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ATENÇÃO A ESTA (boa) NOTÍCIA (22º Domingo do Tempo Comum)

por Zulmiro Sarmento, em 30.08.15
 

A. Há muito bem no mundo

  1. Tenho uma notícia muito boa para vós, neste Domingo. É que, afinal e ao contrário do que se diz, existe muito bem neste mundo. Existe muito bem no mundo e em cada pessoa que há no mundo. Eu sei que não parece. O bem é continuamente silenciado, mas isso não significa que esteja inactivo. O bem vai fazendo o seu caminho no interior das pessoas. O importante é que não o bloqueemos nem torpedeemos.

Faço-me, pois, portador desta bela notícia, em contracorrente com a publicidade que muitos teimam em fazer ao mal e à maldade. O mal existe e a maldade alastra. Mas nada podem contra o bem. É que — esta é a segunda parte da notícia que hoje vos trago — o bem vem de Deus.

 

  1. É S. Tiago quem no-lo garante na Segunda Leitura da Eucaristia deste 22º Domingo do Tempo Comum: «Tudo o que de bom nos é dado […] desce do Pai»(Tgo 1, 17). Assim sendo, salta à vista que o nosso problema é, na prática, andarmos longe de Deus. Quem está em Deus está com o bem que é Deus.

O Apóstolo aponta-nos, por isso, o caminho a seguir. Trata-se de acolher docilmente a Palavra de Deus (cf. Tgo 1, 21). É esta Palavra que fecunda a nossa vida como fecundou a vida fiel de Maria Santíssima. Só acolhendo a Palavra de Deus, conseguiremos ir mais além de nós mesmos. É preciso, pois, cumprir a Palavra. Não basta escutá-la (cf. Tgo 1, 22). A Palavra não se dirige apenas aos nossos ouvidos. A Palavra dirige-se a toda a nossa vida.

 

B. O que mais agrada a Deus

 

3. A Palavra não pode entrar por um ouvido para sair pelo outro. A Palavra que entra pelos ouvidos almeja transformar a nossa existência. É a isto que se chama conversão, mudança. Esta conversão e esta mudança traduzem-se em gestos concretos nos quais S. Tiago tipifica a «religião pura e sem mancha»(Tgo 1, 17). De facto, o que mais agrada a Deus é «visitar os órfãos e as viúvas» e «conservar-se limpo de toda a corrupção do mundo»(Tgo 1, 27).

A vontade de Deus consiste, portanto, em fazer o bem ao nosso semelhante e em não cedermos ao assédio da maldade que nos ameaça. É preciso perceber que nenhum bem vem do mal. Só o bem faz bem.

 

  1. No fundo, é esta a lei maior, a lei suprema, a que todas as leis devem estar sujeitas. Jesus debate-Se com alguns dos Seus contemporâneos que eram muito ciosos das leis até nas suas minudências mais pormenorizadas. Jesus não é obviamente contra as leis. O que Jesus quer é que o cuidado com estas leis não impeça a atenção que é devida à lei maior e à lei suprema: a prática do bem.

De facto, há leis que asfixiam a liberdade das pessoas e há leis que promovem a liberdade das pessoas. Há leis que sufocam e há leis que libertam. A fé não é uma asfixia da liberdade, mas um transbordamento de liberdade. «Foi para a liberdade que Cristo nos libertou»(Gál 5, 1).

 

C. Quando o exterior distorce o interior

 

5. As leis são necessárias, mas a fé tem ir mais além da lei. Na linha de Jesus, temos de ter em conta, sobretudo, os três m's em que Ele insistiu: no m da mensagem (Reino de Deus), no m domandamento (amor a Deus e ao próximo) e nom da missão (levar o Evangelho a todo o mundo).

Os judeus estavam muito apegados às leis, mas pouco atentos à mudança de vida. O principal, para eles, eram as acções exteriores. A aparência contava mais que a essência. Jesus não Se revê nesta conduta e lamenta: «Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim»(Mc 7, 6).

 

  1. Estamos numa época em que o aparato exterior quase não deixa ver o que se passa no interior. É claro que a vida é feita de interior e exterior. Mas o importante é que o exterior seja o espelho do interior. Infelizmente, nem sempre isso acontece. Muitas vezes, o exterior é uma negação, — uma distorção, um disfarce ou uma dissimulação — em relação ao que ocorre no interior.

Cuidamos muito do exterior e parece que descuidamos completamente o interior. No tempo de Jesus, a preocupação parecia ser «a lavagem dos copos, dos jarros e das vasilhas de cobre»(Mc 7, 4). No nosso tempo, a prioridade parecem ser os foguetes, as músicas, as marchas e as diversões. Nada disto, em si mesmo, é mal. Mas tudo isto é pouco. Acresce que tudo isto é supostamente realizado em honra da Virgem Maria e dos Santos. Mas que preocupação existe em aprender efectivamente com o exemplo deixado pela Virgem Maria e pelos Santos?

 

D. Que lugar para Cristo nas festas cristãs?

 

7. Os nossos lábios não parecem andar muito longe de Deus. Mas será que o nosso coração está possuído por Deus? Que lugar há para Cristo em tantas festas que se dizem cristãs? Que lugar há para Maria e para os Santos nas romarias que, em princípio, lhes são dedicadas?

Às vezes, dá a impressão de que a Virgem Maria e os Santos são meros pretexto para a festa, quando deviam ser o motivo da festa. Se eles fossem o verdadeiro motivo da festa, o centro da festa seria a Eucaristia. Foi, na verdade, a Eucaristia que fermentou no seio de Maria e transformou a vida dos Santos. Uma festa genuinamente cristã pensaria mais nos pobres e nos que sofrem. Uma festa genuinamente cristã seria, por isso, menos gastadora e mais solidária. Ainda temos muito a aprender, muito a crescer.

 

  1. Os antigos procuraram cristianizar algumas festas pagãs. Não deixemos que, hoje, serepaganizem as festas cristãs. Grande deve ser a festa de alguns dias. Maior há-de ser a festa de todos os dias. É certo que, por natureza, a festa pertence ao excepcional, ao que foge à cadência do quotidiano. Mas não seria apaixonante excepcionalizar o quotidiano? Ou seja, não nos deveríamos empenhar todos em levar para cada dia o desafio de transformação da nossa vida?

Não façamos da festa um pretexto para degradar a natureza humana, obra de Deus. Não afoguemos o nosso corpo em álcool. Não nos embriaguemos com vinho; embriaguemo-nos de fé, de esperança e de amor.

 

E. Abandonamos o interior do país e, ainda mais, o interior das pessoas

 

9. A festa não é para esquecer a vida, mas para nos reabastecer para a vida. A essência da festa está no encontro, no sorriso, no abraço. A festa será tanto mais bela, quanto mais nela nos abrirmos ao Deus da festa, ao Deus que faz festa quanto nos abraça. Bela é a festa da conversão. Bela é a festa quando é total, quando não deixa o interior de fora. Habitualmente, queixamo-nos ao ver o interior abandonado. Mas só lamentamos o abandono do interior do país. E que achamos do abandono do interior da pessoa? Não será que abandonamos, tantas vezes, o nosso interior e o interior dos outros?

Maria é, toda Ela, um acontecimento de interioridade. O Seu exterior fiel é um espelho do Seu interior atento. Foi no Seu interior que encarnou o Filho de Deus. O interior de Maria é o primeiro sacrário da história. É por isso que importa olhar para Maria e sobretudo olhar com Maria. O olhar de Maria não prende. É no olhar de Maria que se aprende a seguir Jesus.

