Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]


A história da carochinha

por Zulmiro Sarmento, em 23.10.10

João César das Neves

 

11/Outubro/2010 (Diário de Notícias – OPINIÃO)

Era uma vez uma carochinha que um belo dia andava a varrer a casa e encontrou uma moeda nova. Bem, não era pro- priamente uma moeda, mas apenas um papelinho, chamado Tratado de Maastricht, que dizia que, se ela se portasse bem, um dia podia ter a moeda única. A carochinha ficou muito contente, vestiu o seu melhor vestido e pôs-se à janela a cantar:

- Quem quer casar com a carochinha, que é formosa e bonitinha?

Passou por ali naquela altura um leão, chamado Cavaco, que disse: "Quero eu! Quero eu!" Mas o leão rugia muito alto, e garantia que para ter uma moeda única era preciso trabalhar, ter competitividade e vencer o desafio europeu. A carochinha respondeu:

- Ai que voz essa? Com tanto barulho não me deixas dormir! Contigo é que não quero casar!

O leão foi-se embora, voltando para a sua universidade, e a carochinha tornou a cantar:

- Quem quer casar com a carochinha, que é formosa e bonitinha?

Passou então um pato chamado Guterres, que disse "Quero eu! Quero eu!" O pato Guterres tinha uma viola e cantava muito bem sobre diálogo, coração, paixão da educação e outras coisas lindas. Foi então que veio a notícia de que a carochinha tinha sido aceite na moeda nova, o euro. Ficaram os dois muito contentes e, como estavam mesmo a planear casar-se, o pato comprou um grande caldeirão.

Durante um tempo os dois pareciam muito felizes mas, como o caldeirão tinha um furo, o pato gastava cada vez mais dinheiro para o encher e começaram a endividar-se nas mercearias das redondezas. A dívida externa da carochinha, que era de 8% do PIB quando o pato chegou, já ia nos 50%. Então o pato fugiu. Diz-se que foi cantar para a ONU, e de vez em quando ainda se ouvem as suas músicas na televisão.

A pobre carochinha, com a moeda única e a dívida do caldeirão a subir, foi de novo pôr-se à janela à procura de marido, cantando a sua canção. Nessa altura passou por ali o coelho Barroso, muito saltitão, que disse "Quero eu! Quero eu!"

Quando viu a situação, o coelho Barroso achou que a carochinha estava de tanga e começou a rugir como o leão. Só que agora, como de qualquer maneira não conseguia dormir de aflição por causa da dívida, a carochinha lá se conformou com o barulho, desde que se fizesse alguma coisa para resolver o buraco no fundo do caldeirão.

O coelho até tinha bons planos, mas um belo dia passou por ali uma carochinha belga, muito bonita e muito rica. Ela e o coelho apaixonaram-se e fugiram juntos, deixando a carochinha outra vez sozinha com a moeda única e o caldeirão. E já voltou a pobre à janela e à sua canção.

Até que passou por ali o belo galo Santana, que cantava muito bem. Só que o pai da carochinha, que não gostava nada de galos, expulsou-o rapidamente e eles nem tiveram tempo de conversar.

Mais uma vez a pobre carochinha teve de regressar à sua janela e à sua canção, enquanto a dívida externa do caldeirão já ia nos 65% do PIB. Passou finalmente o José Ratão, que disse logo que resolvia tudo. Este não rugia, como o leão ou o coelho, nem cantava, como o pato ou o galo. O que ele fazia era falar. Falava, falava muito. Tinha imensas ideias excelentes. Dizia que a solução era o Simplex, as reformas da administração pública, Segurança Social e outras coisas, e até ia conseguir tirar do caldeirão grandes obras, como o TGV, aeroportos e auto-estradas, tudo em parcerias público-privadas baratíssimas.

A carochinha ficou apaixonada e decidiu casar-se depressa até porque, apesar da conversa do José, as coisas estavam cada vez pior. Não só a dívida já ia acima dos 100% do PIB, mas na aldeia falava-se de uma vizinha, a carochinha grega, também solteira e com um caldeirão ainda maior, a quem as mercearias já ameaçavam atirar ao lobo FMI. Mas o Ratão sossegou-a, garantindo que a culpa da situação era das agências de rating e que ele resolveria tudo com PEC. Só que, quando se debruçava no caldeirão para tapar o buraco com o terceiro PEC, caiu lá dentro.

Assim acaba a história da linda Carochinha que achou uma moeda e do seu José Ratão, que morreu cozido e assado no caldeirão

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:06


formar e informar

Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Outubro 2010

D S T Q Q S S
12
3456789
10111213141516
17181920212223
24252627282930
31



Arquivo

  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2016
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2015
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2014
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2013
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2012
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2011
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2010
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2009
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2008
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2007
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D