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por ANSELMO BORGES 28 Maio 2011
Volto ao livro de Hans Küng, Ist die Kirche noch zu retten? (A Igreja ainda tem salvação?), para reflectir sobre a Igreja com futuro.
Ao contrário do que pensam e dizem os seus detractores, Küng, teólogo e pensador de renome mundial, é um católico convicto, que dedicou toda a sua vida a pensar a fé no confronto com a modernidade e a pós-modernidade e a reflectir sobre o diálogo inter-religioso e um ethos global, com contributos fundamentais nestes domínios. Para ele, de facto, a teologia tem de ser ecuménica, no sentido de referida à ecúmena, isto é, a toda a terra habitada, defendendo, assim, o paradigma de uma teologia ecuménica crítica, com dois pólos em correlação: o primeiro pólo é o nosso mundo presente de experiência em toda a sua ambiguidade, contingência e expectativas, e o segundo, a tradição judeo-cristã, fundada, em última instância, no Evangelho de Jesus.
Na actual situação da Igreja, há várias opções: abandoná-la, converter-se a outra, não entrar nela. Outra opção: comprometer-se de modo activo, na comunidade, em movimentos, na teologia, pela sua reforma. "Foi esta opção que escolhi para mim."
A sua visão da Igreja determina-se por três características: 1. Radicalidade cristã: a reforma da Igreja não se funda na adaptação ao Zeitgeist (espírito do tempo), mas na mensagem originária cristã. Todas as exigências de reforma têm aqui a sua raiz (de radix, donde procede também radical), apoiam-se na grande tradição católica e estão referidas às necessidades e esperanças dos homens e mulheres de hoje. 2. Constância: não se baseia em oportunismos nem em concessões à teologia da Cúria, mas atende aos impulsos fundamentais do Concílio Vaticano II e à eventual perspectiva de um novo Concílio. 3. Coerência: as diferentes questões, como o celibato, ordenação das mulheres, participação dos leigos, não podem ser vistas isoladamente, pois têm de ser inseridas num projecto eclesial coerente, que se concentra no Evangelho e tem em conta a mudança de paradigma: abandona a Idade Média, a contra-reforma e o anti-modernismo e abre-se à pós-modernidade.
Concretizando: 1. Não tem salvação uma Igreja voltada para o passado. Mas sobreviverá uma Igreja que "bebe na fonte cristã e se concentra nas tarefas do presente", aberta ao futuro.
2. Não tem salvação uma Igreja fixada patriarcalmente em imagens estereotipadas da mulher, linguagem exclusivamente masculina, papéis sexuais pré-definidos. Mas sobreviverá uma Igreja de companheirismo, que vincula instituição e carisma e "aceita mulheres em todos os cargos eclesiais".
3. Não tem salvação uma Igreja vencida pela arrogância institucional, exclusivismo confessional, negação da comunidade. Mas sobreviverá uma Igreja que seja "uma Igreja ecuménica aberta".
4. Não tem salvação uma Igreja eurocêntrica e que reclama que só ela tem a verdade, no quadro de um imperialismo romano. Mas sobreviverá uma Igreja "universal e tolerante, que respeita uma verdade sempre maior, que, portanto, procura aprender também com as outras religiões e deixa uma adequada autonomia às Igrejas nacionais, regionais e locais. E que, por isso, também é respeitada pelos homens e mulheres, cristãos e não cristãos". "Não abandonei a esperança de que a Igreja sobreviverá", conclui.
E em Portugal? Evidentemente, valem os mesmos princípios: fé esclarecida, prática da caridade e combate por uma sociedade justa, celebrações litúrgicas belas. São de saudar iniciativas recentemente tomadas, como a sondagem para saber o que a sociedade espera da Igreja. Que não haja receio de colocar então todas as perguntas, mesmo as incómodas. No recenseamento da prática dominical, que se pergunte também o que se pensa do clero, das liturgias, o que leva ao abandono da Igreja.
Nesta saudação, inclui-se a criação do Observatório Social da Igreja Católica, com o objectivo de pôr em rede as organizações sociais ligadas à Igreja. Que, sem partidarismos, se ouse também a crítica sócio-política, apresentando horizontes de esperança, orientações para um futuro melhor.
A liturgia deste domingo ensina-nos onde encontrar Deus. Garante-nos que Deus não Se revela na arrogância, no orgulho, na prepotência, mas sim na simplicidade, na humildade, na pobreza, na pequenez.
A primeira leitura apresenta-nos um enviado de Deus que vem ao encontro dos homens na pobreza, na humildade, na simplicidade; e é dessa forma que elimina os instrumentos de guerra e de morte e instaura a paz definitiva.
No Evangelho, Jesus louva o Pai porque a proposta de salvação que Deus faz aos homens (e que foi rejeitada pelos “sábios e inteligentes”) encontrou acolhimento no coração dos “pequeninos”. Os “grandes”, instalados no seu orgulho e auto-suficiência, não têm tempo nem disponibilidade para os desafios de Deus; mas os “pequenos”, na sua pobreza e simplicidade, estão sempre disponíveis para acolher a novidade libertadora de Deus.
Na segunda leitura, Paulo convida os crentes – comprometidos com Jesus desde o dia do Baptismo – a viverem “segundo o Espírito” e não “segundo a carne”. A vida “segundo a carne” é a vida daqueles que se instalam no egoísmo, orgulho e auto-suficiência; a vida “segundo o Espírito” é a vida daqueles que aceitam acolher as propostas de Deus.