 

  1. Jesus quer que nos transformemos a partir do fundo, a partir de dentro, a partir do nosso interior. É por isso que, estritamente, um cristão não é de direita, não é de esquerda nem é do centro. Genuinamente, um cristão é do fundo. Jesus é Deus que vem até ao fundo de nós. É por isso que Ele nos ensina a não nos preocuparmos prioritariamente com o nosso exterior: «Não há nada fora do homem que, ao entrar nele, o possa tornar impuro»(Mc 7, 18). Do interior do homem é que «saem os pensamentos perversos, as imoralidades, os roubos, os assassínios, os adultérios, a cobiça, as más acções, a má fé, a devassidão, o orgulho e a loucura»(Mc 7, 21-22). Por conseguinte, é pelo interior que temos de começar a conversão. Que adianta um exterior bem apresentado se o interior permanece descuidado?

Jesus não quer só um culto externo, feito de coisas repetidas apenas por hábito e, muitas vezes, sem sentido (cf. Mc 7, 7). Jesus quer que a oração dos nossos lábios seja a expressão da oração da nossa vida. Rezemos com os lábios, sim. Mas nunca nos esqueçamos de rezar, acima de tudo, com a nossa vida: com a nossa vida inteira, com a nossa vida lisa, com a nossa vida (sempre) limpa!

Do blogue THEOSFERA

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publicado às 14:39

UMA «QUERELA» ENTRE JESUS E A IGREJA (21º Domingo do Tempo Comum)

por Zulmiro Sarmento, em 25.08.15
 

A. Cuidado com um Cristianismo «à la carte»

  1. Fechamos hoje um ciclo de cinco domingos em que fomos meditando o capítulo sexto do Evangelho de S. João. É um capítulo que começa em festa e acaba em drama. Como bem recordamos, este longo capítulo inicia-se em clima de euforia diante do milagre de Jesus. O chamado milagre da multiplicação dos pães deixa a multidão em euforia. A explicação do referido milagre deixa muitos dos discípulos em sobressalto. No início, queriam fazer de Jesus rei; agora, querem abandoná-Lo.

Por aqui se vê como este inteiro capítulo é uma preciosa lição de pastoral e de vivência cristã. Ele ajuda-nos a fazer frente a uma espécie de Cristianismo «à la carte», que está muito em voga. Não falta, com efeito, quem aplauda o que lhe agrada e conteste o que o incomoda. Aliás, o próprio Jesus já tinha denunciado que muitos O procuravam não por causa do milagre, mas por causa de lhes ter matado a fome (cf. Jo 6, 26). Ficavam-se pelo significante, sem atender ao significado.

 

  1. É preciso estar alerta e ter cuidado com o desejo de um mero «Cristianismo de satisfação». O objectivo da mensagem de Cristo não é a satisfação, mas a conversão. Ele convida-nos a fazer a vontade de Deus e não a exigir que Deus faça a nossa vontade. Há dois mil anos, muitos aplaudiram Jesus quando Ele lhes deu o pão, mas afastaram-se de Jesus quando Ele lhes explicou o significado daquele pão.

Atenção, pois, ao nosso senso e à nossa lógica. A nossa lógica pode ser muito diferente da lógica de Cristo. De facto, dizer «a Minha Carne é verdadeira comida e o Meu Sangue é verdadeira bebida»(Jo 6, 61) parece não ter lógica. Só que um discípulo é chamado a fazer sua a lógica de Cristo. Quem acompanha Cristo vê que tem lógica que Ele Se apresente como Pão da vida. Todo Ele é oferta, todo Ele é entrega, todo Ele é dádiva.

 

B. Será que queremos um Cristianismo (verdadeiramente) cristão?

 

3. Nós, hoje, somos chamados a reproduzir as palavras e os comportamentos de Cristo. E, por isso, temos de estar preparados para as mesmas reacções que Cristo enfrentou. Temos de estar preparados para o aplauso e para a contestação. Temos de estar preparados para a discussão e para a rejeição. O discípulo não existe para disputar um qualquer «campeonato da popularidade». Não estamos na vida para ver quem é o mais popular. O importante não é a popularidade, mas a fidelidade.

O que Jesus nos mostra é que não nos devemos deslumbrar com o aplauso nem deprimir com a contestação. Se adulteramos a mensagem para evitar a contestação e obter o aplauso, não estamos a ser fiéis. Se o desiderato de Jesus fosse ser aplaudido, é natural que, perante a contestação, recuasse no Seu discurso. Mas não. Pelo contrário, até os Doze mais próximos são postos à vontade: «Também vós quereis ir embora?»(Jo 6, 67).

 

  1. Isto significa que Jesus, que veio para todos, não Se importa de ficar só. O que Ele não troca é a verdade pelos aplausos. Será que, vinte séculos depois, aprendemos a lição? Será que estamos dispostos a pensar pela cabeça de Jesus? Aliás, nós somos membros de um corpo de que Ele é a cabeça (cf. 1Cor 12). E é suposto que seja a cabeça a comandar o resto do corpo; não é o resto do corpo que há-de comandar a cabeça.

Eis a opção que está, permanentemente, à nossa frente. Afinal, queremos um Cristianismo (verdadeiramente) cristão ou contentamo-nos com um Cristianismo diluído nas opiniões da época e dos interesses de cada momento? No fundo, a Liturgia deste 21º Domingo do Tempo Comum fala-nos de opções, da importância das opções. Tal como viver, crer também é optar. Os textos da Eucaristia recordam-nos que a nossa existência pode ser desgastada por valores efémeros e estéreis. E alertam-nos que a mesma existência pode ser investida naqueles valores que nos conduzem à vida definitiva e à realização plena. Cada pessoa tem de fazer, em cada dia, a sua opção. Somos aquilo que escolhemos.

 

C. A Igreja não é cabeça de Cristo, Cristo é que é a cabeça da Igreja

 

5. Na Primeira Leitura, Josué convida as tribos de Israel, reunidas em Siquém, a escolherem entre «servir o Senhor» e servir entidades vistas como deuses. O Povo assume que quer «servir o Senhor». A história da libertação do Egipto mostra como só Deus é capaz de proporcionar ao seu Povo a vida, a liberdade, o bem-estar e a paz. Por sua vez, o Evangelho coloca à nossa frente dois grupos de discípulos, com opções distintas diante da proposta de Jesus. Um grupo está preso pela lógica do mundo e prensado pelos bens materiais, pelo poder e pela ambição. O outro grupo mostra-se disponível para seguir Jesus, sabendo que só Jesus tem palavras de vida eterna (cf. Jo 6, 68).

Na Segunda Leitura, S. Paulo diz que a opção por Cristo tem consequências também na vida em família. Para o seguidor de Jesus, a família tem de ser como que a primeira Igreja, a Igreja doméstica, o lugar onde se manifestam os valores do Evangelho de Jesus. Com a sua união, com a sua comunhão de vida, com o seu amor, a família cristã é chamada a ser sinal — e poderoso reflexo — da união de Cristo com a Sua Igreja. Esta união de Cristo com a Igreja assenta numa base muito clara e muito sólida. É Cristo que conduz a Igreja, não é a Igreja que conduz Cristo. Cristo é a cabeça da Igreja, não é a Igreja que é a cabeça de Cristo.

 

  1. O primeiro grupo de discípulos configura uma Igreja que se arroga na presunção de se sobrepor a Cristo. Hoje, esta presunção mantém-se: pela contestação da verdade, pela distorção da mensagem e pela dissidência. Também hoje são muitos os que se afastam (cf. Jo 6, 66). O problema é que pode acontecer que muitos se afastem mantendo-se dentro. Ou seja, mantêm-se dentro da Igreja, mas afastam-se de Jesus. Fará algum sentido estar na Igreja sem estar com Jesus? É preciso perceber que a Igreja é o corpo de Jesus. Sem Jesus, a Igreja é um corpo decapitado, um corpo sem cabeça.

Cuidado, pois, muito cuidado com esta dissidência interna. Não podemos desfigurar Jesus Cristo. Ser cristão tem de ser apenas — e sempre — para seguir Jesus Cristo, para viver segundo Jesus Cristo. Um Cristianismo sem pão não sobrevive. Uma Igreja sem Eucaristia desfalece. Não se pode ser cristão sem Eucaristia. Não se pode ser cristão sem participar na celebração da Eucaristia e sem se mobilizar para a vivência da Eucaristia.

