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As mulheres chegaram demasiado tarde?

por Zulmiro Sarmento, em 15.02.15

 

 
Frei Bento Domingues O.P.

1. Na paisagem pós-religiosa da Europa não foi necessária nenhuma heroicidade para organizar, em Paris – e noutras cidades -, a grande procissão para defender a liberdade de expressão, mesmo acerca das religiões. Nas Filipinas, 6 milhões foram participar com o Papa Francisco na celebração da Eucaristia para rezar e resistir ao imenso sofrimento dos pobres de todos os continentes, a blasfémia contra o ser humano.

Estava a pensar nisto quando deparei com dois livros, que vinham ao encontro de alguns temas que me preocupam. O primeiro [1] é de um bispo, carregado de doutoramentos e coordenador nacional do serviço do episcopado francês, no tocante à pastoral, às novas crenças e às derivas sectárias. Ao observar o que aparece nos meios de comunicação contra o cristianismo e contra a Igreja católica e, por outro lado, a velocidades com que o ateísmo e um certo paganismo alargam a sua influência, não ficou parado: procurou responder a essas críticas, corrigir os erros tantas vezes repetidos, a partir “do coração” do cristianismo.

Para atingir esse objectivo, o autor enfrentou os debates que foram sempre fundamentais: a obediência e a via da autoridade opostas à razão e à sabedoria; o próprio facto da Revelação, as dificuldades que envolvem a Incarnação e o antropocentrismo, sobretudo, o problema crucial do sofrimento e da morte.

Pode parecer pretensioso abranger as questões do ateísmo e do paganismo, na sua fonte, no seu contexto e evolução, até às objecções contemporâneas – ainda que tradicionais – feitas ao cristianismo: as guerras de Religião, a Inquisição, as cruzadas, as torpezas de certos papas, a pedofilia. No entanto, para o diálogo que os agentes de pastoral devem cultivar, com a maioria de crentes e não crentes - não são todos filósofos e teólogos -, é um instrumento muito útil.

2. O outro livro [2] não pertence nem ao campo da teologia nem ao da filosofia, mas ao da sociologia da religião, escrito por um especialista em Ciências da Informação. Recolhe os estudos e as estatísticas que, segundo o título, exprimem uma Europa sem religião, num mundo religioso.

Um vasto inquérito estatístico sobre os efectivos religiosos, as crenças e as práticas, em França, na Europa Ocidental e na América do Norte, tende a confirmar uma hipótese muito evocada nos últimos tempos: o declínio do cristianismo (católico, ortodoxo e protestante) e, também, do judaísmo.

Não é muito fácil reconhecer e encarar este fenómeno e, mais difícil ainda, aceitar que o futuro não repete o passado, imaginar novos tipos de presença e de comportamento. Esta paisagem contrasta com outros dois universos religiosos mais vistosos, ainda que incomparáveis termo a termo, isto é, o islão de inspiração salafista e o protestantismo pentecostal, em parte situados nas periferias do mundo pós-religioso.

Estes factos não são o fim da religião. Em África, na América do Sul, no sul dos Estados Unidos, na Ásia e na Europa Oriental, seja de que ponto de vista for, a religião é uma componente do quotidiano.

Acerca da Europa, o autor não aceita a tese dos que, perante a complexidade do fenómeno religioso, em vez de falarem do seu declínio, analisam a sua recomposição. O que é inegável, por exemplo no catolicismo, é o facto expresso no que dizia, com uma certa graça, o Arcebispo de Lyon: quando ordeno dois padres por ano, enterro vinte. Padres das dioceses e das congregações religiosas são cada vez menos. As religiosas, sejam de clausura ou da vida activa, seguem o mesmo rumo.

Esta situação leva a posições conservadoras bastante ridículas. São poucos os celibatários candidatos a ser ordenados padres. Os poucos não chegam para as encomendas. Muitos dos padres que se casaram, sobretudo depois do Vaticano II, gostariam de continuar o ministério para que estavam preparados. Foi-lhes recusada essa possibilidade. Aqui, começaram as subtilezas: padres casados, não, mas não haveria, em princípio, objecção à ordenação de homens casados, os apóstolos não eram solteiros. Acontece que nunca ordenam os que o desejam. Ficavam as mulheres, entre as quais haveria certamente vocações para diferentes ministérios. Mas essas, nunca! Todo o esforço de papas, bispos e cardeais – e dos teólogos de serviço - esgota-se num rol de incompatibilidades. Uma das mais ridículas consiste em dizer que o padre, ou o bispo, preside à Eucaristia à imagem de Cristo. Ora, este é homem. Nem pensam que, nesta lógica absurda, estão a roubar Cristo às mulheres cristãs.

O resultado prático de tudo isto não é brilhante. As comunidades cristãs, comunidades sacramentais, têm direito à Eucaristia, o sacramento dos sacramentos. Prefere-se aceitar este gravíssimo deficit a olhar de frente a inadequação da teologia que leva a não fazer nada. Existem algumas mulheres pastoras, luteranas, calvinistas ou anglicanas e raras são as rabinas liberais e presbíteras católicas dissidentes.

Diz-se que são poucas e chegaram tarde. Será que para as mulheres católicas estão à espera da 25ª hora?

Público, 08.02.2015

- - - -
[1] Denis Lecompte, Au coeur des objections antichrétiennes, Cerf, 2013
[2] Jean-Pierre Bacot, Une Europe sans religion dans un monde religieux, Cerf, 2013

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publicado às 21:51

ATÉ UMA VELA NOS PODE FAZER COMPANHIA

por Zulmiro Sarmento, em 15.02.15
 

O ser humano é, consabidamente, um «animal social».

Apesar dos contratempos da convivência, temos um pavor enorme da solidão.

Georg Lichtenberg confidenciou: «O homem ama a companhia, mesmo que seja apenas a de uma vela que queima».

Às vezes, a companhia de certas pessoas faz-nos desejar a solidão.

Outras vezes, o peso da solidão faz-nos aspirar pela presença das pessoas.

Somos assim: sempre nómadas, eternamente insatisfeitos.

Só Deus nos satisfaz inteiramente!

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publicado às 21:22


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