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DEPOIS DA TEMPESTADE VEM A BONANÇA.
Um jovem ia passeando junto ao mar, quando se apercebeu que, lá ao longe, um velho se inclinava repetidamente para a areia e atirava qualquer coisa da praia para o mar.
Não entendendo aquele ritmo de caminhada, o jovem foi-se aproximando e, ao ver o tal velho – pelo ar devia ter sido pescador – a atirar estrelas-do-mar na direcção das ondas... quando a maré estava vazia, exclamou:
- Por que faz isso? Será que adianta alguma coisa estar a atirar para o mar essas estrelas? Isso presta para pouco... Não serve de nada, ó velhote!
O velho experimentado pelo sol e pelo sal retorquiu:
- Ó meu jovem, ouve lá: se não eu deitar estas estrelas-do-mar de voltar ao mar, elas morrerão aqui na praia. Por isso, por muito pouco que eu faça, vou salvando algumas!
Mesmo com admiração da resposta dada, o jovem exclamou:
- Mas isso é pouco! Parece-me até muito pouco... comparando com tantas estrelas-do-mar que deram à costa!
Numa expressão de sabedoria mais amadurecida, o ancião acrescenta:
- Olha lá, mas pouco é melhor do que nada!... Tanto aqui como na tua vida!
Numa semana em que vamos celebrar a Páscoa, esta pequena estória pode servir-nos para intentar perceber, à luz de Deus e da Paixão de Jesus, que, ainda hoje, continuámos a olhar pequenos sinais divinos com um certo esgar de racionalismo... barato.
* Querer provar qualquer coisa a alguém
Nota-se, quando vamos conhecendo um tanto melhor o percurso de vida de algumas pessoas, que, mesmo inconscientemente, há gente que se esforça por provar que é capaz ou que algo melhor há-de acontecer para descrédito de outros... tornados ‘adversários’ a convencer pelas suas vitórias.
- Será que Jesus, em todo o drama da Sua Paixão/morte teria algo a provar a alguém? Quem seria capaz de entender que no palco da Cruz estava um Deus – como diz um dos malfeitores com Ele crucificado – a sofrer o mesmo suplício?
Nota-se, entretanto, que a roupagem da Paixão/morte de Jesus é tudo menos fascinante para uma mentalidade economicista, como a dos nossos dias. Jesus teria muito pouco a ganhar se não tivessem entendido que estava naquele cenário para fazer-se servo desde a raiz mais funda da nossa condição humana e não desde o tecto da nossa petulância empertigada e balofa... a tentarmos provar, pelo confronto acintoso, que somos melhores pela derrota dos outros, quantas vezes, tornados, como que nossos inimigos.
- Até onde irá a nossa capacidade de assentimento inclusivo dessa fragilidade não-aceite? Até onde irá a ousadia em sermos discípulos de um Mestre feito vexame (que é muito mais do que ser vexado) por nosso amor? Até onde irá a nossa possibilidade em aprendermos a crescer pela humildade e não pela arrogância e promoção ao desbarato em tempo de crise?
* Dar o nosso contributo empenhado e comprometido... mínimo
Por vezes, numa certa ansiedade em fazer depressa – diz o povo: ‘depressa e bem, há pouco quem’! – as pessoas confundem o essencial com o urgente ou mesmo o relativo com a relativização. Sabemos que é importante deixarmos este mundo um pouco melhor porque mais humanizado e fraterno. Como também será fundamental irmos criando correntes de solidariedade nas pequenas coisas e situações, por forma a nos irmos treinando para os momentos mais fulcrais e marcantes. De facto, por muito pouco que consigamos, teremos de contribuir com a nossa modesta parte para o grande todo – sem exoterismos ou linguagens codificadas – da Humanidade, tendo Cristo por fonte e meta.
De muito pouco adiantará invectivarmos contra o que está mal (ou até menos bem), se não dermos o nosso empenhado contributo para a mudança, começando cada um por si mesmo, já.
Somos validamente necessários, pois se nada (ou só o mínimo) fizermos algo ficará incompleto... Vamos ajudar nesta Páscoa.
A. Sílvio Couto