 

D. Nunca em contramão com Cristo

 

7. Os discípulos que contestam Jesus são a imagem de um Cristianismo que só olha para o imediato. Jesus desafia-os a ver mais longe. O que, agora, parece não ter sentido surgirá, um dia, carregado de sentido. Mas é preciso ir mais além da carne, do imediato. É fundamental olhar a vida — e a fé — de acordo com os critérios do Espírito (cf. Jo 6, 63). É no Espírito que entenderemos que a Carne de Cristo é alimento para a nossa carne. A nossa carne desfalece sem a Carne de Cristo. Só a Carne de Cristo fortalece. Assim sendo, precisamos de uns novos olhos, dos olhos da fé. São eles que nos fazem ver o invisível.

A adesão a Jesus não pode ser superficial, tem de ser total. Tem de envolver a totalidade da pessoa e a totalidade da vida. Ninguém é obrigado a ser cristão. Mas quem decide ser cristão é obrigado a viver segundo Cristo. Isto é elementar, mas, frequentemente, é esquecido. Jesus não força ninguém e não impede ninguém de sair. O que Ele exige é verdade, transparência e coerência.

 

  1. Quem diz que segue Jesus não pode ter uma vida que contrarie Jesus. Um cristão emcontramão com Cristo é a maior negação de Cristo. É por isso que Ele nos põe completamente à vontade: «Também vós quereis ir embora?»(Jo 6, 67). O tom parece de provocação, mas é uma questão de verdade. Do que se trata, afinal, é bem simples: quem quiser vir é bem-vindo, mas que venha para ser cristão a sério, a tempo inteiro.

Jesus não trabalha para a estatística. Ele quer chegar a todos, mas não a qualquer preço. E, para Jesus, é melhor o afastamento do que uma adesão equivoca, do que uma adesão a meias. É bom ter igrejas cheias, mas o decisivo é que as igrejas estejam cheias com gente cheia: com gente cheia de Deus, cheia de Evangelho, cheia de inquietação, cheia de vontade para a missão.

 

E. Jesus joga sempre limpo

 

9. Jesus não amortece as exigências. Jesus corre riscos. Ele antes quer perder seguidores do que alterar o caminho. É por isso que Ele não muda uma letra do Seu discurso nem altera um passo do Seu percurso.

Jesus joga limpo. Cada um de nós sabe com o que conta. Há que decidir. As alternativas são apenas duas: sim ou não, aceitação ou rejeição. O que não pode é haver um sim, com mas, talvez ou porém. Temos de ser claros com Jesus como Jesus é claro connosco.

 

  1. Simão despertou: «Para quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna»(Jo 6, 68). Ele percebeu que só Jesus é a vida, a verdade e o amor. Só Jesus é definitivo Só Jesus é felicidade e caminho felicitante.

Só em Jesus nos superamos. Só em Jesus crescemos. Não pode haver hesitações. Sigamos sempre Jesus!

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publicado às 18:20

UMA PASTORAL QUE NÃO FIQUE «À PORTA»

por Zulmiro Sarmento, em 18.08.15
 
  1. Um contacto que não passa da porta é, no mínimo, decepcionante.

É sintoma de que uns não estarão muito motivados para abrir. E é sinal de que outros não se sentem suficientemente acolhidos para poder entrar.

 

  1. Muitas vezes, a missão parece ficar-se pela porta.

É importante bater à porta. Mas é necessário ir mais além da porta, procurando convencer a que deixem abrir mais que a porta.

 

  1. Não é a porta que impede a aproximação.

Mas, só por si, é incapaz de gerar uma verdadeira proximidade.

 

  1. Por conseguinte, não basta ir até à porta. Nem tão-pouco basta sair de porta em porta.

Não basta sair de reunião para reunião, de proposta para proposta, sem qualquer concretização.

 

  1. Frequentemente, arriscamo-nos a ficar «à porta» das pessoas, não conseguindo «entrar» nos seus problemas e anseios.

É o que acontece quando a missão é imprecisa na linguagem e hesitante nas prioridades de acção.

 

  1. A missão não passa da «porta» quando o contacto com os homens não conduz ao encontro com Deus.

A missão não passa da «porta» quando há medo de falar directamente do Evangelho de Jesus. E quando prevalece o receio de agir em nome do Jesus do Evangelho.

 

  1. Precisamos, pois, de uma pastoral que entre a fundo na vida dos homens. E que ajude a entrar a fundo na vida com Deus.

É urgente uma pastoral que nos leve a aquecer a espiritualidade e a despertar para a caridade.

 

  1. Em suma, uma «pastoral da porta» tem de incluir uma «pastoral da mão» e não pode excluir uma «pastoral da mesa».

É imperioso que apareçam «mãos» para abrir «portas» que se mantêm fechadas. E para pôr pão nas mesas que permanecem vazias: o pão da Palavra, o pão da Eucaristia, o pão para as refeições.

 

  1. É pelas nossas mãos que, hoje em dia, Cristo quer continuar a entrar em muitas vidas (cf. Lc 10, 5).

É pelas nossas mãos que Ele quer que o Seu Pão alimente (cf. 1Cor 11, 26). E que muitos pães saciem (cf. Lc 9, 13).

 

  1. Cristo quer precisar das nossas «mãos» para abrir todas as «portas» e para servir a todas as «mesas».

Enfim, Ele conta connosco para «incendiar» todos os corações (cf. Lc 24, 32)!

 

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publicado às 13:09

Taizé: A oração, «participar e manter-se juntos na espera de Deus»

por Zulmiro Sarmento, em 17.08.15

 

 
Comunidade propõe ícone da misericórdia, uma "representação completamente nova"
O ícone da Misericórdia, uma representação completamente nova
Quando os irmãos de Taizé se levantam, assinalando o final da oração da noite de sexta-feira, há uma pequena corrida de dezenas de jovens para ocupar os lugares deixados vagos.
Segue-se o momento da adoração da cruz e muitos querem ser os primeiros. Ficarão depois horas na igreja, em oração.
“Dans nos obscurités, allume le feu qui ne s’éteint jamais...”, cantam ainda quatro mil vozes. “Nas nossas obscuridades, acende um fogo que não se apague nunca.” O ritmo é pausado, a melodia repete-se. Os cânticos meditativos “permitem a todos participar e manter-se juntos na espera de Deus”, lê-se num pequeno texto da comunidade sobre a oração comum.
Se a oração é o centro da vida da aldeia - três vezes por dia, os jovens que estão em Taizé são convocados pela torre sineira, a 100 metros da Igreja da Reconciliação –, a oração de sexta-feira à noite é um dos momentos centrais em Taizé. 
A pequena comunidade da Borgonha (França), que reúne monges católicos e de diferentes origens protestantes, organiza a vida na aldeia num ritmo semanal, como se cada Domingo fosse a celebração da Páscoa.
Entre sexta e domingo, reza-se actualizando o mistério central da fé cristã: a morte e a ressurreição de Jesus.
O rito da adoração da cruz é feito com o ícone da cruz, da tradição ortodoxa, pousado no chão, com os jovens prostrados sobre ele. Durante duas, três horas, sucedem-se os cânticos, com a igreja ainda cheia de jovens.
Sábado à noite, a oração celebra a luz pascal. Milhares de pequenas velas acendem-se para festejar a ressurreição de Jesus.
No domingo, a celebração da eucaristia, segundo o rito católico latino, mas com algumas fórmulas adaptadas ao espírito ecuménico de Taizé, conclui este ciclo.
Hoje à noite, em Taizé, ao carácter festivo que a festa da luz já tem, juntar-se-á um outro: este será o primeiro momento para celebrar os 100 anos do nascimento do irmão Roger e os 75 anos da sua chegada à aldeia.
Amanhã, com a participação de uma centena de responsáveis de igrejas cristãs e também de líderes muçulmanos, judeus, budistas e hindus, assinalam-se ainda os dez anos da morte do irmão Roger – precisamente a 16 de Agosto de 2005.
Para esse momento de memória e celebração, os irmãos da comunidade calculam que possam estar presentes umas sete mil pessoas na oração, que começa às 16h00 (15h00 em Lisboa).
Por essa razão, hoje à noite e amanhã à tarde, os tempos de oração decorrem ao ar livre, pois nem a vasta nave da Igreja da Reconciliação permite incluir tanta gente.
Para os tempos de reflexão e oração nos próximos meses, e durante 2016, a comunidade propõe três palavras centrais no pensamento e nos escritos do irmão Roger: alegria, simplicidade e misericórdia.
Por essa razão, um ícone da misericórdia foi colocado no altar da Igreja da Reconciliação e proposto como fonte de oração.
O ícone da misericórdia, uma representação completamente nova, mostra Jesus Cristo no centro, colocado de pé. Ao seu redor, uma faixa desdobra-se em seis cenas, que representam a parábola do bom samaritano: o ataque dos salteadores, o sacerdote e o levita que passam sem cuidar da vítima, o samaritano que chega e apoia o homem, levando-o depois para a estalagem. A última cena mostra a vítima, o bom samaritano e o estalajadeiro que partilham uma refeição.
Nas imagens da parábola, a vítima está representada com a mesma cor branca de Jesus e em algumas cenas a semelhança com momentos da paixão de Cristo é evidente.
A última cena, da refeição, remete para o ícone da Trindade, mostrando a harmonia restabelecida.
Num texto de apresentação do ícone, explica-se: “Se uma piedade que esquece o próximo, como a do levita e a do sacerdote que passam ao lado da vítima, é apenas uma forma de idolatria, o amor, a obra de caridade do bom Samaritano, é o que restaura a humanidade à imagem de Deus.”
Fonte: aqui
 
