Neste tempo de proximidade à Páscoa e perante as múltiplas ‘figuras’ – essa espécie de simbologia que diz e nos interroga – com que nos temos de nos confrontar…como que sentimos os vários rostos da vida numa denúncia e aferição às linguagens da Paixão de Cristo no hoje da nossa vida.
Anunciamos, apresentamos e enunciamos os seguintes rostos: angústia e agonia (Judas); traição e vergonha (Pedro); troça e provocação (Pilatos); força em fraqueza (Cireneu); compaixão... feminina (mulheres/Mãe); arrependimento... e perdão (condenados); serenidade…e silêncio (sepultamento).
* Em angústia pela agonia (Judas)
No contexto da agonia, no Jardim das Oliveiras, Judas representa todos quantos se insinuam para ser instrumento do mal: ele negoceia a ‘venda’ de Jesus, ele aceita o ‘preço’ pela entrega de Jesus, ele faz-se intermediário da vergonha em ser cúmplice para a morte de Jesus… ontem como hoje.
De facto, no Jardim das Oliveiras, Jesus sente a amargura dos desprezados, dos abandonados e dos esquecidos... A oração que Jesus faz a Deus, seu Pai, é de angústia, não por só si, mas sobretudo pela humanidade.
Com Jesus sentimos quantos nesta hora estão em agonia: no leito de dor e de sofrimento; os que estão ou se sentem abandonados; os que vivem sem a mínima dignidade… ao perto ou longe de nós.
Na traição de Judas sentimos a traição de tantos membros da Igreja, que não constroem a comunhão.
Na traição de Judas sentimos ainda a traição de quantos trocam os gestos de carinho por atitudes de malícia.
Na traição de Judas sentimos ainda mais a traição de tantos cristãos que se envergonham da sua fé!
* Em negação e vergonha (Pedro)
Pedro, sentindo o coração a bater pelo Mestre, segue-o à distância. Pedro introduz-se no pátio onde decorre o processo de Jesus. No entanto, Pedro é reconhecido como discípulo de Jesus, mas ele rejeita que o associem a Esse que está a ser julgado! Pedro nega Jesus, envergonhando-se d’Ele, não se assumindo como discípulo de Jesus.
A negação de Pedro surge, por isso, como um acto de negação do Mestre e até dos outros discípulos em dispersão...Mas o galo acorda-o! Então, Pedro chora. As lágrimas cruzam-se com o olhar de Jesus e exprimem o seu arrependimento.
Nas negações de Pedro estão representados todos os escândalos dos responsáveis da Igreja.
Nas negações de Pedro estão presentes os maus testemunhos que damos em Igreja.
Nas negações de Pedro e no seu arrependimento estão assumidos os pecados de toda a Igreja em caminho neste mundo.
* Diante da troça e pela provocação (Pilatos)
Jesus, no contexto do seu processo, como que serve de joguete entre as autoridades judaicas. Os soldados escarnecem d’Ele. O seu rosto está ensanguentado, as suas roupas são-lhe arrancadas, nas mãos colocam-lhe uma cana, na cabeça põem-lhe uma coroa de espinhos... E Jesus continua em silêncio como o «servo de Iavé», esperando a hora da prova final.
Jesus torna-se, de algum modo, o retrato de todas as situações de troça, sobretudo, as mais agravadas pela desumanidade da nossa história, tanto do passado, como do presente e até para o futuro.
Em Jesus podemos perceber um pouco o ar de troça com que tantos dos cristãos são tratados nos mais diferentes meios: sociais, políticos, profissionais e até religiosos. A troça continua a fazer vítimas à nossa volta…
Depois de ter sido feito o julgamento, segue-se o carregar a cruz, que se torna o lugar de execução da sentença. Eis o «homem das dores» com um passo seguro, carregando a cruz – sinal de martírio, símbolo da humanidade pecadora e força de salvação! Jesus abraça a cruz, fazendo dela um instrumento de entrega, de amor e de vida com sentido!
Jesus sente naquela cruz o sofrimento de quantos até Ele sofreram e depois d’Ele continuaram a sofrer!
A cruz de Jesus é sinal de mais amor, de mais vida, de mais entrega... ao Pai e a todos os homens até ao fim dos tempos.
