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A. Não comecemos a desistir e nunca desistamos de começar
Após os desejos habituais, eis que nos preparamos para as amargas desilusões de sempre. À primeira vista, já nenhum ano parece ser novo. A própria palavra «novo» é bem antiga. Há quantos séculos não anda a humanidade a desenhar promessas de novidade?
O início de um ano sinaliza que a vida é um recomeço constante. Há 12 meses, também estávamos a começar um ano. Há 24 e há 36 meses, estávamos igualmente a começar outros anos. O que jamais podemos é desistir: não comecemos a desistir e nunca desistamos de começar.
B. Um dia para Jesus, um dia com Maria
3. Começamos cada ano com os ouvidos ainda a captar os ecos do Natal. E, na verdade, o Natal não «foi», o Natal «é», o Natal continua a ser. Em suma, o Natal nunca deixa de ser. É certo que, nos últimos dias, já teremos usado vezes sem conta a fórmula verbal «foi» na pergunta que mais fizemos e que mais nos fizeram: «Como foi o teu Natal?» ou «Como foi esseNatal?». Já António Gedeão escrevia que «tudo éfoi». Mas não é isso o que sucede com o Natal. O Natal é uma manhã sem ocaso, é um começo sem fim.
Assim sendo, o Natal continua no tempo. Hoje mesmo é a Oitava do Natal. Aliás e como acabamos de escutar, foi oito dias depois do Seu nascimento que o Menino recebeu o nome de Jesus (cf. Lc 2, 21). Daí que, durante muitos anos, este fosse também o dia da festa do Santíssimo Nome de Jesus. Entretanto, o Tempo Litúrgico do Natal não acaba nesta Oitava. Ele só termina com a festa do Baptismo do Senhor, que este ano ocorrerá a 11 de Janeiro. Mas, no fundo, é sempre tempo de Natal. O Natal está no tempo para que possa estar na vida, para que possa estar na nossa vida no tempo.
Hoje ocorre a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. Sendo Mãe de Cristo e sendo Cristo o Filho de Deus, os cristãos cedo perceberam que Maria era Mãe de Deus. Não era só Mãe do homem Jesus, mas Mãe do Filho de Deus que encarnou em Jesus. O Concílio de Éfeso oficializou esta doutrina em 431. S. Cirilo de Alexandria já tinha tornado tudo muito claro: «Se Nosso Senhor Jesus Cristo é Deus e se a Virgem Santa O deu à luz, então Ela tornou-Se a Mãe de Deus».
C. A paz tem um nome: Jesus
5. Foi por Maria que Jesus veio até nós. Será sempre com Maria que nós iremos até Jesus. Aquela que nos dá Jesus é sempre a melhor condutora para irmos ao encontro de Jesus. Façamos, portanto, como os pastores. Como os pastores, corramos (cf. Lc 2, 16). Procuremos ir depressa, sem demora, ao encontro de Jesus. O encontro com Jesus terá de ser sempre a prioridade da nossa vida e o centro da missão na vida.
Em Jesus, oferecido por Maria, encontramos o que mais procuramos para nós e o que mais desejamos para o mundo: a paz. Jesus não é apenas o portador da paz. Ele próprio é a paz hipostasiada. Aliás, é assim que o Messias é descrito por Miqueias: «Ele será a paz»(Miq 5, 5). Isaías apresenta o Menino «que nos nasceu» como o «príncipe da paz»(Is 9, 6). Por sua vez, os salmos apontam os tempos messiânicos como sendo marcados por uma grande paz (cf. Sal 72, 7).
É neste sentido que o Concílio Vaticano II recorda que a paz é muito mais do que a mera ausência de guerra. De resto, a ausência de guerra é, muitas vezes, ocupada com a preparação para a guerra. A paz é mais do que «pax», que, segundo os antigos romanos, resultava da negociação entre as partes desavindas. As partes continuavam desavindas, apenas não entravam em conflito. Semelhante é o conceito veiculado pelo grego «eirene». A paz, para os gregos da antiguidade, é uma tentativa de harmonia entre forças contrárias. As forças permanecem contrárias, unicamente não avançam para o combate.
D. Para estar no mundo, a paz tem de estar em cada pessoa
7. O hebraico «shalom» contém muito mais. A paz, aqui, é anterior a qualquer esforço humano. É um dom de Deus que faz o homem sentir-se completo, integral. É por isso que a paz só estará no mundo se estiver em cada pessoa que há no mundo. Antes da negociação, é fundamental pugnar pela conversão à paz. Jesus, no Sermão da Montanha, considera felizes os construtores da paz. Só eles serão «chamados filhos de Deus»(Mt 5, 9).
Importa perceber que o primeiro sinal de Deus é a paz. Quando Deus vem à terra em forma de criança, os enviados celestes entoam um cântico que diz tudo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra» (Lc 2, 14). A paz desponta, assim, como o grande indicador de que Deus já está entre nós.
Para 2015, o Papa Francisco propõe um tema que parece ultrapassado, mas que se mantém actual: «Não mais escravos, mas irmãos». Infelizmente, no nosso mundo, ainda há mais de 35 milhões de pessoas que vivem na escravatura. E nem Portugal está inteiramente limpo desta mancha, com os 1400 escravos que (sobre)vivem no nosso país. Como bem refere o Santo Padre, «a escravatura é uma terrível ferida aberta no corpo da sociedade contemporânea e uma chaga gravíssima na carne de Cristo! Para a combater eficazmente, tem de se reconhecer, acima de tudo, a inviolável dignidade de cada pessoa».
E. Antes de mais, importa atingir o zero
9. Afinal, ainda há aspectos onde nem sequer atingimos o «grau zero» de humanidade. Ainda há aspectos onde nos encontramos abaixo de zero. E abaixo de zero, tudo é negativo, tudo é negação. Como pode haver paz no mundo se no mundo não há justiça nem respeito pela dignidade humana? Temos, pois, um longo caminho a percorrer. Temos muito que fazer ou, como diria Sebastião da Gama, «temos muito que amar».
Diante dos que vaticinam o iminente fim da história, é importante começar com urgência uma história de re-humanização do mundo. Sim, porque a humanidade ainda consegue ser muito não-humana, muito desumana. Para re-humanizar o mundo, diria que duas são as coisas que têm de acabar já: a guerra e a fome. Consequentemente, duas têm de ser as coisas que importa assegurar desde já: paz para todose pão para cada um. Para re-humanizar cada pessoa que há no mundo, duas são também as coisas a que urge pôr fim: egoísmo e violência. E duas serão igualmente as coisas que é imperioso introduzir: solidariedade e educação.
Que haja, pois, vida nova no ano novo. Não é o ano novo que faz a vida nova. Só uma vida nova fará o ano novo. Só uma vida nova trará o tempo novo, o mundo novo!