Veja AQUI muito mais sofre Taizé. Portugueses participantes, peregrinações cristãs, propostas, deputados e apelas do Papa, Taizé e a nova solidariedade.... E muito mais!

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publicado às 12:27

É POSSÍVEL «COMER» E «BEBER» CRISTO? (20º Domingo do Tempo Comum)

por Zulmiro Sarmento, em 16.08.15
 

A. Dar a carne é dar a vida

  1. O Pão de Deus — Pão vivo e Pão da Vida — é muito superior à nossa compreensão, mas não é inacessível à nossa disponibilidade. Neste sentido, o importante não é que compreendamos o seu significado. O importante é que estejamos disponíveis para nos alimentarmos com ele, e para nos deixamos transformar por ele.

Na Sua catequese eucarística, Jesus aparece uma vez mais a usar a fórmula de revelação «Eu sou», antes de concretizar que o «Seu Pão» é a «Sua carne», que Ele dará pela vida do mundo (cf. Jo 6, 51).

 

  1. Recordemos que a palavra «carne» designa a realidade física do homem, na sua estrutural debilidade. A fragilidade é o que mais corresponde à experiência que fazemos e à percepção que temos. Tony Blair reconheceu que «ser humano é ser frágil». Ao assumir que vai oferecer a «Sua carne» por nós, Jesus mostra que partilha da nossa fragilidade. Não paira à distância. Faz Seu o que é nosso.

Contudo, isto não é fácil de entender. Os judeus não entendem as palavras de Jesus (cf. Jo 6, 51). Quando Jesus Se apresenta como «Pão vivo descido do céu para dar a vida ao mundo», eles entenderam que Jesus pretendia ser uma espécie de «mestre de sabedoria» que trazia aos homens notícias de Deus. Só que, agora, Jesus usa o verbo «comer». Jesus convida a «comer» a Sua carne. O que significam as Suas palavras? Terão alguma conotação antropofágica? São, sem dúvida, palavras difíceis de entender sob qualquer ponto de vista.

 

B. A Eucaristia ajuda a compreender o incompreensível

 

3. A única perspectiva que nos faz compreender o que Jesus diz é uma perspectiva eucarística. A Eucaristia é a chave de toda a Teologia e de toda a vida cristã. É sobretudo na Eucaristia que sabemos o que se deve saber e o que importa fazer. Só que os judeus não podem — nem querem — entender.

Mas nem assim Jesus desiste. Jesus reitera a Sua afirmação e vai até mais longe. Ele não só vai dar a «comer» a Sua carne, mas vai também dar a beber o Seu sangue. Quem os aceitar recebe a vida definitiva, a vida eterna (cf. Jo 6, 53-54).

 

  1. Esta referência ao «sangue» coloca-nos no contexto da paixão e da morte. Pelo que dizer que Jesus é «carne» significa que Ele Se tornou pessoa como nós, assumindo a nossa condição de fraqueza, a que não falta sequer a própria morte. Concretizando, dizer que o pão que Ele há-de dar é a Sua «carne para a vida do mundo» significa que Jesus fez da Sua vida um dom, uma oferta, uma dádiva, uma entrega de amor por toda a humanidade. O ponto momento alto da entrega dessa vida é a morte na Cruz.

Aquela morte surge, assim, como a expressão máxima daquela vida. Na Cruz, manifesta-se, através da «carne» de Jesus, isto é, através da Sua realidade física, o Seu amor, o Seu dom, a Sua entrega.

 

C. Que significa «comer» e «beber»?

 

5. Por conseguinte, quem quiser seguir Jesus tem de «comer» e «beber». Ou seja, tem de «aderir», «acolher» e «assimilar» Jesus. O discípulo não tem de ser outro Jesus, porque não há outro Jesus. O cristão tem de procurar ser sempre Jesus.

O que Jesus está a pedir é que os Seus discípulos acolham e assimilem essa vida de amor, de dom, de entrega, que Ele mostrou na Sua pessoa, na Sua vida e na Sua morte. A Sua pessoa, a Sua vida e a Sua morte foram momentos de uma doação total, até à última gota de sangue. Quem se der assim, terá acesso à vida eterna, a uma vida plena, a uma vida feliz. Quem está com Jesus no tempo com Jesus estará por toda a eternidade.

 

  1. A Eucaristia celebra e actualiza esta doação na comunidade cristã e na vida dos crentes. O mesmo Jesus, que se doou até ao fim para lá de todos os limites, continua a oferecer-Se como alimento. Por isso, o discípulo que «come» e «bebe» a Sua «carne» e o Seu «sangue» compromete-se a dar a vida como Ele deu, como Ele sempre dá.

É por isso que as Eucaristias não se somam, mas integram-se. Muito pertinente era o saudoso D. António de Castro Xavier Monteiro quando perguntava aos cristãos: «Quantas vezes comungastes o Corpo de Cristo e quantas vezes vos transformastes no Corpo de Cristo?». Comungar Cristo tem de equivaler a transformarmo-nos em Cristo.

 

D. Transformemo-nos em Cristo

 

7. A Eucaristia tem uma celebração sacramentale há-de ter sempre uma celebração existencial. Quando termina a Missa, tem de começar a Missão. Somos chamados a transformarmo-nos em Cristo neste mundo para ajudarmos a transformar o mundo em Cristo.

Um dos efeitos do «comer a carne» e «beber o sangue» de Jesus é ficar em comunhão íntima com Jesus. O discípulo que adere a Jesus identifica-se com Ele e torna-se um com Ele (cf. Jo 6, 56). Outro efeito de «comer a carne» e «beber o sangue» de Jesus é o compromisso. Quem «come a carne» e «bebe o sangue» de Jesus tem de se comprometer com o projecto de Jesus: dar vida ao mundo, dar a vida pelo mundo. É por este caminho que se chega a essa vida plena e definitiva que Jesus veio propor aos homens. Do «comer a carne» e do «beber o sangue» de Jesus nasce uma nova humanidade, que vence a morte e vive para sempre (cf. Jo 6, 58). A Eucaristia, onde se «come a carne» e «bebe o sangue» é, assim, uma forma singularíssima de tornar presente, na vida dos crentes, a vida e o amor de Jesus.

