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De vez em quando, alguns cristãos que raramente vão à missa (ainda não percebi como é que se pode ser cristão sem frequência dos sacramentos, sobretudo da eucaristia dominical), lá vão deixando escapar: «eu até ia à missa, mas aquilo também é sempre a mesma coisa, a missa é uma seca». Até os pais que têm os filhos na catequese, quando questionados sobre o escândalo que é andar na catequese e não ir à missa - eu digo mesmo escândalo, porque catequese que não chega à missa do Domingo e à comunidade é uma aberração, é uma catequese incoerente e sem sentido, é uma catequese de pernas para o ar - lá vão dizendo também: «O meu filho diz que a missa é uma seca». Não é o filho que diz. De certeza que já o ouviu muitas vezes aos pais e no seu grupo de amigos e até da boca de muitas pessoas que se dizem cem por cento católicas.
Confesso que tudo isto me mete impressão e até certo ponto deixa-me atónito. É um sacrilégio dizermos uma coisa destas! Como é possível que a celebração do maior acontecimento da vida de Jesus Cristo, logo também dos cristãos, que trouxe libertação, paz e reconciliação à vida de todos e do mundo, seja visto como uma seca? Como é possível que a atualização do maior gesto de amor que jamais alguém teve pelos outros e pela humanidade seja encarado quase como insignificante e merecedor de desprezo? Como é possível que cristãos que receberam o batismo e aprofundaram a sua fé na catequese (será que sim?) não tenham gosto em estar com Jesus Cristo na Eucaristia e não tenham gosto de se encontrar uns com os outros, à volta daquele que é a fonte da vida? Como é possível?
Na verdade, este pobre e triste desabafo de muitos cristãos põe a nu, mais uma vez, a falta de formação, a falta de maturidade e a falta de espiritualidade de muitos cristãos, que nunca, possivelmente, na sua vida entenderam uma missa, que muito provavelmente foram «obrigados a ir à missa», mas nunca entraram na beleza do seu mistério. Temos assim muitos cristãos. A missa acaba por sofrer com alguns defeitos deste tempo: ausência de vida interior e de espiritualidade, falta de oração e de contemplação na vida das pessoas, dificuldade em fazer e viver o silêncio, pouca reflexão, falta de atenção e de concentração, indisciplina mental, tédio pelo excesso de oferta, afastamento da linguagem simbólica. Para além disto, temos depois as características deste tempo, que não deixam entrar na vivência da eucaristia: individualismo, que tolda e atrofia a capacidade de se viver para um ideal e de pensar e viver para os outros, para a comunidade; o hedonismo, que confunde alegria e festa e até celebração só com euforia, prazer, sensação e diversão; a valorização excessiva do movimento, que vai convencendo tudo e todos que só aquilo que põe as pessoas aos pulos e aos gritos é que tem graça, sendo até «original» e «inovador», sendo o seu contrário uma «seca» ou cinzentismo. Enfim, a textura da suave superficialidade que vai reinando um pouco na vida de todos.
Saberão muitos cristãos o que vão fazer à missa? A eucaristia é o sacramento central da vida dos cristãos e da vida da Igreja. Como diz o Vaticano II, ela é o cume e a fonte da vida da Igreja: é dela que parte e nasce a vida do cristão e da Igreja e é para chegar a ela que tudo se faz e desenvolve. Foi instituída por Jesus Cristo (não somos nós os donos e os protagonistas da eucaristia) para celebrarmos o principal acontecimento da sua vida, o seu sacrifício na cruz e a sua ressurreição, e para Ele mesmo se encontrar e alimentar, fortalecer e constituir a sua Igreja. Em ordem a isto, está organizada em duas partes, em duas mesas, de que somos os felizes convidados: liturgia da palavra, em que nos é servido o pão da Palavra de Deus, para ser escutada, ruminada e vivida por todos, e a liturgia eucarística, parte em que se atualiza o sacrífico e a entrega de jesus a Deus Pai na cruz, ao qual nos unimos com a nossa vida, o nosso ofertório, e em que damos graças a Deus e apresentamos a Deus as necessidades da Igreja e do mundo, atingindo esta parte o seu ponto culminante na comunhão, momento em que a Igreja é unida a Cristo e constituída como seu corpo e se torna povo de Deus. Repare-se no que celebramos em cada eucaristia!