Padres dehonianos
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Jornal PÚBLICO, Lisboa, 26 de junho de 2011 |
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1. Ao preparar uma intervenção para o Painel Ciência/Filosofia/Teologia: Que diálogo?, realizado na Covilhã, deparei com uma carta de Einstein (1879-1955), referida por Helen Dukas, a uma criança que lhe perguntara se os cientistas também rezavam. Já não me lembrava desse texto que passo a transcrever: “Respondo à tua pergunta do modo mais simples. Esta é a minha resposta. A pesquisa científica baseia-se sobre a ideia de que cada coisa que acontece é regulada pelas leis da natureza e isto vale, também, para as acções das pessoas. Por esta razão, um cientista será dificilmente inclinado a crer que um evento possa ser influenciado pela oração, por exemplo, por uma aspiração endereçada a um Ser supra-natural. Todavia, deve admitir-se que o nosso actual conhecimento destas leis é, apenas, imperfeito e fragmentário, assim sendo, realmente, a crença na existência de leis fundamentais e omnicompreensivas na natureza permanece, ela própria, como uma espécie de fé. Mas esta última é largamente justificada pelo sucesso da investigação científica. No entanto, de um outro ponto de vista, quem quer que esteja seriamente empenhado na pesquisa científica convence-se de que há muito espírito que se manifesta nas leis do Universo. Um espírito muito superior ao do homem, um espírito perante o qual, com as nossas modestas possibilidades, apenas podemos experimentar um sentido de humildade. Deste modo, a investigação científica conduz a um sentimento religioso de tipo especial que é, na verdade, bastante diferente da religiosidade de alguém mais ingénuo”. As atitudes e declarações de Einstein perante a religião e as religiões, perante a afirmação ou a negação de Deus, já foram objecto de muitos estudos que não vou discutir aqui. Nunca aceitou que lhe chamassem ateu. Se, umas vezes, confessava que o seu Deus era o de Espinosa, outras, mostrava a diferença entre eles. As expressões, “Deus não joga aos dados”, “não põe as suas coisas em praça pública”, “é subtil, mas não é malicioso”, serviam para afastar concepções antropomórficas, uma espécie, não confessada, de “teologia negativa”. Nada há, na carta de Einstein, da arrogância do “cientismo”, dessa convicção de que a ciência acabará por explicar tudo e eliminará qualquer atitude religiosa. O “Universo inundado de inteligência” é demasiado vasto e complexo para ser abordado só pela investigação científica. Einstein não conhecia, apenas, a linguagem da ciência, era também um intérprete da linguagem de Mozart. Segundo Novallis, a oração é na religião o que o pensamento é na filosofia. Não é uma ingeniudade. É a atitude humilde de quem acolhe e agradece, de quem confessa que não é a origem de todo o bem. Rezar é sair do egocentrismo e manter-se na luz do amor: “diz-me como rezas e dir-te-ei quem és”. 2. Importa, como diz o conhecido biólogo, Francisco J. Ayala, não confundir os caminhos da ciência e da religião: “a ciência procura descobrir e explicar os processos da natureza: o movimento dos planetas, a composição da matéria e do espaço, a origem e a função dos organismos. A religião trata do significado e propósito do universo e da vida, das relações apropriadas entre os humanos e o seu criador, dos valores morais que inspiram e guiam a vida humana. A ciência não tem nada a dizer sobre essas matérias, nem é assunto da religião oferecer explicações científicas para os fenómenos naturais. (…) O Deus da revelação e da fé cristã é um Deus de amor, misericórdia e sabedoria”. Para este biólogo, “a evolução e a fé religiosa não são incompatíveis. Os crentes podem ver a presença de Deus no poder criativo do processo de selecção natural de Darwin”. 3. Sendo assim, valerá a pena perguntar: Ciência/Filosofia/Teologia: Que diálogo? Já existe uma vasta bibliografia sobre essa questão. Muitos preconceitos e confusões podem ser desfeitas no confronto de praticantes destas diferentes disciplinas. Estamos num mundo marcado pelas ciências sem que as interrogações filosóficas tenham perdido toda a pertinência e sem que a teologia possa ser eliminada do interior da experiência religiosa. A dificuldade desse confronto é a abstracção, pois, a ciência, a filosofia e a teologia conjugam-se no plural, o que não é indiferente para um diálogo. Por outro lado, a selecção destas três formas de conhecimento deixa de fora o mundo da vida, das expressões simbólicas, da estética e da ética, intrínseco à religião e não só. Se não desejamos que uma sociedade viva polarizada, apenas, pelo confronto político-partidário, é importante desenvolver encontros e debates acerca da maneira como cientistas, filósofos, teólogos, artistas são configurados,não só pelas suas especialidades, mas também pelas especialidades dos outros. Ao reconhecerem a aliança entre a transcendência de Deus e a dignidade humana, os teólogos marcados pelas diferentes linguagens das ciências, da beleza e da ética, não poderão consentir na idolatria dos poderes da economia, da finança, da política, da religião, da técnica. Aliás, a experiência cristã situa-se no pressuposto da abertura do céu à terra, da terra ao céu e dos grupos humanos entre si, a nível local e global. Foi esta a experiência espiritual de Jesus Cristo e da Igreja do Pentecostes. Esta é, também, a nossa tarefa. |