 

  1. É aqui que se encontra o «senso cristão», que tantas vezes desperdiçamos. Com efeito, o cristão não é chamado a viver segundo o senso comum. S. Paulo alerta-nos para a nossa maneira de proceder e diz para não vivermos como «insensatos»(cf. Ef 5, 15). Ao apelar para sermos pessoas de senso, ele está seguramente a exortar para que vivamos segundo o senso de Cristo.

Não basta, pois, qualquer senso nem sequer o consenso. O importante é crescermos todos no senso de Cristo. É no senso de Cristo que aproveitaremos bem estes dias maus (cf. Ef 5, 16). Os tempos não ajudam muito, mas Cristo ajuda-nos sempre e em tudo. E é sobretudo nos dias maus que temos de ter uma conduta boa. Não tenhamos uma conduta má nos dias maus.

 

E. Embriaguemo-nos, mas não com vinho

 

9. S. Paulo apela: «Não vos embriagueis com vinho, que leva à vida desregrada, mas deixai-vos encher do Espírito»(Ef 5, 18). Não nos embriaguemos com vinho. Embriaguemo-nos, antes, de Espírito, que nos infunde a vida de Deus. Trata-se de uma vida que recebemos no dia do Baptismo e que deve encher os nossos corações.

  1. Paulo faz um convite à oração, ao louvor e à acção de graças ao Senhor. Não tenhamos medo de pedir, mas não nos esqueçamos de agradecer. A oração é importante para tudo: para pedir e também para agradecer. Há tanto para pedir sem dúvida. Mas há muito mais para agradecer. Quando o louvor é feito em comunidade, torna-se partilha e projecto comum na descoberta da vontade de Deus para o homem e para o mundo (cf. Ef 19-20).

 

  1. Quando sabemos agradecer os dons de Deus estamos no caminho da sabedoria, de que nos fala a Primeira Leitura. Ela surge-nos hipostasiada sob a forma de uma dona de casa, que convida para o banquete. Não descura nada: constrói uma «casa» com «sete colunas»(Prov 9, 1), pois o número sete é o número da plenitude, da perfeição. Prepara comida e vinho em abundância e põe a mesa (cf. Prov 9, 2). Depois, envia criadas para que levem a toda a cidade o convite para participar na festa (cf. Prov 9, 3).

Quem são os destinatários do convite feito pela «senhora Sabedoria»? São os «simples», chamados «inexperientes» e «insensatos» (cf. Prov 4-6). Não é preciso, portanto, ser muito dotado para chegar a Deus. É o próprio Deus que nos dota. O importante é estar aberto. E os simples, porque estão vazios de si, costumam mostrar uma abertura maior. Sejamos sempre simples e estejamos sempre atentos. O convite de Jesus não demora a chegar!

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publicado às 23:42

UMA DORMIÇÃO QUE PROVOCA UM GRANDE ABANÃO (Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria)

por Zulmiro Sarmento, em 15.08.15
 

A. Uma festa eminentemente pascal

  1. Belo — muito belo — é este dia. Grande — muito grande — é a festa que celebramos neste dia. Na Eucaristia, celebramos sempre a vitória da vida sobre a morte. Nesta Eucaristia, celebramos também o triunfo de alguém a quem nem a morte pôs fim à vida.

A solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria é uma festa eminentemente pascal. Hoje, de facto, celebramos a passagem de Maria da morte para a plenitude da vida. A Ressurreição de Maria é uma consequência da Ressurreição de Jesus e, ao mesmo tempo, desponta como prenúncio da nossa própria Ressurreição.

 

  1. A união entre mãe e filho encontra aqui a sua expressão máxima e a sua concretização suprema. Maria esteve unida a Jesus na morte. Como é que Jesus não haveria estar unido a Maria na Ressurreição? Maria acompanha Jesus até à morte. Jesus conduz Maria à Ressurreição. Jesus sobe para o Pai e faz subir Maria para o mesmo Pai. Jesus eleva-Se ao Céu. Maria é elevada ao Céu.

É a diferença, não apenas terminológica, entreascensão e assunção: ascensão é mais activa, assunção é mais passiva. Jesus sobe ao Céu pelas Suas próprias forças. Maria é elevada ao Céu na força de Seu Filho Jesus.

 

B. No tempo, caminhando para além do tempo

 

3. A Igreja sempre acreditou naquilo que o Papa Pio XII viria a formular a 1 de Novembro de 1950, na constituição apostólica «Munificentissimus Deus»: a Virgem Maria,«tendo terminado a Sua missão na terra, foi elevada, em corpo e alma, à glória do Céu».

Em apoio desta verdade de fé, o Santo Padre invoca o Livro do Génesis (cf. Gén 3, 15), destacando a vitória de Maria sobre o pecado e sobre a morte. A certeza desta vitória sobre a morte é reforçada por S. Paulo, na sua Primeira Carta aos Coríntios: «Então se cumprirá a palavra que está escrita [por Isaías 25, 8)]: “a morte foi engolida pela vitória”»(1Cor 15, 55).

 

  1. Como membro da Igreja — membro mais eminente porque mais santo —, Maria, na Sua assunção, indica o caminho à própria Igreja: a consumação no tempo futuro, na eternidade com Deus. Maria é a garantia de que a Igreja, que caminha no tempo, não se esgota no tempo. O caminho da Igreja só estará concluído além-tempo, na eternidade.

A Ressurreição de Maria surge, por conseguinte, como a certeza, neste mundo de incertezas, de que cada um de nós caminha para a glória plena, em que Ela já Se encontra. A assunção de Maria ao Céu, em corpo e alma, funciona, por isso, como a garantia de que o homem se salvará na totalidade. Também o nosso corpo ressuscitará. Também o nosso corpo será para Deus.

 

C. A vitória dos que costumam ser vencidos

 

5. O triunfo de Maria é o triunfo da Igreja. Não um triunfo sobre ninguém nem contra ninguém. O triunfo de Maria é o triunfo da Igreja com toda a humanidade. No fundo, o triunfo de Maria é o triunfo da humanidade: de uma humanidade redimida, de uma humanidade reconciliada, de uma humanidade aberta e acolhedora.

O triunfo desta humanidade é o triunfo da humildade. Maria mostra bem que só chega ao alto quem fica ao lado dos que estão em baixo. Só atinge as alturas quem se dispõe a descer às profundezas. Só alcança a luz quem não foge das sombras. É por isso que Maria agradece a Deus por ter olhado para a humildade da Sua serva (cf. Lc 1, 48). Ela reconhece, em linha com o Salmo 138, que Deus olha para quem é humilde (cf. Sal 138, 6).

 

  1. O triunfo de Maria não é, pois, o triunfo dos que costumam vencer. Pelo contrário, é o triunfo daqueles que costumam ser vencidos. Não espanta, portanto, que Maria veja a história ao contrário. Maria sabe que, para Deus, os vencidos são os vencedores e os pequenos é que são reconhecidos como grandes.

O triunfo de Maria é oferecido por Deus, que não sabe — nem quer — ser imparcial. Deus toma partido pelos oprimidos, pelos sofredores, pelos humildes. Deus está ao lado de quem é marginalizado e não de forma passiva. Como Maria canta no «Magnificat», Deus dispersa os soberbos, derruba os poderosos e esvazia de riqueza os ricos. Em contrapartida, o mesmo Deus enche de bens os que têm fome e eleva os humildes (cf. Lc 1, 51-53).

 

D. Adormecimento, não aniquilamento

 

7. Neste sentido, podemos — e devemos — olhar para a Assunção de Maria como um despertador da sonolência em que nos deixamos cair. É curioso notar que esta festa também é conhecida, sobretudo no oriente, como festa da «dormição». Mas trata-se de uma «dormição» que nos provoca um grande abanão. Maria desperta-nos quando «adormece». Aliás, ainda hoje se diz de alguém que morreu após uma vida santa que «adormeceu no Senhor».