Muitos cristãos argumentarão que até têm consciência dos grandes momentos e dos grandes acontecimentos da Eucaristia, mas que fica sempre a sensação que é sempre a mesma coisa. Não é, meus amigos. Em cada eucaristia é-nos servida uma palavra sempre diferente, sempre nova e interpeladora, e cada eucaristia é sempre um novo encontro e uma nova ação de Cristo em nós. Se calhar, muito provavelmente, o problema está em nós, que não vivemos uma vida centrada em jesus Cristo e no seu Evangelho e vamos para a missa sem motivação, sem vontade em estar com Cristo e de receber dele para viver melhor e sem vontade para crescer e viver mais para Deus, para os outros e para Igreja. É verdade que ela se celebra sempre da mesma forma, mas não é sempre a mesma coisa. Nem tudo que se faz sempre da mesma maneira é uma seca. Se assim fosse, então temos de chegar à triste e desoladora constatação de que toda a nossa vida é uma seca: dormimos todos os dias na mesma cama, comemos todos os dias na mesma mesa, habitamos sempre na mesma casa, vamos todos os dias ao mesmo café, estudamos sempre na mesma escola, juntamo-nos sempre nas mesmas ruas e nos mesmos lugares, celebramos os anos sempre da mesma maneira, fazemos tanta coisa sempre da mesma maneira. E, no entanto, a nossa vida não é uma seca. Importa, sobretudo, é o sentido, a motivação e a finalidade que pomos naquilo que fazemos.
O arcebispo de Nova Iorque contava há dias: «Um homem contou-me, uma vez, sobre o seu jantar de domingo em família, a melhor parte da semana enquanto cresceu. A comida era ótima, porque a sua mãe cozinhava tão bem, e todos eram muito felizes, porque o pai estava sempre presente! Mesmo depois de casar e de ter os seus próprios filhos, todos iam a casa dos pais para aquele jantar de domingo. Quando os filhos ficaram um pouco mais velhos, perguntaram se "tinham de ir," porque às vezes achavam o jantar um bocado "chato". Sim, respondia, têm que ir, porque não vamos pela comida, mas por causa do amor, porque a mãe e o pai estão lá! Sentia uma angústia enquanto se lembrava que, conforme a mãe e o pai foram envelhecendo, a comida já não era assim tão boa e nem a companhia era tão agradável, mas ele nunca faltou, porque aquele acontecimento de domingo tinha uma enorme profundidade de sentido mesmo quando a mãe queimava a lasanha e o pai dormitava. E agora, concluiu, daria tudo para estar lá novamente, porque a mãe morreu e o pai está num lar. Por isso, ele e a sua mulher são agora os anfitriões e esperam ansiosamente que, um dia, os seus filhos tragam também os seus cônjuges e os seus próprios filhos para a sua mesa ao domingo. É que o valor daquele jantar de domingo não depende de quão boa é a comida; de quão caro é o vinho; de quão interessante é a conversa. Tudo isso ajuda, com certeza, mas é o acontecimento em si que tem o real valor».
Este homem diz-nos a todos como sabia sempre bem aquele encontro e aquele jantar sagrado, à volta do pai e da mãe. Que saudades sentia daquele jantar! Era sempre no mesmo dia e da mesma maneira, mas era sempre novo. Daria tudo para estar lá novamente, todos os Domingos, com o pai e a mãe. Como eram tão bons aqueles momentos familiares! Experimentavam e aprofundavam a alegria de serem família e de se terem uns aos outros. É até aqui que muitos cristãos ainda não chegaram.
