Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]


Sucedâneos!...

por Zulmiro Sarmento, em 20.07.10

A nossa experiência de vida mostra-nos à saciedade que há coisas sem as quais nós não conseguimos viver nem morrer felizes. Entre elas, a Fé, a Esperança e o Amor.
Se não cremos em Deus, arranjamos ídolos pessoais…ao nosso gosto, e adoramo-los…à nossa própria maneira. Se não confiamos em Deus, recorremos às bruxas ou aos astrólogos. Às vezes, na insegurança de uma fé mal esclarecida ou nunca fundamentada, acabamos até por ir a tudo: num dia cumprimos a promessa ao santo e no dia seguinte levamos um presente à bruxa.


Se não sabemos rezar ou a nossa fé não chega, fazemos em vez disso todos os gestos que sabemos, à espera de termos sorte: beijamos o chão do estádio, garatujamos uma cruz à pressa, beijamos a própria mão, rezamos com número certo, arranjamos uns santos especiais para nos protegerem de invejas e maus-olhados, e entramos em correntes imparáveis de orações e de mezinhas para que nos saia a sorte grande ou para que nada de ruim nos caia em cima.
Se não amamos ou não somos amados, entramos facilmente em depressão. Para substituir essa falta de amor, recorremos à comida, ao tabaco, à bebida, ao isolamento, à marginalidade, ou mesmo à droga.
Não querendo ou não sabendo rezar e meditar, recusando uma vivência religiosa séria que nos enche e nos sacia, e tendo uma necessidade imperiosa de silêncio e de paz, fazemos agora ioga e outras técnicas de concentração orientais para aquietarmos a nossa mente: mesmo pagando por isso…mesmo perdendo longas horas.
Como não vamos às celebrações religiosas nas igrejas, mas precisamos de estar e celebrar com os demais, corremos para as discotecas, para os estádios, para os supermercados e para os centros comerciais.
Quando algo de doloroso ou de difícil nos acontece, em vez de recebermos o conforto da família e acolhermos as palavras de Fé e de Esperança que a Igreja e os amigos nos oferecem, como era dantes, deixamo-nos agora consolar por uns psicólogos que não conhecemos, que nunca vimos, que nada sabem da nossa vida, que talvez nem tenham Fé, e que o Estado nos manda e põe à nossa beira, por tudo e por nada.
Não alimentando o nosso espírito com a oração e os sacramentos; então, tentamos preencher o vazio interior que daí nos fica, comprando, gastando e consumindo tudo o que podemos, até não podermos mais.
Desprezando os valores espirituais e abafando as carências das nossas almas - que não se vêem mas que são verdadeiras e nos perturbam - acabamos por dar toda a atenção ao corpo, frequentamos piscinas e ginásios onde gastamos longas horas e muitos euros, e até somos capazes dos maiores sacrifícios, em corridas e em dietas, para “estarmos bem connosco próprios”, como agora se diz.
Como abandonamos as igrejas e já não vamos escutar a Palavra de Deus nem celebrar os Sacramentos, levamos connosco o nome das coisas santas e aplicamo-lo às coisas profanas: aos estádios chamamos catedrais; às tribunas e estantes, púlpitos; e às entrevistas ou confidências, confessionários!
Se não cremos na eternidade, procuramos aproveitar esta vida o melhor que podemos, enquanto cá estamos, por vezes até sem regras e sem respeito pelos demais, o que se compreende.
Se nos falta marido, mulher ou filhos, arranjamos cães e gatos e outros bichos e damos aos animais carinhos e cuidados que só eram para crianças.
Se a nossa consciência nos acusa de coisa grave, e dormimos mal por causa disso, como deixamos de nos confessar, trocamos o confessor pelo psiquiatra, sem compreendermos que o psiquiatra só cura a ferida mas não tira a cicatriz.

Vem isto a propósito do “funeral” de Saramago.
Pareceu-me que muitas daquelas pessoas que velaram o defunto e o acompanharam ao forno, sofriam de uma nostalgia gritante de não terem fé e tudo fizeram para compensar essa falta ou nostalgia com uma outra celebração”litúrgica” que não ficasse a desdizer!
Em meu parecer, o “funeral” de Saramago foi um dos momentos altos para alguns dos nossos concidadãos que cultivam o agnosticismo e a descrença.
Pelo facto de ter recebido o Nobel, os seus admiradores vêem nele a sua bandeira e o seu símbolo e aproveitaram o momento da sua morte para exibirem o símbolo e para desfraldarem a bandeira. Não crendo em Deus nem na Vida Eterna (no que estão no seu direito), os que então discursaram e choraram tentaram consolar-se (?) a si próprios, falando de um Saramago exemplo de honradez e de virtude, de um protótipo de respeito pelos outros e pelas suas crenças, de um modelo de compreensão e humanismo, de alguém vivo depois de morto, de alguém “eterno a existir em qualquer sítio”!
Eu não consigo nem sei explicar o que então se disse e o que então se fez, senão como uma ausência de fé que lhes doía e lhes fazia muita falta, sobretudo nessa hora, e como uma necessidade enorme de substituir as orações e as exéquias religiosas que tanto confortam quem crê e que eles não aceitam nem querem, pelas palmas, os slogans, as coroas e os discursos de quem não crê.
Em minha opinião, foi simplesmente…mais um sucedâneo.

Resende, 25 de Junho/2010
J. CORREIA DUARTE

in ECCLESIA

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:28


formar e informar

Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

Pesquisar no Blog  




Arquivo

  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2016
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2015
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2014
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2013
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2012
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2011
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2010
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2009
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2008
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2007
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D