Deste modo, uma vez mais verificamos como a fé oferece um sentido para a vida e não deixa de oferecer um sentido para a morte. A tradição cristã apresenta-nos a morte como um adormecimento, não como um aniquilamento ou destruição. Daí que o lugar onde repousam os defuntos tenha o nome de «cemitério», isto é, o «lugar onde se dorme» e não o «lugar onde se morre». Nós, crentes, olhamos para a morte como um «adormecimento» para este mundo transitório e como um «despertador» para o mundo definitivo.

 

  1. A este propósito, será interessante recordar que a«dormição» de Maria é uma das grandes festas das Igrejas Ortodoxas e das Igrejas Católicas Orientais. Trata-se de uma festa que, na maior parte dos casos, também se comemora neste dia 15 de Agosto. Isto significa que Maria também morreu. De resto e como perguntava Severo de Antioquia, se não tivesse morrido, como é que poderia ter ressuscitado? E, afinal, Jesus também morreu. Pelo que, para partilhar a Ressurreição de Cristo, Maria teve que primeiro compartilhar de Sua morte.

O certo é que, em 1997, S. João Paulo II afirmou que Maria experimentou a morte natural antes de ser elevada ao Céu. Como sabemos, o Novo Testamento é omisso nesta matéria, não nos oferecendo qualquer informação sobre as circunstâncias da morte de Maria. Este silêncio leva a supor que tal morte terá ocorrido de forma natural, mas num ambiente totalmente sobrenatural. S. Francisco de Sales defende que a morte de Maria constituiu um transporte de amor. Ele fala de uma morte «de amor, no amor e através do amor». Foi ao ponto de dizer que a Mãe de Deus morreu de amor por Seu Filho Jesus.

 

E. Do Céu, Ela continua a perfumar a terra

 

9. Já agora, é interessante notar que os nossos irmãos ortodoxos preparam a «dormição» de Maria com um jejum de 14 dias. Eles acreditam que o Seu corpo foi ressuscitado ao terceiro dia após a morte — depois de encontrarem o Seu túmulo vazio — e que ela foi corporalmente elevada aos céus numa antecipação da ressurreição universal dos mortos. 

Os católicos também acreditam que Maria primeiro morreu e depois foi elevada ao Céu. Algumas versões dizem que tudo aconteceu em Éfeso, na Casa da Virgem Maria. Outras versões, mais antigas, indicam que Maria morreu em Jerusalém. Consta que um dos apóstolos — pelos vistos, S. Tomé — não estava presente quando Maria morreu. Quando ele chegou, reabriram o túmulo e verificaram que estava vazio. Só restavam as mortalhas. Uma outra tradição afirma que Maria lançava do Céu a Sua cinta para S. Tomé como prova de que tinha ressuscitado .

 

  1. Embora tenha sido definida há relativamente pouco tempo,existem relatos muito antigos sobre a assunção de Maria ao Céu. A Igreja sempre interpretou o capítulo 12 do Apocalipse como fazendo referência à Assunção. A mais antiga narrativa que se conhece é o chamado  «Livro do Repouso de Maria». Também muito antigas são as diferentes tradições das chamadas «Narrativas da Dormição dos “Seis Livros”». A Assunção aparece igualmente no livro do «trânsito de Maria», de finais do século V.

É comum, em muitos lugares, a bênção de perfumes no dia da Festa da Dormição. E não há dúvida de que Maria continua a perfumar a nossa vida com bênçãos sem limite e graças sem fim. Do Céu, Ela continua a perfumar a terra. Deixemo-nos perfumar sobretudo pela vida do Filho de Maria. A alegria desta Mãe é que sigamos, cada vez mais, os passos de Seu Filho, Jesus!

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publicado às 23:45

O PÃO QUE REANIMA O DESANIMADO (19º Domingo do Tempo Comum)

por Zulmiro Sarmento, em 09.08.15
A. Quantas vezes já não dissemos «basta»?
  1. Quem não se sente retratado nos textos deste 19º Domingo do Tempo Comum? Quem não se reconhece no desânimo de Elias? E quem já não foi alvo de murmurações como Jesus? Desânimo e murmurações são, pois, o que nos acontece, são aquilo em que mais nos vemos envolvidos.

Tantas são as vezes, com efeito, em que desanimamos. Tantas são as vezes em que nos apetece desabafar como Elias: «Já chega!»; «Já basta!» (cf. 1Re 19, 4). Tantas são as vezes em que nos apetece deitar e adormecer com vontade de não mais acordar. Não falta até quem, à semelhança de Elias, deseje a morte, rogando a Deus que lhe tire a vida (cf. 1Re 19, 4).

 

  1. A Primeira Leitura apresenta-nos um Elias abatido, deprimido e dramaticamente solitário. Sente-se incompreendido e abandonado no meio da perseguição que se abate sobre ele. O profeta sente que falhou, que a sua missão está condenada ao fracasso e que a sua luta é inglória. Está com medo e com vontade de desistir de tudo.

Nada disto é surpresa para nós. Tudo isto faz parte daquilo a que estamos habituados. Mas tal como acontece connosco, porém, o profeta não quer morrer; o que ele quer é libertar-se do sofrimento. Penoso, porém, é quando se olha para a morte como única saída do sofrimento. O pedido que Elias faz a Deus, para que lhe dê a morte mostra que o profeta não está diminuído na sua humanidade. Mostra que ser profeta é ser humano, é ser, muitas vezes, tragicamente humano.

 

B. Quando o sofrimento está perto, Deus não está longe

 

3. Mas tal pedido acaba por revelar também que o profeta deprimido é alguém de quem Deus está próximo. Se Deus está sempre connosco, diria que Ele faz questão de estar ainda mais perto nas horas más, nas horas de provação. E é quando parece que está mais ausente que Ele está efectivamente mais presente.

Quando o sofrimento está perto, Deus não está longe. Já dizia Guerra Junqueiro que «quem fraterniza com a dor, comunga com Deus». No fundo, a Primeira Leitura não apresenta só o drama do profeta Elias. Apresenta também — e bastante — a presença solícita de Deus junto do profeta no seu momento dramático.

 

  1. Deus sinaliza a Sua solicitude oferecendo a Elias «pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água»(1Re 19, 6). É a certeza de que o profeta não está abandonado por Deus, mesmo quando é incompreendido e perseguido pelos homens. Isto significa que Deus está ao lado daqueles que chama. Dá-lhes alimento — e alento — para serem fiéis à missão, sobretudo em ambientes de adversidade e incerteza. Deus é a presença certa na hora incerta.

Deus não Se resigna ao desânimo. Deus reanima o desanimado, dando-lhe força para continuar a sua missão. Alentado pela força de Deus, o profeta levanta-se e caminha, durante «quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus, o Horeb»(1Re 19, 8).

 

C. Com Deus é difícil, sem Deus é insuportável

 

5. Esta referência aos «quarenta dias e quarenta noites» alude certamente à estadia de Moisés junto de Deus na montanha sagrada (cf. Ex 24,18). E também pode aludir ao percurso do Povo durante quarenta anos pelo deserto, até alcançar a Terra Prometida. A subida ao monte é, pois, um regresso às fontes, às origens de Israel como Povo de Deus.

Também hoje, só em Deus conseguiremos levantar-nos para continuar o caminho da vida. Com Deus, a vida continua a ser difícil. O problema é que, sem Deus, a vida torna-se, pura e simplesmente, insuportável. Deus não só nos dá o alimento como é o nosso permanente alento. Só com este alento teremos forças para caminhar.

 

  1. O Evangelho apresenta-nos Jesus como alimento, como alimento incomparável. Jesus não é mero pão para a vida, mas verdadeiro «Pão da vida»(Jo 6, 48). Jesus é o «Pão vivo que desceu do Céu»(Jo 6, 41. 50). Não se trata, pois, de um pão qualquer. Trata-se de um pão que oferece vida eterna.