Na celebração da eucaristia, celebramos a admirável obra de Jesus Cristo e o grande amor de Deus pela humanidade. Como celebração sagrada, ela tem de ser expressão do sagrado, do transcendente e da santidade de Deus. Não podemos ceder à tentação de a querermos domesticar como muito bem nos apetece, com invenções e improvisos tontos e com teatralidade para divertir, intoxicando-a com o ruído do mundo e com a nossa mediocridade. Ela não é nossa, é de Cristo e para ser sempre expressão da beleza e da grandeza do seu amor e da sua vida. No livro «Diálogos Sobre a Fé», o Cardeal Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, afirma: «A liturgia não é um show, um espetáculo que necessite de diretores geniais e de atores de talento. A liturgia não vive de surpresas simpáticas, de invenções cativantes, mas de repetições solenes. Não deve exprimir a atualidade e o seu efémero, mas o mistério do sagrado. Muitos pensaram e disseram que a liturgia deve ser feita por toda a comunidade para ser realmente sua. É um modo de ver que levou a avaliar o seu sucesso em termos de eficácia espetacular, de entretenimento. Desse modo, porém, terminou por dispersar o proprium litúrgico, que não deriva daquilo que nós fazemos, mas do facto de que acontece. Algo que nós todos juntos não podemos, de modo algum, fazer. Na liturgia age uma força, um poder que nem mesmo a Igreja inteira pode atribuir-se: o que nela se manifesta é o absolutamente Outro que, através da comunidade (que não é, portanto, dona, mas serva, mero instrumento), chega até nós.» Não é a eucaristia que é uma seca. Nós é que talvez andemos secos e acabamos por espalhar a nossa secura em tudo o que tocamos e vivemos.
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E a exclamação transcrita em epígrafe integra um quadro caricatural que o entrevistado viu em Espanha e que representa um padre desesperado, com as mãos na cabeça: “Que horror, temos um papa que acredita no Evangelho!”. A caricatura espelha bem a tensão existente entre a linha do Papa argentino, a da refontalização necessária da Igreja e aplicação das atitudes evangélicas aos tempos e homens de hoje nos diversos recantos do mundo, e a atitude conservadora da defesa de uma Igreja que acumulou pelos séculos todo um complexo de tesouros de coisas novas e velhas e que pretende tornar-se equipolente ao denominado “depósito da fé”.
O Papa quis e pediu que falassem claro, com liberdade e franqueza, na escuta daquilo que o Espírito tem a dizer à Igreja. E falaram os bispos, os cardeais, os peritos e os casais convidados. Produziram um relatório intercalar sobre os assuntos discutidos na primeira semana dos trabalhos do Sínodo.
Uns, agora, dizem que o relatório não corresponde à verdade; outros clamam que não reflete o pensamento e a posição do conjunto dos padres sinodais; outros levaram a mal o facto de o terem conhecido pela comunicação social (não apreciando a linha de transparência sinodal e vaticana); e outros ainda se queixam de que não foram tidas em conta as vozes dos tidos por mais conservadores. Por seu turno, o grupo de padres sinodais próximos de quem elaborou o relatório explica que se trata de um mero documento de trabalho, que tem em vista fazer o ponto de situação das matérias discutidas –relatio disceptationum (relatório dos debates) – ou dar conta do andamento dos trabalhos da assembleia do sínodo, muito longe de conclusões finais, faltando ainda percorrer metade do percurso sinodal. Do sínodo há de surgir um relatório final com sugestões de decisão para o Santo Padre considerar com inteira liberdade. Por outro lado, deve ter-se em conta que, a seguir a esta assembleia de 2014, outra está convocada para daqui a um ano, a qual se destina a aprofundar as matérias ora debatidas e a reexaminar nas igrejas locais, com base no aludido relatório final, e a oferecer a resposta doutrinal e pastoral aos problemas suscitados pelo mundo (que “é preciso ouvir”, senão “não nos ouvirá”) e assumidos no debate.
Ninguém, por menos habituado que esteja ao fenómeno, deve escandalizar-se com os momentos de tensão, mesmo quando o cardeal Müller, o Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, disser e tornar a dizer que o relatório é uma vergonha. Aquilo que os crentes devem aceitar é o produto final dos concílios e dos sínodos – depois de aceite e mandado publicar pelo Sumo Pontífice. Não é cada ponto de discussão nem a forma do debate que fará doutrina ou norma pastoral. Todos os concílios foram palco de acesas discussões e lugar de desemboco de grandes lições de teologia. Foi assim já no Concílio de Jerusalém, como se pode ler no livro dos primórdios da vida da Igreja nascente, o livro dos Atos dos Apóstolos (15,6-29).
Foi a grande assembleia dos líderes das comunidades cristãs, em Jerusalém, que discutiu a questão da necessidade de impor ou não a circuncisão aos cristãos de proveniência pagã. Quando o Evangelho foi anunciado aos não judeus e estes fizeram a sua opção de fé em Jesus Cristo e, depois de batizados, passavam a conviver com os cristãos de origem judaica, que eram circuncidados, surgia o problema da desigualdade de situações perante a Lei de Moisés. Alguns dos cristãos provenientes do judaísmo entendiam que os gentios que se tornassem cristãos precisavam da circuncisão. Por isso, se desencadeou a magna reunião de Jerusalém para decidir. Entre os presentes, são mencionados: Paulo, Barnabé, Tiago, Simão, os apóstolos e presbíteros.
