por Zulmiro Sarmento, em 03.03.10
A Quaresma é por excelência o tempo em que somos convidados a fazer a experiência da mudança de vida.
Somos convidados neste tempo a olhar a nossa vida, reflectir e fazer propósitos de mudança.
Nesta Quaresma além da mudança pessoal e de atitudes de cada um de nós, assistimos a mudanças na vida eclesial na Ouvidoria e ilha do Pico.
Depois de alguns meses de indecisão e de novelas, a Paróquia de São Mateus deu as boas vindas ao seu novo Pároco, P. Marco Martinho que é também o Reitor do Santuário Diocesano do Senhor Bom Jesus Milagroso.
Este acto eclesial leva-me a fazer uma reflexão pessoal assente em dois aspectos distintos mas muito pertinentes.
O primeiro tem a ver com o processo de sucessão do pároco de São Mateus e o segundo com as expectativas que se abrem com a entrada em funções do novo Reitor do Santuário.
O Pico nos últimos anos tem assistido a vários episódios lamentáveis quando se trata de substituir alguns párocos.
No Pico como na Igreja Universal os padres saem porque não conseguem fazer comunhão com os colegas por causas de ódios, invejas e disputas de lugares e cargos, outros saem amuados deixando colegas mal com comunidades e pessoas quando são eles que pedem para sair e outros por apegos excessivos e interesses, mal explicados, às paróquias, batem o pé.
O que me preocupa não são as mentiras, porque estas, mais tarde ou mais cedo, vão ser descobertas, nem as falsidades porque serão esclarecidas, o que mais me preocupa é a forma como nós os sacerdotes vivemos a nossa disponibilidade para com a Igreja e o modo como encaramos o serviço a esta.
Um sacerdote a partir do momento que assume o compromisso para com Deus, a Igreja e o Bispo sabe que a disponibilidade para servir a Igreja não agarrar-se a qualquer lugar ou ilha, muito menos à sua vontade e prioridades. O sacerdote é ordenado para estar sempre disponível para servir o Povo de Deus em qualquer lugar e com qualquer colega, quer goste ou não dele. A missão de apascentar o Povo que lhe é confiado é superior a qualquer gosto pessoal. Jesus disse que aquele que não tiver capacidade de deixar a sua terra e seu pai não é digno de ser seu servidor. Muitos de nós temos mostrado ultimamente que não somos dignos da missão que Deus nos confia. Somos convidados a deitar a mão ao arado em qualquer tipo de terreno sempre com a mesma alegria e disponibilidade, mesmo que custe muito.
A obediência ao bispo não é um mero adorno na nossa vida, o bispo é assistido pelo Espírito Santo e por esta razão não se engana, embora não concordemos com ele.
Nós, os padres, gostamos muito de bater o pé quando não são satisfeitos os nossos desejos, mas ficamos muito zangados quando nos batem o pé, não podemos ter dois pesos e duas medidas, muito menos devemos abandonar a nossa barca ou fazer ameaças e ir para longe porque não foi satisfeito o nosso capricho. Um padre quando se agarra a um lugar só pode ser por comodismo, dinheiro, afectividades impróprias ou falta de espírito de missão.
Estou convencido que isto só acontece quando há uma formação mal feita no Seminário, não por culpa deste ou dos seus formadores, mas por falta de respostas concretas ou então quando colocamos outros interesses pessoais que nada tem a ver com a missão que recebemos de Deus.
Sem confiança no Senhor, sem misericórdia, sem generosidade para servir no amor e sem testemunho vivencial provado em atitudes concretas na vida, nenhum homem devia ser admitido ao Sacramento da Ordem.
O que aqui escrevo pode virar-se contra mim e vir a sofrer destes males que hoje critico, pode o feitiço virar-se contra o feiticeiro, mas hoje estou consciente e de consciência tranquila que não sofro de nenhum destes males. Sou padre por convicção e estou no Pico por obediência ao Bispo sem que este me tivesse inquirido dos meus gostos, tenho a sorte de estar na Ilha onde gostaria de estar, sendo que é verdade que não escolhi a Zona Pastoral das Lajes para trabalhar, mas foi para aqui que me mandaram e é aqui que sou feliz, porque aprendi a amar as pessoas e respeitar o lugar onde estou.
