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A Repetição do Natal sem Natal
Estavam os Santos a serem celebrados, os defuntos ainda recordados e o São Martinho sem dar ainda um ar da sua graça, e o Natal já entrava pela casa adentro com publicidade e panfletos, com promoções e sugestões para todos os gostos e manias. É a rotina de um tempo que se faz tempo sem tempo.
De certo, que em mais um ano, viveremos um Natal apenas para cumprir uma data, uma tradição. Será o cumprimento de um hábito, sem horizonte, de um costume carregado de egoísmo “fechado”, de uma atitude humana no consumo materialista e até para muitos que se dizem cristãos ou católicos, mais um Natal sem ou com pouco Deus.
É o ciclo vicioso da repetição das Boas Festas, do Feliz Natal, das Festas Felizes, dados quase mecanicamente como adereço ou acessório da quadra, porque faz parte, tem que se dizer para se ficar bonito, não vá alguém nos rotular de má educação. Vive-se pouco sente-se pouco, fala-se muito. É a época dos sentimentalismos temporários do silêncio,da emoção a curto prazo da paz e da amizade, do esforço da presença em família, para transparecer sem transparência, vezes sem conta, a compreensão, o perdão, o amor. Como jeito de aliviarmos a consciência e para que a mesma fique tranquila na quadra, lá metemos a mão ao bolso e partilhámos umas moedas, ou então, compramos uns produtos com o destino solidariedade.
É a rotineira visualização dos filmes natalícios, muitas vezes monótonos e até deprimentes. É o dizer novamente: “este ano nem cheira a natal”.
E é nesta atitude que somos enrolados para uma vivência de um Natal, baseado em frases feitas, numa linguagem poética, mágica e vaga, que olho para o Natal como algo envolvido numa espécie de nevoeiro, onde há mais social do que religioso, mais artístico do que familiar, mais individual do que comunitário. Uma festa anual, sem programa, numa repetição sem retorno, uma quadra para uso e consumo próprio.
Mesmo com a crise económica, com os cortes sem cortes, com os sacrifícios sem sacrifício ou com os apertos no cinto sem cinto e sem aperto, com a laicidade de mãos dadas com a secularização, acompanhada pela prima mais velha a descristianização, o certo é que nada parece fazer que o Natal entre em vias de extinção, ou até mesmo seja privatizado, porque haverá sempre um Pai Natal, uma Popota entre tantos outros, que se encarreguem de recordar-nos que é Natal. O Aniversariante da época, bem pode ficar esquecido.
Não estaremos a viver uma insistente manutenção de uma tradição, que grita num grito alarmante por uma renovação? Não estará o Natal dos adultos hoje, na sua generalidade cheio de fantasias e ornamentos sem sentido?Julgo não bastar a mesa farta e o excesso de prendas, é preciso ir mais além no Natal.
Mesmo assim, ainda acredito e quero acreditar que enquanto houver uma criança haverá Natal se soubermos transmitir, sem rodeios e sem vergonhas, o verdadeiro sentido da festa do Natal. No Natal só existe um único protagonista, o Menino Jesus. Só existe um único programa, que é a nossa atitude de sair de casa e ir ao encontro do outro, onde o melhor e o mais belo presente seja cada um como é. Evitemos a tentação da autosuficiência e da transformação da sociedade à nossa maneira, mas deixemos neste Natal a nossa marca, numa vivência do amor para que este regule as relações humanas e que estas sejam baseadas num amor sem fronteiras e sem medidas.
No entanto, ainda assim, a festa do Natal, é a mais universal, que possa existir, uma festa de crentes e não crentes. Custa-me a acreditar que exista alguém que fique indiferente a esta festa... Deste lado, ainda acredito na mudança, mesmo que ela tarde em chegar...
Rui Silva
(do jornal Baluarte da ilha de Sta Maria)