A fórmula da declaração da decisão tomada é usada até hoje nas decisões conciliares: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós......” (cf. At 15,28): “De facto, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor nenhum outro peso, além destas coisas necessárias: que vos abstenhais das carnes imoladas aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e das uniões ilegítimas. Fareis bem preservando-vos destas coisas. Passai bem.” (At 15,23-29).
Ora, o Papa crê no Evangelho da misericórdia, e bem: “vai em paz e não tornes a pecar” (Jo 8,8); “a tua fé te salvou, vai em paz” (Mc 5,34; Lc 17,19); “em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes entrarão primeiro do que vós no reino de Deus” (Mt 21,31); haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não precisam arrepender-se (Lc 15,7). Mas este evangelho também nos dá conta de disputas elucidativas. Leia-se, por exemplo: Mt 18,1-5; Mc 9,33-37; Lc 7,36-50; 9,54;15,25-32; Jo 7,25-53. E o que é de aceitar é a conclusão formulada por Jesus ou sob a sua autoridade.
A pari, seria bom que os padres sinodais cressem, com o Papa, ao menos no Livro dos Atos dos Apóstolos, onde se veem sérias discussões, a presença da Mãe de Jesus, eleições, união, partilha de bens (por entrega direta aos apóstolos ou por coleta), ensino, oração, pregação, “Fração do Pão”, assistência às mesas, martírio e conclusões – tudo sob a assistência do Espírito. Por outro lado, o Livro dos Atos compendia a pregação de Pedro, que assume o essencial do quérigma, expande o anúncio da Boa Nova aos gentios, testemunha a unidade, a solidariedade e o martírio, bem como todo o furor missionário de Paulo e companheiros.
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Voltando a Adolfo Nicolás, cuja entrevista é um comentário ao decurso dos trabalhos sinodais, o conhecido como “papa negro”começa por assentir que o sínodo pode, segundo a intenção papal, ser lido como o cumprimento do Concílio Vaticano II: “Há muitas forças que se afastaram um pouco, distantes do modo de pensar das pessoas, e Francisco está ciente disso”. Por isso, “quer que o Concílio seja uma realidade e não haja mais esse para a frente e para trás (…), mas que a Igreja vá em frente, porque a humanidade vai em frente e não se pode esperar”. E assegura que, tal como o Pontíficecitou o Concílio duas vezes na homilia de abertura do Sínodo, também nas apresentações dos Padres sinodais recorrem as referências conciliares.
Assim, o jesuíta-mor acredita que se trata de um retorno muito sólido ao Concílio. E explicita o seu pensamento: fala-se da Igreja, de estarmos num mundo imperfeito, da luta das pessoas, dos problemas das famílias e dos matrimónios; e veem-se pastores preocupados com a situação real, não com ideias abstratas. A questão já não reside no modo de comunicar ou forçar as pessoas a seguir uma vida ou outra, mas como escutar.
Embora haja muitas resistências (ampliadas por boatos), parece que as situações mais problemáticas estarão a ser enquadradas em termos da lei da gradualidade, segundo a qual, “é preciso ser positivo e ver as coisas boas, mesmo que a forma não seja perfeita”, não se podendo buscar apenas o perfeito ou nada”. Pelos vistos, o Papa segue a linha inaciana do crescimento gradual, não repentino (“o mundo não é preto e branco”). Assim, embora não se tenha ouvido isto na aula sinodal, “é melhor um casal que se quer bem do que um casal em que não há amor, não há nada, mesmo que tenham sido completados todos os ritos da Igreja”. Nicolás conta que, no tempo em que estava na Ásia, “sempre ouvia repetir que, para a mentalidade ocidental, europeia, o perfectum é quando tudo é perfeito; ao invés, se houver um defeito qualquer, já não é bom, é malum”. E contrapõe que, “se há algo de bom que pode crescer, é preciso alimentá-lo, alimentar a vida em todos os campos”.