O segundo ponto que gostaria de reflectir convosco é a expectativa que se criou em mim com a tomada de posse do novo Reitor do Santuário do Senhor Bom Jesus e os ventos bons que, parece, querem soprar. É urgente abrir as portas do Santuário Diocesano do Pico à Ilha, é necessário deixar de pensar o Santuário só como o lugar da festa do Senhor Bom Jesus.
O Santuário do Pico tem que ser o centro da religiosidade e da fé no Pico. Não há ninguém nesta ilha que não tenha ido em peregrinação até lá para pedir, agradecer e dar graças a Deus. Eu já fui e continuarei a ir.
Um Santuário é um lugar de aprofundamento da fé e não somente de pagamento de promessas. Lá o crente deve poder encontrar-se com Deus e sentir o seu amor.
Sou da opinião que faz falta no Santuário uma série de coisas que passo a citar: À volta do Santuário deve nascer o Centro Pastoral da Ilha e Casa de Retiros; No Santuário deve haver horas certas onde os padres estão disponíveis para atender as pessoas em direcção espiritual ou em confissão; No Santuário deve haver momentos certos de confissões, exposições do Santíssimo, exercícios de piedade e catequese permanente; No Santuário devemos encontrar a promoção da cultura religiosa, com um centro de cultura e de arte, deve haver centros de interpretação do sagrado onde possamos colocar questões e obter respostas de fé; O Santuário deve ser o local onde os serviços de ilha devem ter a sua sede para se criar uma unidade eclesial na acção. No Santuário deve ser um parceiro com as entidades publicas, culturais, sociais, desportivas na formação cívica das pessoas a partir da fé; O Santuário deve ser por excelência o lugar do acolhimento de portas abertas a todos a partir duma perspectiva ecuménica; No Santuário deverá criar-se uma biblioteca cristã; No Santuário deverá criar-se o Museu de Arte Sacra da Ilha onde se juntariam as peças com valor histórico que estão espalhadas pelas Igrejas e que não são usadas para o culto; No Santuário deverá criar-se uma Escola Católica onde os pais pudessem colocar os seus filhos afim de terem uma formação de inspiração cristã; No Santuário deverá criar-se uma Academia para a formação dos nossos Grupos Corais com cursos para canto e regência; No Santuário deverá criar-se um órgão de comunicação social escrita de inspiração cristã para a ilha que se preocupe com a informação e a formação cristã do Povo de Deus; No Santuário deverá criar-se um Centro de Convívio para idosos onde estes poderão ter actividades lúdicas e de fé que os confortem e dêem respostas válidas no período mais difícil da vida que é a velhice; No Santuário deverá criar-se uma verdadeira Escola de Ministérios onde os Acólitos, Leitores, Ministros da Comunhão aprendessem o seu múnus; No Santuário deverá criar-se um Centro de Espiritualidades para casais; No Santuário deverá criar-se momentos de espiritualidade para os sacerdotes e leigos como retiros e recolecções; No Santuário poderia criar-se muitas mais coisas que agora não consigo alcançar. Muito importante seria que no Santuário se criassem verdadeiros filhos de Deus.
Todo isto não se faz sem gente. Para já deveria aproveitar-se a generosidade de leigos e padres e formar pessoas capazes de exercerem as tarefas relacionadas com o que expôs através de equipas de fé que possam responder às necessidades.
Com um Santuário em movimento deixaria de ser necessário andarmos para aí a multiplicar pastorais e a esgotar recursos humanos e materiais. Só encontro como argumento para isto não dar certo o comodismo das pessoas e a falta de vontade de crescer. As distâncias, pessoas competentes, tanto padres como leigos, recursos financeiros, estruturas físicas não são problema porque estão ai, e em abundância e se não há, constrói-se, dinheiro não há-de faltar porque Deus providenciará o que for necessário. Haja fé e vontade de fazer e o Santuário do Pico ficará ao nível de outros existentes em Portugal. Eu estou disponível para abraçar um projecto credível com o Reitor do Santuário do Senhor Bom Jesus, mesmo que para isso tenha de me esforçar e trabalhar mais, afinal de contas ordenei-me foi para o serviço do Povo de Deus.
Padre Paulo Silva, pároco "in solidum" de Silveira até Piedade, Ouvidoria do Pico
Artigo publicado em "O DEVER" das Lajes do Pico
Autoria e outros dados (tags, etc)