (Ver a análise feita neste artigo da BBC de 2/9//2015, “Migrant crisis: Why Syrians do not flee to Gulf States”,http://www.bbc.com/news/world-middle-east-34132308.) A questão faz tanto mais sentido se pensarmos que a proximidade geográfica, linguística, cultural e religiosa é muito maior do que face a Estados europeus como a Alemanha, a Áustria, ou a Itália, por exemplo. (Poderá ser um contra-argumento que aquilo que atrai os refugiados para a Europa não é só a prosperidade material, mas também a democracia, a liberdade e a tolerância).Esta mesma interrogação foi colocada por um muçulmano britânico, Zahid Nawaz, numa carta dirigida ao Financial Times, publicada a 28/08/2015 sob o título “Hypocrisy of the Muslim Gulf countries” / Hipocrisia dos Países Muçulmanos do Golfo. Vale a pena reproduzir aqui alguns excertos. O autor começa por deplorar a tragédia humana em curso, mostrando a sua decepção pela atitude dos países muçulmanos ricos do golfo “[…] ver refugiados sírios, iraquianos, afegãos e sudaneses, quase todos muçulmanos, arriscarem as suas vidas tentando viajar para a Europa quando há, potencialmente, uma rota muito mais fácil para a Arábia Saudita e os Emiratos, é extremamente decepcionante.” Em seguida, faz notar a atitude de quase indiferença face aos refugiados, contrastivamente com a política de financiamento de grupos rebeldes na guerra da Síria e a riqueza que ostentam: “Esta falta de vontade de enfrentar o custo humano ocorre apesar do alegado financiamento significativo da rebelião na Síria, pelo Qatar, Arábia Saudita e Emiratos. Enquanto isso, o Qatar continua a gastar enormes quantias num Mundial de Futebol e o Dubai em infra-estruturas para uma Expo-Mundial.” Por último, termina notando o seguinte: “os muçulmanos são continuamente lembrados para tratar os outros muçulmanos como parte da umma [a comunidade dos crentes] um elemento constante no desenvolvimento do Islão. Mas quando se trata de fomentar, a longo prazo, uma acção sustentável para manter refugiados muçulmanos em países muçulmanos, a hipocrisia dos regimes locais da Arábia Saudita, Emiratos Árabes e Qatar é uma fonte de enorme decepção para mim e estou certo que para muitos outros muçulmanos.“
2. Se a Turquia (0,8 milhões), o Líbano (1,2 milhões) e a Jordânia (0,6 milhões) — Estados com fronteiras directas com a Síria — já receberam um número elevado de refugiados do conflito sírio, o mesmo não se pode dizer da Arábia Saudita, Emiratos Árabes Unidos, Qatar, Kuwait, Omã e Bahrein. Todos estes Estado estão, em termos geográficos, relativamente próximos da Síria, embora sem fronteiras directas. Mas, mais importante do que isso, estão entre os mais ricos do mundo — mais até do que muitos dos países mais prósperos da União Europeia como veremos em seguida. Estão, certamente também, como já referimos, muito mais próximos em termos culturais, religiosos e linguísticos. Importa notar que estes são objectivamente factores que tendem a facilitar a integração nas sociedades de acolhimento. Um olhar para as estatísticas do Banco Mundial (2014) não deixa grandes dúvidas sobre a riqueza e meios materiais destes países para acolherem muitos dos refugiados. Olhando para o topo, para os primeiros vinte e cinco lugares do ranking mundial do PIB per capita — ou seja dos países mais ricos do mundo —, encontramos o seguinte quadro. Seis Estados árabe-islâmicos encontram-se nesse ranking, por esta ordem: em 1º lugar o Qatar (à frente dos países europeus mais ricos, como o Luxemburgo e a Noruega); em 4º lugar o Kuwait (à frente, da Noruega, frequentemente considerada o país com mais qualidade de vida); em 8º lugar os Emiratos Árabes Unidos (à frente da Suíça); em 11º lugar a Arábia Saudita (à frente de países europeus como a Holanda, Áustria, Suécia, Dinamarca ou Alemanha); em 17º lugar Omã (à frente da Suécia, Dinamarca e Alemanha); em 23º lugar o Bahrein (à frente da Bélgica, Finlândia, Reino Unido e França). Note-se ainda que, todos eles, à excepção de Omã, se encontram classificados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), na categoria mais elevada, o desenvolvimento humano muito elevado. No ranking do PIB, as estatísticas do Banco Mundial (2014) confirmam também o já mencionado. A Arábia Saudita 19º lugar (à frente, por exemplo, de economias como a Suíça, a Suécia, a Bélgica ou Áustria); os Emiratos Árabes Unidos em 30.º lugar (à frente da Dinamarca e Finlândia); o Qatar em 50.º, à frente da República Checa; o Kuwait, em 56.º lugar, à frente da Hungria, onde temos visto algumas das imagens mais desesperadas de refugiados em solo europeu.
José Pedro Teixeira Fernandes, aqui