E abona a sua posição com a asserção do cardeal Martini, que poderia constituir um grande contributo para o sínodo – “a pergunta sobre se os divorciados podem fazer a comunhão deveria ser invertida:como a Igreja pode chegar a ajudá-los, com a força dos sacramentos?”.
Não pode continuar a suceder que se tire um remédio a quem mais dele precisa: quem chegou a divorciar-se terá sofrido dificuldades, sofrimentos… e depois recebe a marginalização.
E não é necessário mudar a doutrina: “o problema não é doutrinal, mas de acompanhamento”. Os nossos princípios vêm daquilo que Cristo proclamou. “No entanto, como alguns na Aula explicaram muito bem, sempre há um espaço para a interpretação, e esse espaço é pastoral. Os exegetas fazem um grande serviço à Igreja, mas disseram a sua palavra e estão um pouco exaustos. A questão continua sendo pastoral. Não se trata de redefinir nada, mas de encontrar uma linguagem, uma experiência diferente”.
O Papa vem advertindo: não carreguem sobre as costas das pessoas “pesos insuportáveis”(cf Mt 23,4). É preciso criar uma linha de maior abertura, flexibilidade: “não falar de princípios, mas encontrar a realidade, acompanhar as pessoas”. Estar à escuta do Espírito “é toda a vida inaciana”. A Inquisição não ficou contente com Santo Inácio de Loyola, “examinaram-no oito vezes”. Quem ouve o Espírito não está vinculado a normas dos homens. Os inquisidores “viam um homem livre”, o que não era bom. O Espírito sopra onde quer e quem ouve a sua voz, mas não sabe donde vem nem para onde vai (cf Jo 3,8). E isso dá uma enorme liberdade.
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Sabe-se agora que a assembleia, embora ainda marcada por perplexidades no seio dos círculos menores ou grupos linguísticos, concluiu revisão do relatório intercalar e vai publicar todas as propostas – que vão manter a dialética entre a linha da doutrina e encorajamento às famílias cristãs e apostólicas e a linha da misericórdia a aproximação às situações problemáticas, não assumíveis doutrinalmente, mas profundamente humanas. O cardeal arcebispo de Viena D. Christoph Schönborn disse que o Sínodo tem procurado “acompanhar” a história das pessoas no momento atual, seguindo as indicações do Papa: ‘não julgar, acompanhar’ a história da família”, uma forma de pensar que não é “relativismo”.
Embora o respeito pela pessoa não signifique aceitação de todos os comportamentos humanos, o arcebispo de Viena, mostrando-se “muito impressionado” pelo interesse mediático que esta assembleia sinodal provocou, defendeu a importância de “um alargamento da visão da família” e de ver o seu “papel fundamental”, para lá das “questões morais”. O Papa, segundo as palavras de Schönborn, não pediu para ver “tudo o que não funciona” na família, mas quis, “antes de tudo, mostrar a beleza e a necessidade vital da família”. Assim, convidou-nos a ter um olhar atento sobre a realidade”.
Por seu turno, o porta-voz do Vaticano, padre Lombardi, confessou aos jornalistas que a decisão de publicar as propostas dos diferentes grupos linguísticos revela “um caminho de abertura e transparência”. As ‘centenas’ de propostas e as mais de 260 intervenções nas sessões gerais, durante a primeira semana, levarão à publicação do chamado ‘relatório do Sínodo’, documento conclusivo da assembleia extraordinária convocada pelo Papa – documento cujo texto final dificilmente será conhecido ou publicado no sábado, mas que será objeto de reflexão nas Igrejas locais, com vista aos trabalhos do próximo sínodo dos bispos.
O diretor da sala de imprensa da Santa Sé revelou, ainda, que o Papa reforçou a equipa de redação deste relatório final com a nomeação do cardeal sul-africano D. Wilfrid Fox Napier e do arcebispo australiano D. Denis Hart. Estes juntam-se a outros seis responsáveis nomeados anteriormente pelo Papa – os cardeais Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, e Donald W. Wuerl, arcebispo de Washington (EUA); D. Victor Manuel Fernández, reitor da Pontifícia Universidade Católica da Argentina; D. Carlos Aguiar Retes, bispo de Tlalneplanta, no México, e presidente do CELAM – Conselho Episcopal Latino-Americano; D. Peter Kang U-Il, bispo de Cheju e presidente da Conferência Episcopal da Coreia; e o padre Adolfo Nicolás, prepósito-geral da Companhia de Jesus.
