Como toda a gente sabe, os três reis magos ofereceram presentes ao Menino Jesus: ouro, incenso e mirra. Nossa Senhora e S. José agradeceram. Mas o Menino piscou os olhos com o brilho do ouro, começou a tossir com o cheiro do incenso; e não achou graça nenhuma à mirra. Os três reis, que se tinham ajoelhado, levantaram-se e foram-se embora pouco satisfeitos, porque o Menino os não tinha tratado com a consideração a que achavam que tinham direito.
Já eles iam longe, quando apareceu o quarto rei. Este rei vinha do Golfo Pérsico. No dia em que tinha visto a estrela que anunciava o nascimento do Messias, dispôs-se logo a partir. Foi à câmara subterrânea onde guardava os seus tesouros, abriu um cofre e retirou aquilo que tinha de mais valioso, três pérolas muito grandes e muito brancas. Mandou ajaezar o seu camelo mais forte e partiu na direcção da estrela.
Alguns dias depois, viu o presépio, mesmo por debaixo da estrela. O pior é que chegava atrasado, os reis seus colegas até já se tinham ido embora. E, pior ainda, já não tinha presentes…
Mesmo assim, abriu devagarinho a porta da cabana. Lá estavam, o Menino, sua Mãe e S.José. Começava a ficar escuro. S. José ajeitava a palha para se deitarem. O Menino Jesus estava ao colo de Maria, que o embalava, cantando em surdina uma canção.
O rei do Golfo Pérsico entrou a medo, e ajoelhou aos pés do Menino e de sua Mãe. Com ar envergonhado, começou a falar:
«Senhor, cheguei atrasado. Vejo que os meus colegas já Te prestaram as suas homenagens, já Te ofereceram os seus presentes, e já partiram.
Eu também Te trazia uma prenda: eram três pérolas muito grandes e muito bonitas, três pérolas verdadeiras, do mar do Golfo Pérsico.
Peço muita desculpa. Sabia que os outros reis vinham à minha frente, e tinha a certeza de que os ia apanhar. Mas entrei numa estalagem para jantar. Bebi um bocadinho de mais e apeteceu-me ficar lá nessa noite. Mas ao sair da sala de jantar, vi um velho estendido no chão ao pé da lareira e a tremer de febre. Ninguém sabia quem ele era, não tinha dinheiro e iam pô-lo na rua.
Senhor, era um velho muito velho, magro e macilento, com uma barba branca mal tratada. Fez-me lembrar o meu pai. Senhor, desculpa-me: peguei numa das três pérolas que eram para ti e dei-a ao dono da estalagem para que chamasse um médico, desse comida e alojamento ao velho, e o enterrasse de maneira digna se ele não resistisse à doença e morresse.No dia seguinte, retomei o caminho. Batia no meu camelo para ver se ele andava mais depressa e alcançava os meus amigos. Mas ao passar num desfiladeiro ouvi gritos. Eram salteadores que queriam fazer mal a uma rapariga. Eram muitos e eu não tinha possibilidade de os atacar e vencer. Gritei-lhes que lhes dava uma pérola muito grande se soltassem a rapariga. Quando viram a pérola, disseram logo que sim. Deixaram a rapariga , que fugiu a correr para os montes. E eu dei-lhes a pérola, que era para ti. Desculpa-me!
Já só tinha uma pérola, mas essa não a queria perder. Já passava do meio-dia, e eu obrigava o meu camelo a andar cada vez mais depressa. Passei então por uma aldeia. Estava cheia de soldados de Herodes, que procuravam os meninos de menos de dois anos e os matavam à espada. Já só restava um e iam deitá-lo a uma fogueira. A mãe da criança gritava e chorava, como se a estivessem a matar a ela. Senhor, desculpa-me, peguei na última pérola e dei-a aos soldados para que entregassem o miúdo à mãe. Eles aceitaram. A mulher nem me agradeceu. Pegou no filho, vivo, e fugiu a correr muito.
Senhor, já não tenho pérola nenhuma. Desculpa-me!»
O rei calou-se. Não se ouvia zumbir uma mosca. Prostrado no chão, ousou finalmente levantar a cabeça. S. José tinha acabado de ajeitar a palha e aproximava-se. Maria olhava fixamente para Jesus, ao seu colo. E o Menino, será que estava a dormir?
Não. O Menino Jesus não estava a dormir. Voltou a cabeça para o rei do Golfo Pérsico. Tinha um ar muito contente. Estendeu as mãozinhas para as mãos vazias do rei. E sorriu-lhe.
JOANNES JOERGENSEN, in Contes de Noël, Éd.du Seuil,1961. (Adaptação)