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OS «PRETERIDOS» DO MUNDO SÃO OS «PREFERIDOS» DE DEUS (23º Domingo do Tempo Comum)

por Zulmiro Sarmento, em 06.09.15
 

A. Deus não quer preferências entre pessoas

  1. É fundamental ser ouvinte da Palavra. Mas não basta ser ouvinte da Palavra. A Palavra de Deus não se dirige apenas aos nossos ouvidos, mas a toda a nossa vida. A Palavra de Deus entra pelos nossos ouvidos para transformar toda a nossa vida. Tiago avisa-nos para que não nos limitemos a ouvir (cf. Tgo 1, 23). É preciso cumprir, pôr em prática. E o mesmo S. Tiago faz-nos, hoje, uma advertência, que tantas vezes escutamos, mas tão poucas vezes pomos em prática.

 

  1. Para S. Tiago, não é lícito ligar a fé à preferência por certas pessoas (cf. Tgo 2, 1). Para S. Tiago, é claro que não pode haverpreferidos nem preteridos. Deus não quer que, em Seu nome, se faça distinção entre pessoas. Ninguém pode ser especialmente tratado, todos devem ser igualmente respeitados.

A Segunda Leitura deste Domingo tipifica uma situação em que falhamos frequentemente. «Pode acontecer que, na vossa assembleia, entre um homem com bem vestido e com anéis de ouro e entre também algum pobre e mal vestido. Talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais: “Tu, senta-te aqui, em bom lugar”, e ao pobre digais: “Tu, fica aí de pé”, ou então: “Senta-te a meus pés”. Porventura não estareis a fazer distinções entre vós?»(Tgo 2, 3-4).

 

B. Se houve preferências, que seja pelos simples

 

3. É bom que os bem-vestidos sejam estimados. Mas é muito mau quando os mal-vestidos são desprezados. Só que, infelizmente, é o que, muitas vezes, se vê. Olhamos para as aparências e valorizamos o aparato. Damos mais atenção à roupa do que à dignidade. Arranjamos os melhores lugares para os grandes e não mostramos o menor apreço pelos pequenos, pelos simples, pelos pobres.

Tudo isto mostra que não falhamos só nos preceitos da cortesia. Tudo isto mostra que, antes de mais, estamos a falhar na compreensão do Evangelho. S. Tiago pergunta: «Não escolheu Deus os que são pobres aos olhos do mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que Ele prometeu àqueles que O amam?»(Tgo 2, 5).

 

  1. Se alguma preferência houver, deve ser para os pequenos, para os simples, para os humildes, para os sofredores. Os preteridos do mundo hão-de ser os preferidos dos cristãos. Mas será isso o que se vê? Tantas são as atenções que damos aos poderosos e tão gritante é a falta de atenção que damos às vítimas dos poderosos!

É importante que sejamos respeitadores para com as autoridades. Mas é mais imperioso que respeitemos os humildes. Quem está em cima já tem muitas compensações. Já os que estão em baixo não costumam ser reconhecidos. Quem reconhece o trabalho e a dedicação das pessoas simples?

 

C. Ânimo para os desanimados

 

5. Jesus veio corrigir todas as assimetrias, que tresandam a injustiça. Jesus veio trazer as periferias para o centro. Jesus veio engrandecer o que é pequeno. Jesus veio trazer para cima o que está em baixo. Por isso é que Ele era apreciado pelos humildes e incompreendido pelos poderosos. Será que nós, seguidores de Jesus, procuramos dar continuidade às Suas opções? Ou não será que, muitas vezes, contrariamos as Suas escolhas?

A Igreja de Jesus é para todos. Mas eu diria que a Igreja é sobretudo para os humildes. A Igreja é para que todos nos tornemos humildes. Acabemos, pois, com as disputas por lugares e protagonismos nas nossas celebrações. Para a Casa de Deus, ninguém pode ser especialmente convidado, todos devem ser igualmente bem-vindos. E se alguma distinção fizermos, que seja para aqueles que mais sofrem, para aqueles que, habitualmente, são mais esquecidos. São esses os que mais precisam de um alento, de uma atenção, de um estímulo.

 

  1. É sobretudo para os mais simples que, hoje, ressoa uma palavra de conforto. A Primeira Leitura insere uma palavra de ânimo da parte de Deus para o Seu povo. De facto, o Povo de Deus estava paralisado pelo desespero, mostrando-se abatido e bloqueado. Não tem perspectivas de futuro e não vê qualquer razão para ter esperança. Mas, como dizia Vergílio Ferreira, «quando a situação é mais dura, a esperança tem de ser mais forte»

No meio da provação, Deus anuncia a proximidade da libertação: «Tende coragem. Não vos assusteis»(Is 35, 4). Eis o que Deus nos diz sempre, eis o que Deus nos diz a todos. Tenhamos coragem, não nos assustemos. E porque é que não nos devemos assustar? Porque Deus está connosco (cf. Is 35, 4). Deus nunca deixa de estar connosco. O Seu Filho é o Deus-connosco, o Deus para nós, o Deus em nós. Hoje, Deus continua a estar connosco na Palavra, no Pão e na Missão junto de cada Irmão.