O Vaticano vai publicar ainda a tradicional mensagem final da assembleia sinodal, este sábado, da responsabilidade de outra equipa de redatores, após ter sido aprovada pelos participantes.
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Nada se oculta. Vêm à tona as perplexidades, as hesitações, os maus humores, a doutrina, tal como as esperanças, as misericórdias, a magnanimidade de Deus e a sua compaixão pelos dramas dos seus filhos – os pródigos e os “mais velhos”.
2014.10.16
Louro de Carvalho
O meu endereço é www.facebook.com/zulmiro.sarmento
Compromisso dos pais:
Hannah Arendt oferece-nos dez luzeiros em forma de vidas alentadoras para a nossa vida.
Uma dessas vidas é a do Papa João XXIII, que a filósofa judia descreve como sendo «um cristão no trono de S. Pedro».
Curiosa a reacção de uma criada de servir aquando da morte do Pontífice: «Minha senhora, este papa era um verdadeiro cristão. Como é que isso foi possível? Como pôde um verdadeiro cristão sentar-se no trono de S. Pedro? Ninguém se terá apercebido de quem ele era?»
Há, obviamente, um exagero e até alguma injustiça. Os papas dos últimos séculos mostraram ser cristãos de fibra, até à medula do seu ser.
Mas não deixa de ser sintomática a reacção de uma pessoa simples.
Na sua maneira de ver, alguém que irradiava o espírito de Cristo não teria grandes condições de ascender naquilo a que, impropriamente, se chamacarreira.
Sabemos que a bondade de João XXIII lhe trouxe não poucos dissabores. Às vezes, a incompreensão acendeu-se dentro da própria Igreja.
Não era em vão, porém, que um dos seus lemas era precisamente «sofrer e ser desprezado como Cristo».
João XXIII tornou-se uma figura querida porque assumiu, sem o menor constrangimento, o espírito de Jesus.
Para ele, todos, incluindo os ateus, eram filhos e irmãos. A justiça sempre o preocupou e mobilizou.
Conta-se que, um dia, terá perguntado a um trabalhador como ia a sua vida. Ele respondeu que ia mal. Então, o Papa garantiu que ia tratar do assunto.
Houve, no entanto, quem objectasse que, aumentando o salário aos trabalhadores, teria de haver um corte nas obras de caridade.
Resposta pronta do Pontífice: «Então é o que teremos de fazer. Porque a justiça está antes da caridade».
São estas atitudes que definem uma vida. E fazem com que as pessoas que as tomam brilhem. Mesmo nas sombras. Sobretudo nas sombras.
Faz hoje, 11 de Outubro, 52 anos que se iniciou em Roma o Concílio Ecuménico Vaticano II.
O Concílio decorreu em Roma (entre 1962 e 1965), mas parece que nunca terá chegado verdadeiramente até nós. Apercebemo-nos, seguramente, de alguns dos seus sinais (nomeadamente a Missa em português), mas creio que ainda não chegamos a penetrar no coração das suas propostas.
Sucede que o principal contributo do Vaticano II foi redespertar a nossa atenção para a centralidade de Deus e de Jesus Cristo. Reconduziu-nos, portanto, para as fontes da fé.
O Concílio Vaticano II descreve-nos a fé como umaresposta à proposta de Deus.
A Igreja, em primeira instância, não é uma organização dirigida por uma estrutura. Antes de mais e acima de tudo, a Igreja é a presença no tempo do mistério eterno de Deus, desvelado em Jesus Cristo.
É assim que a Igreja, na diversidade de tarefas realizadas pelos seus membros, é uma fraternidade de crentes e de discípulos. Não são um mundo à parte, mas uma parte do mundo. Partilham as suas tristezas e comungam das suas esperanças.
É a linguagem do mundo que a Igreja deve falar até porque é ao mundo que ela é chamada a dirigir-se.
Por conseguinte, a Igreja não está numa batalha contra o mundo. Ela tem de constituir uma presença solidária no mundo, alertando para as suas injustiças e não desistindo de o apoiar nos seus sonhos.
Daí que Karl Rahner tenha apontado o Concílio como um «novo começo». Precisamente porque ele procurou extrair toda a força que nos vem dos começos, dos tempos de Jesus e dos Apóstolos.