A cruz de Jesus é força de salvação, hoje e para sempre.
* Da fraqueza que se faz força…de ajuda (Cireneu)
O peso da cruz é repartido, no caminho do Calvário, com Simão de Cirene, que regressa do seu trabalho, sendo, de algum modo, obrigado a tomar a cruz, ajudando Jesus a subir ao Calvário.
Simão Cireneu ajuda aquele condenado à morte, participando nos seus sofrimentos e carregando a sua cruz, torna-se um modelo para os discípulos de Jesus de todos os tempos.
No caminho do Calvário já não vai um condenado sozinho, mas alguém que o ampara, fortalece e anima. Em Simão Cireneu está simbolizada toda a ajuda aos mais fragilizados da nossa sociedade e da Igreja. Naquele rosto em ajuda podemos ver a força da compaixão de uns para com os outros…em voluntariado ou profissionalmente.
* Compaixão… feminina (mulheres/mãe)
No caminho do Calvário Jesus tem um novo encontro: umas mulheres choram e se lamentam por Ele. As lágrimas daquelas mulheres apresentam um misto de consolo e de compaixão. Aquelas mulheres de Jerusalém aproximam-se de Jesus com desejo de O consolar, levando àquele condenado... uma réstia de compaixão. No entanto, Jesus quer que olhem para Ele, sobretudo, como alguém que chama à conversão de vida pessoal e familiar.
A tradição coloca também Maria, a Mãe de Jesus – mulher das Dores, a compartilhar a dor de Se Filho: o coração de Mãe consola o Filho, fazendo-se presente às dores de todos os filhos de tantas mães que sofrem… hoje.
A força da caminhada de Jesus vem-Lhe da meta, sendo as várias etapas percorridas de olhos postos no projecto de salvação que Deus Pai Lhe confiou.
* Arrependimento pelo perdão… dado e recebido (condenados)
No diálogo da cruz, encontramos dois extremos sobre a compreensão do sofrimento, tipificado em cada um dos ‘malfeitores’: um revolta-se, reivindica e faz exigências; o outro reconhece-se culpado, arrepende-se e pede perdão… a si mesmo, aos outros e a Deus.
Nesta etapa da paixão de Jesus, vemos como é grande o mistério de Deus e o do homem, pois, ao reconhecer as suas limitações, o homem abre-se ao divino, enquanto Deus se faz atento ao arrependimento humano.
De facto, Deus torna-se próximo de quem se arrepende, apresentando-lhe a recompensa eterna e toda a força que se derrama de um coração disposto a deixar-se tocar pelo arrependimento sincero e humilde.
* Da serenidade… ao silêncio (sepultamento)
Na hora da morte física, Jesus invoca Deus seu Pai! A sua missão, de forma terrena, está prestes a terminar. Num acto de entrega total, Jesus abandona-se à condução de Deus seu Pai!
Ao contemplarmos Jesus na cruz, sentimos o progressivo desenrolar da Sua dádiva de amor, que vai ao máximo de nos dar o seu Espírito… suspirado sobre nós, na Cruz!
Deus fala-nos pela serenidade de Jesus, por Jesus e com Jesus! Agora sentimos que Jesus Se deu todo e para todos… e por toda a eternidade.
Efectivamente, consumado o drama da Paixão e da Morte de Jesus, está na hora de recolher tudo o que ficou daquela vivência… intensa e trágica.
No silêncio que se derrama sobre a Terra, está retractada a nossa consciência de pequenez e de abandono… como em Jesus.
- Agora vemos que os amigos influentes tentam resguardar o corpo de Jesus.
- As autoridades respiram de alívio e consentem nos desejos manifestados.
- As mulheres tratam de embalsamar o corpo morto de Jesus.
- Alguns discípulos depositam o corpo de Jesus num sepulcro novo.
- Os onze fogem e refugiam-se no cenáculo. Tudo parece ter acabado! Deus está em silêncio... profundo!
Pela paixão, morte e ressurreição de Jesus fazemos, hoje, a nossa caminhada de ressuscitados em Igreja, como Igreja e pela Igreja.
António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)
Agência ECCLESIA