 

D. Deus possibilita o próprio impossível

 

7. Em nós, Deus possibilita o próprio impossível: «os olhos do cego hão-de abrir-se, os ouvidos dos surdos serão abertos. O coxo saltará como um veado e a língua do mudo cantará de alegria. As águas brotarão no deserto e as torrentes na aridez da planície; a terra seca converter-se-á num lago e a terra sequiosa tornar-se-á uma nascente de água»(Is 35, 5-7).

Acreditar é esperar o próprio impossível. Acreditar é fazer cair as correntes de todas as prisões. Jesus é a certificação maior de que o impossível se torna possível. Em Jesus, o surdo ouve e o mudo fala. Eis a grande doença de hoje: não conseguimos ouvir e não sabemos falar. Eis a grande urgência de hoje: aprender a ouvir e reaprender a falar.

 

  1. Neste Domingo, acompanhamos Jesus numa viagem pela Fenícia, passando pelos territórios de Tiro e de Sídon, cidades da faixa costeira oriental do Mar Mediterrâneo, no actual Líbano (cf. Mc 7,24). No regresso dessa viagem, Jesus teria andado pelo território da Decápole (cf. Mc 7,31). Já agora, convirá dizer que a Decápole era uma liga de dez cidades, que se formou depois da conquista da Palestina pelos romanos, no ano 63 a.C..

É nesse contexto geográfico e humano que se insere o episódio da cura do surdo-mudo. As pessoas que trouxeram o surdo-mudo suplicaram a Jesus «que impusesse as mãos sobre ele»(Mc 7, 32). Lendo bem a narração deste episódio, ficamos com a sensação de que Marcos quer muito mais do que contar a cura de um surdo-mudo. Trata-se de uma catequese sobre a missão de Jesus e sobre o papel que Ele desenvolve no sentido de fazer nascer um homem novo. E, na verdade, tudo é novo a partir de Jesus.

 

E. Só Jesus deixa ouvir, só Jesus faz ver

 

9. Quais são, entretanto, os ingredientes desta novidade trazida por Jesus? Antes de mais, o próprio Jesus. Notemos que o surdo-mudo é alguém que tem dificuldade em dialogar, em comunicar, em relacionar-se. Acresce que estamos num meio que olha para as doenças físicas como consequência do pecado, pelo que o surdo-mudo é um «impuro», um pecador e um maldito.

É o encontro com Jesus que transforma totalmente a vida desse surdo-mudo. Jesus abre-lhe os ouvidos e solta-lhe a língua (cf. Mc 7, 35), tornando-o capaz de comunicar, de escutar, de falar, de partilhar, de entrar em comunhão. Tudo é novo neste homem a partir do encontro com Jesus. Em Jesus cumpre-se o que Isaías anunciara: os ouvidos soltam-se e os olhos abrem-se (cf. Is 35, 4-6). É Jesus que nos permite ouvir. É Jesus quem nos faz ver.

 

  1. O papel da comunidade é muito importante. Reparemos num pormenor. Não foi o surdo-mudo que se apresentou a Jesus, foi alguém que o apresentou a Jesus (cf. Mc 7, 32). É preciso levar os outros até Jesus e é decisivo levar Jesus até aos outros. A Igreja existe para trazer as pessoas a Jesus. A Igreja existe como sinal da predilecção de Deus pelos que mais sofrem neste mundo. Jesus mete os dedos nos ouvidos deste homem, faz saliva e toca a sua língua (cf. Mc 7, 33). Tocar com o dedo significa transmitir poder e colocar saliva significa oferecer a própria energia vital: equivale ao sopro de Deus que transformou o barro do primeiro homem num ser dotado de vida divina (cf. Gén 2,7).

Jesus pronuncia a palavra «effathá»: «abre-te». Não se trata de uma fórmula mágica, mas de um convite ao homem fechado para que se abra à vida nova de relação com Deus e com os irmãos. Este é verdadeiro milagre: a renovação da vida. Daí o espanto de todos. De facto, tudo o que Jesus faz é admirável (cf. Mc 7, 37). Faz que os surdos oiçam e que os mudos falem (cf. Mc 7, 37). Não hesitemos em pedir a Jesus que nos cure. Ele é a cura e o curador. Só em Jesus conseguiremos ouvir. Só em Jesus conseguiremos ver!

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