Há, porém, quem não entenda e recuse e murmure. Há quem se alimente na vida, mas não queira alimentar a vida. O Evangelho anota a murmuração dos judeus a propósito das palavras de Jesus e descreve a controvérsia que se seguiu. Eles não aceitam que Jesus Se apresente como «o Pão que desceu do Céu». Eles conhecem a Sua família, a Sua terra e acham que Jesus não pode vir de Deus (cf. Jo 6, 41). Como se a terra não viesse também do Céu, como se a terra não estivesse destinada ao Céu.

 

D. Famintos sem fome?

 

7. Acontece que Jesus não entra por estas avenidas da discussão. Ele não discute a Sua origem divina. O que mais O preocupa é que os Seus ouvintes não estejam abertos. O que mais O preocupa é que os Seus ouvintes olhem para Ele não como Ele é, mas como eles são. Eles sabem que não são capazes de fazer o que Jesus faz. É pena que não estejam receptivos a que Jesus faça algo neles.

No fundo, eles não se apercebem de que Deus lhes oferece Jesus como o Pão para dar vida ao mundo. O problema é que os judeus estão demasiado instalados nas suas certezas. O problema é que eles cercados pelas suas seguranças. O problema é que eles olham para a religião como um sistema meramente ritualista, estéril e vazio, sem implicações na vida.

 

  1. O nosso mal é que, tal como os judeus de há dois mil anos, nos comportamos como famintos que nem sequer sentem fome nem necessidade de comer. O Pão está à nossa beira, o Pão está à nossa disposição. Não é preciso fazer qualquer despesa para ter acesso ao Pão. Basta ter vontade de ser alimentado. É pena que nos falte essa vontade. É pena que, muitas vezes, nos falte a vontade de acolher Jesus, «o Pão que desceu do Céu»(cf. Jo 6, 43-46).

O nosso mal é, tal como os judeus de há dois mil anos, não escutar Jesus. O nosso mal é estarmos muito «ego-centrados» e muito «ego-sentados». O nosso mal é estarmos instalados num esquema de orgulho e de auto-suficiência julgando que não precisamos de Deus.

 

E. O Pão que dá vida até para lá da morte

 

9. É tudo isto que entristece o Espírito Santo. É isto que nos leva a não reparar na marca que Ele imprimiu em nós (cf. Ef 4, 30). Acontece que, como recorda S. Paulo na Segunda Leitura, nós estamos marcados por Deus (cf. Ef 4, 30). É importante que essa marca se note. É fundamental que a marca do Seu Pão vivo se torne visível na nossa vida. Quem se dispõe a aceitar como Jesus como Pão vivo nunca lhe verá falta força na vida. Não esqueçamos que Jesus é, de facto, o Pão que sacia a nossa fome de vida. Nunca é demais recordar que a expressão «Eu sou» —presente em «Eu sou o Pão da vida»(Jo 6, 48) — é, na Bíblia, uma fórmula de revelação. Ela corresponde ao nome de Deus tal como aparece no Êxodo: «Eu só aquele que sou»(Ex 3,14).

Por conseguinte, ao dizer que é o Pão da vida, Jesus manifesta a Sua origem divina e a validade da proposta de vida que Ele nos traz. Deste modo, estar com Jesus é estar com Deus. Aderir a Jesus é aderir a Deus: quem acredita em Jesus possui, por isso, a vida eterna, isto é, a vida definitiva (cf. Jo 6, 47). Jesus é um pão diferente do pão antigo. Quem comeu o pão antigo, o maná, morreu (cf. Jo 6, 49). Quem come o novo Pão, que é Jesus, não morrerá. Até depois da morte, viverá. Decisivo, por isso, é acreditar em Jesus, é confiar em Jesus, é receber Jesus, é entregar toda a vida a Jesus.

 

  1. Sucede que a vida eterna não é só uma vida sem fim; é sobretudo uma vida cheia. Vida eterna é, pois, sinónimo de vida plena. E vida plena não é acrescentar anos à vida, mas acrescentar vida em cada ano. Olhando para o exemplo de Jesus, vida plena é uma vida doada, uma vida oferecida.

Jesus anuncia que vai dar a Sua «carne» (cf. Jo 6, 51). Não está, obviamente, a referir-se à Sua carne física. A «carne» de Jesus é a Sua pessoa, é a Sua vida. Jesus está sempre a dar-Se, está sempre a dar-Se-nos. Jesus dá-Se-nos todos os dias, em gestos concretos de amor, de bondade, de solicitude, de misericórdia. Na Sua dádiva, Jesus mostra como Deus é bom (cf. Sal 34, 8). Aliás, estamos sempre a provar e a ver como Deus é bom. Sejamos, nós também em cada dia, o eco da infinita bondade de Deus!

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publicado às 01:43

ONDE ESTÃO? ONDE ESTÃO? ONDE ESTÃO?

por Zulmiro Sarmento, em 07.08.15

Estado Islâmico executa 19 mulheres por recusarem relações sexuais

Um responsável curdo relata que o Estado Islâmico matou 19 mulheres, mantidas reféns na cidade iraquianade Mosul, por se terem recusado a ter relações sexuais com os jihadistas.Estado Islâmico executa 19 mulheres por recusarem relações sexuais

Segundo, Mimousini, porta-voz do Partido Democrático curdo, as execuções ocorreram no passado fim-de-semana, depois de o grupo de reféns se recusar a ter relações sexuais com os guerrilheiros.
A denúncia, à agência de notícias iraquiana, surge dias depois de uma responsável das Nações Unidas anunciar ter sido testemunha da circulação entre os membros do Estado Islâmico de uma "lista de preços" de crianças escravas na Sìria e no Iraque.
À Bloomberg,  Zainab Bangura, Representante Especial do secretário-geral da ONU para a Violência Sexual em Conflitos, relatou que as raparigas são "negociadas como barris de petróleo" e que por vezes são compradas para serem depois vendidas às famílias por milhares de dólares.
Neste mercado negro, as meninas entre um e nove anos de idade são as mais valiosas.
Zainab Bangura, responsável pela investigação do comércio sexual do Estado Islâmico, afirmou ainda que uma mulher pode ser comprada por seis homens diferentes.
Fonte: aqui


Diante desta barbárie, pergunto:
- Onde tão as feministas?
- Onde estão aqueles que tão aguerridamente se manifestaram contra a morte do leão Cecil?
- Onde estão os ecologistas?
- Onde estão os esquerdistas?
- Onde estão aqueles que (justamente) se batem contra o aborto?
- Onde estão os fundamentalistas?
- Só o Papa é que se bate contra a barbárie do Estado Islâmico???
Se deixamos de lutar, aqui e agora, contra todos os bárbaros atentados cometidos contra a dignidade  da pessoa humana, que andamos aqui a fazer?

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publicado às 12:45

ACIMA DOS PÃES, O PÃO (18º Domingo do Tempo Comum)

por Zulmiro Sarmento, em 02.08.15
 
A. A Palavra está unida ao Pão
  1. De novo, o Pão. Depois do milagre, a explicação. Afinal, ontem como hoje, o Pão está unido à Palavra. É que «nem só de pão vive o homem; mas de toda a palavra que sai da boca de Deus»(Mt 4, 4). A Palavra também alimenta e o Pão também ensina. É por isso que, já em Jesus, notamos que a Liturgia da Palavra é inseparável da Liturgia Eucarística.

Este 18º Domingo do Tempo Comum repete, no essencial, a mensagem do passado Domingo. Assegura-nos que Deus está empenhado em oferecer ao Seu povo o alimento que dá a vida eterna.

 

  1. Assim, a Primeira Leitura faz-se eco da preocupação de Deus em proporcionar ao Seu povo o alimento para a vida. No entanto, a intervenção de Deus não se limita a satisfazer a fome biológica. Pretende também — e acima de tudo — ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do seu egocentrismo colectivo e a tomar consciência de outros valores.