Sobre o Concílio Vaticano II, são muitos oscomentários, o que é bom, mas são poucos osestudos, o que é pena. Ambos são necessários, até porque se enriquecem mutuamente.
Para haver comentários, é mister haver estudos. Caso contrário, tudo arrisca a pairar sobre a espuma de umas aproximações fugidias, pouco consistentes.
O Concílio não entrou em choque com o passado. Não eliminou as heranças do passado (nem sequer a Missa em Latim, que pôde e pode continuar a ser celebrada).
Ao mesmo tempo, franqueou as portas ao presente e abriu as janelas ao futuro.
Já não é pouco. É bastante. É o bastante!
O Sínodo sobre a família começou em Roma, no Vaticano. O Papa Francisco fez a abertura com palavras duras e com apelos bem concretos ao debate, à escuta atenta do que diz o povo de Deus e a que se deixem conduzir pela voz de Deus, que na Igreja Católica se diz ser o Espírito Santo. Neste contexto alertou o Papa: "Podemos frustrar o sonho de Deus, se não nos deixarmos guiar pelo Espírito Santo. O Espírito dá-nos a sabedoria, que supera a ciência, para trabalharmos generosamente com verdadeira liberdade e humilde criatividade." (Papa Francisco durante a Missa que abre o Sínodo extraordinário do Sínodo dos Bispos, no Vaticano). Pediu o Papa para que ninguém "imponha fardos pesados a ninguém", que não se cale a voz de Deus nem muito menos que se deixe de escutar e ver os lamentos dos sofrimentos de tantos casais que desejam o restabelecimento da comunhão com Igreja e que lhes seja concedida a possibilidade de "acederem" à misericórdia de Deus. Para tudo o isto o Papa deseja debate sério e livre. Por aqui alguns consideram que o Papa Francisco trouxe "a liberdade de expressão" na Igreja Católica. Porém, fica esta ideia que circula no facebook que a expensas do Ministério da Justiça do Brasil sobre a liberdade de expressão: «Liberdade de expressão é o direito de manifestar livremente opiniões e ideias. Entretanto, o exercício dessa liberdade não deve afrontar o direito alheio, como a honra e a dignidade de uma pessoa ou determinado grupo. O discurso do ódio é uma manifestação preconceituosa contra minorias étnicas, sociais, religiosas e culturais, que gera conflitos com outros valores assegurados pela Constituição, como a dignidade da pessoa humana. O nosso limite é respeitar o direito do outro». Por fim, que todos nós retenhamos esta ideia essencial de Frei Miguel Grilo: «Estarão os que defendem o SIM preparados para aceitar o NÃO que sair deste Sínodo? E os que defendem o NÃO preparados para aceitar o SIM? Defender o seu interesse e ideologias pessoais é muito fácil... mas espero agora que no final sejamos todos capazes de abdicar dos nossos interesses e ideologias para aceitar aquilo que é a orientação da IGREJA». Rezemos pelo Papa Francisco. Nunca foi tão necessário como agora ter em conta esta intenção especial nas nossas orações, porque as investidas dos conservadores e tradicionalistas na Igreja nunca foram tão fortes contra o Papa como agora.
Na Igreja, como na natureza em tempo de Outono, assistimos a um cair das folhas e a um consequente desnudamento das árvores.
É uma espécie de certificado de dever cumprido e de trabalho concluído.
O caminho não passará apenas pela introdução do novo, mas, acima de tudo, pela renovação — e pelo rejuvenescimento — do que já cumpriu uma extensa trajectória e que, não obstante, pode encerrar surpresas e virtualidades.
À semelhança da natureza, a Igreja é chamada, pelo seu Senhor, a renovar-se instante a instante.
É a reforma perene de que falava o Concílio Vaticano II e cujas implicações jamais poderão ser subestimadas.
O tronco mantém-se, mas a folhagem tem de ser nova.
O conteúdo do anúncio será sempre o mesmo, os modos é que hão-de ser diferentes, já que as linguagens e os métodos terão de se submeter a um contínuo processo de revisão.
Precisamos, por conseguinte, de edificar umaIgreja autenticamente outonal, que se vá desapossando de tudo o que, tendo cumprido a sua função, já não é capaz de se adequar ao que, hoje em dia, se exige. E que muitos esperam.
Urge, de facto, deixar o que é relativo, datado, desajustado e acessório. Para que possa sobressair o… essencial.