A difícil arte de se explicar aos filhos que o país está em crise, logo não há dinheiro para grandes voos
Especialistas são unânimes: pais devem falar com os filhos sobre a crise numa linguagem simples, mas direta, o mais cedo possível.
A partir dos três anos, a criança começa a ter capacidade para perceber que não pode ter um brinquedo novo, embora não se lhe possa exigir que compreenda as razões que estão por trás dessa negação.
Rui Gomes, pai do João de cinco e formado em psicologia, adota uma postura de simplificação do problema: “Desde cedo que lhe digo “não” de uma forma muito firme para que entenda: primeiro não pode ter tudo o que quer, tem de saber conquistado. Os valores ensinam-se agora e não mais tarde. Se não houver esta atitude desde cedo, mais tarde tornar-se muito complicado explicar estas situações a um adolescente”.
Catarina Serafim, mãe de Carla de 17 anos, sentiu na pele o problema: “ Perdi o meu emprego e não era um emprego qualquer. Tinha funções de direção e o meu ordenado sempre foi muito acima da média. Como trabalhava muito acabei por compensar as minhas ausências com presentes para a Carla e foi muito complicado explicar-lhe toda a situação. Numa altura em que eu mais precisava de apoio, a minha filha virou-se contra mim, culpabilizando-me pelo fato de agora não poder comprar roupas novas, presentes para amigas, viagens…”
Mas afinal o que é uma linguagem direta? Não há segredos nem uma fórmula ideal para o fazer. Cada pai tem de encontrar a melhor linguagem para falar com o seu filho. Diana Lourenço, mãe de quatro entre os 7 e os 16 anos, por exemplo, adotou diferentes estratégias para todos eles: “ Hoje não posso falar da mesma forma como o fiz com o meu primogénito. Passaram-se 16 anos…muita coisa mudou. Por exemplo, hoje recorro à internet para explicar esta situação ao meu mais novo, porque sei que assim ele ouve-me melhor. Para o mais velho, ainda me lembro de estar a fazer desenhos com um porquinho mealheiro e a explicar que a mãe não tinha moedas para pôr no cofrezinho dele e ao mesmo tempo comprar um brinquedo novo. A vida é feita de opções!”.
Estando o Natal mesmo à porta, urge esta conversa entre miúdos e graúdos. A recente notícia veiculada pelo governo em que muitas famílias vão ficar sem subsídios de natal tem repercussões inevitáveis no sapatinho dos mais novos. Clara de 8 anos anuncia em voz alta: ”Este ano quem vai fazer o meu presente é o próprio Pai Natal. Ele não vai comprar nada feito, porque está mais pobre e nós temos de o ajudar, senão ele morre”. O cenário parece demasiado dramático para uma criança de tão tenra idade, mas não é para os seus pais que usufruem de pouco mais do que o ordenado mínimo e, quiçá, um deles pode ficar sem emprego no ano que vem.
Mentir não é alternativa e dizer que agora não é a melhor altura para se falar também não resolve, só adia um problema. Pior. Pode haver sentimentos de culpa por parte da criança e mesmo levar a situações de depressão. Mas vale enfrentar o problema e falar com abertura de conceitos como o significado do dinheiro e a importância da poupança.
Envolver a criança nos problemas da família e deixá-la ajudar nas poupanças é uma excelente solução, principalmente se lhe oferecer um mealheiro e começar a incutir-lhe responsabilidades, tal qual gente grande”.