No Evangelho, Jesus vai mais longe. Não só oferece alimentos como Ele mesmo Se apresenta como o alimento. Jesus é, verdadeiramente, pão: o Pão da vida, o Pão para a (nossa) vida. Aos que O seguem, Jesus pede que O aceitem como Pão, isto é, que escutem a Sua mensagem e adiram à Sua proposta. Como corolário, a Segunda Leitura certifica-nos de que a adesão a Jesus implica deixar de ser homem velho para passar a ser homem novo. Aquele que acolhe Jesus como Pão passa a ser outra pessoa, passa a ter nova vida. O encontro com Cristo deve significar, para todos, uma mudança total. Nada pode ser como dantes.

 

B. O «outro lado» da realidade

 

3. O episódio que, hoje, o Evangelho nos transmite transporta-nos para o dia seguinte. Trata-se do dia seguinte à multiplicação dos pães e dos peixes. A multidão vai «à procura de Jesus»(Jo 6, 24). Eis o essencial de tudo: procurar Jesus, nunca desistir de procurar Jesus, nunca nos cansarmos de procurar Jesus. No nosso tempo, continua a haver muita gente que está à procura de Jesus.

É preciso pensar, por isso, no dia de hoje e no dia seguinte. O dia seguinte é um dia que não pode ser desperdiçado. Jesus espera-nos no dia seguinte. Jesus espera-nos no «outro lado». De facto, Jesus está à nossa espera «no outro lado do mar»(Jo 6, 25) e sobretudo «no outro lado» das nossas expectativas, no «outro lado» dos nossos interesses. Jesus é o «outro lado» da nossa vida: o melhor lado da nossa vida, o lado da verdade, o lado do bem, o lado da justiça, o lado do amor.

 

  1. Na manhã daquele «dia seguinte», a multidão que tinha sido alimentada pelos pães e pelos peixes conseguiu passar para o «outro lado do mar». Mas ainda não tinha conseguido passar totalmente para o «lado» de Jesus. Aquela gente ainda não tinha percebido quem era Jesus e até estava convencida do que Jesus não era. Aquela gente, afinal, procurava Jesus não por causa de Jesus, mas por causa de si.

Jesus faz notar que a multidão estava equivocada. Aquela gente estava com a pessoa certa, mas por razões erradas. A actividade de Jesus não é de natureza biológica, mas teológica. Mais do que encher o estômago, o que Jesus pretende é (pré)encher a vida. Levar os pães às pessoas é connosco, oferecer o Pão às pessoas é com Jesus.

 

C. Não um Jesus à nossa maneira, mas nós à maneira de Jesus

 

5. De que Pão se trata? Qual é o Pão que Jesus nos oferece? É o Pão do amor, da partilha e do serviço. É este Pão que faz nascer — e multiplicar — os outros pães. Acontece que a tentação do imediatismo não é de agora. Já naquele tempo, o entendimento fixava-se mais no significante que no significado. No nosso tempo, continuamos a não dar atenção ao significado de tantos significantes.

Também hoje nos ficamos pelas aparências e só nos lembramos de Jesus quando precisamos, ou seja, quando nos vemos aflitos. Falta perceber que Jesus não é apenas o último recurso. Jesus é, com toda a propriedade, o único percurso. Não basta, por isso, procurar Jesus, embora esse seja o primeiro — e decisivo — passo. Mas é fundamental fazer caminho com Jesus, aderindo à Sua proposta de vida.

 

  1. Não podemos procurar Jesus para resolver os nossos problemas. Devemos procurar Jesus para irmos mais além dos nossos problemas. Devemos procurar Jesus para seguir Jesus, para fazer nossa a vida de Jesus. Daí que Jesus nos deixe um aviso e que se pode entender do seguinte modo: é preciso conseguir não só o alimento para matar a fome dos pães para a vida, mas sobretudo o alimento que permita saciar a fome do Pão da Vida.

É necessário perceber que, mesmo perto de Jesus, podemos não entender o essencial sobre Jesus. Pode acontecer que, mesmo perto de Jesus, queiramos um Jesus à nossa maneira em vez de sermos nós a ser à maneira de Jesus. A multidão, ao preocupar-se apenas com a procura do alimento material, está a esquecer o fundamental: o alimento que dá a vida eterna. Tal alimento é o próprio Jesus (cf. Jo 6, 27).

 

D. Importante é «comer» Jesus

 

7. O que é preciso fazer, então, para receber esse alimento, para comer desse pão? Esta é a pergunta daquela multidão (cf. Jo 6, 28). A resposta é inequívoca: é preciso aderir a Jesus e ao Seu projecto (cf. Jo 6, 28). É que, no fundo, aquela multidão tinha beneficiado da acção de Jesus, mas mostrava que ainda não estava disposta a seguir Jesus. Não basta comer o Pão; é determinante deixarmo-nos transformar pelo Pão que comemos.

Todavia, os interlocutores de Jesus ainda não estão convencidos de que esse pão garanta a vida eterna. E dão até o exemplo dos seus antepassados, que comeram um pão vindo do céu — o maná — e, mesmo assim, morreram (cf. Jo 6, 31). Custa-lhes a aceitar que a vida eterna resulte do amor, do serviço, da partilha. O que é que garante que esse seja um caminho verdadeiro para a vida eterna (cf. Jo 6, 30)? Jesus afirma que o maná foi um dom de Deus para saciar a fome material do Seu povo. Só que o maná não é o pão que sacia a fome de vida eterna. O pão que sacia a fome de vida eterna é o próprio Jesus (cf. Jo 6, 32-33).

 

  1. Daqui resulta que o importante não são gestos espectaculares, que deslumbram e impressionam, mas não mudam nada. O importante é acolher a proposta que Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os dias. É em cada dia que somos alimentados pelo Pão da vida. O Pão da vida é Jesus.

De facto, «Eu sou o Pão da vida»(Jo 6, 35) é uma fórmula de revelação, ou seja, uma afirmação de identidade. Jesus é não só o portador do pão, mas o próprio pão. Só em Jesus saciamos a nossa fome. Ele é a resposta total para a pergunta total. Quem se alimenta de Jesus nunca mais terá fome nem sede (cf. Jo 6, 35). Alimentarmo-nos de Jesus implica escutar a Sua Palavra, acolher a Sua proposta, enfim, incorporar toda a Sua vida.

 

E. Ninguém envelhece quando está com Jesus

 

9. Tudo se transforma, por conseguinte, a partir de Jesus. Entende-se, pois, que S. Paulo nos convide a deixar a vida antiga e os esquemas do passado, para abraçarmos definitivamente a vida nova que Jesus veio propor. Para sinalizar esta mudança, Paulo recorre à linguagem do «homem velho» e do «homem novo». O «homem velho» é o homem que ainda não aderiu a Jesus Cristo. Trata-se de uma vida marcada pela mediocridade, pela futilidade (cf. Ef 4, 17), pela corrupção e pela submissão aos «desejos enganadores»(Ef 4, 22). Já o «homem novo» é o homem que encontra Jesus Cristo e que aderiu à Sua proposta. É alguém que vive na verdade, na justiça e na santidade verdadeiras (cf. Ef 4, 21.24).

O Baptismo é o sacramento da transformação do «homem velho» em «homem novo». O próprio rito do Baptismo sugere esta transformação: o imergir na água significa o morrer para a vida antiga de pecado; o emergir da água assinala o nascimento de um outro homem, purificado do egoísmo, do orgulho, do pecado.

 

  1. Sabemos, porém, que, apesar de renovados pelo Baptismo, continuamos a ceder ao «homem velho». Daí a necessidade de «uma segunda tábua de salvação depois do Baptismo». O Sacramento da Confissão é, como diziam os antigos, uma espécie de «Baptismo laborioso». Quem se confessa mostra que não desiste da renovação da sua vida.

O «homem novo» tem de ser alimentado todos os dias. A conversão não é só para uma vez. É para sempre!

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