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Evolucionismo/Criacionismo: diferenças e convergências

por Zulmiro Sarmento, em 06.02.09

 

Evolucionismo

Segundo o evolucionismo, todas as espécies (incluindo a humana) provêm umas das outras e, remotamente, de um ou poucos seres vivos iniciais. Evolucionismo opõe-se, assim, ao fixismo, segundo o qual cada espécie foi criada separadamente e mantém sempre as suas características fundamentais.

Há vários tipos de teorias evolucionistas. Charles R. Darwin (1809-1882) defendeu a teoria da selecção natural e da sobrevivência do mais forte na luta pela vida. As formas actuais seriam fruto dessa selecção natural.

O naturalista francês Lamarck (1744-1829) também estabeleceu várias leis da evolução, baseadas sobretudo na adaptabilidade dos seres vivos pelo uso e não uso dos órgãos e na hereditariedade dos caracteres adquiridos.

Com o surgir e desenvolvimento da genética molecular, fizeram-se estudos tendentes a indicar que a acumulação, ao longo do tempo, de mutações ocorridas nos vários seres vivos poderia constituir a causa do surgir de novas espécies. Estabeleciam-se, assim, as chamadas árvores filogenéticas ao longo dos tempos geológicos.

Além das alterações que Darwin foi fazendo à sua teoria, surgiram posteriormente várias correntes neo-darwinistas, e a partir das primeiras décadas do séc. XX, a simbiogénese. Segundo esta teoria, a evolução não se processou em forma de árvore que se vai ramificando lentamente ao longo do tempo através de alterações do material genético, mas em forma de rede que se estabelece pela transferência de genes de umas espécies para outras, entre as que vivem no mesmo tempo.

 

Criacionismo

Este termo pode ter mais que uma leitura. Basicamente refere-se à criação dos seres vivos por Deus. No passado, leu-se o Génesis no sentido literal e, portanto numa visão fixista. Nesse sentido, o criacionismo era anti-evolucionista. Esta posição antiga, de algum modo regressou recentemente com grande vigor, sobretudo a partir dos E.U.A., simultaneamente com o “intelligent design”.

É demasiado claro, porém, que o Génesis não é um livro histórico mas etiológico. Por isso, na actual posição da Igreja, o criacionismo evolutivo é o mais seguido.

É possível distinguir, em cada ser, entre a sua essência, e aquele dinamismo existencial que causa a sua própria evolução; e identificar este último com a acção criadora de Deus.

Em toda a sua pureza, o conceito meta-físico de criação, exprime-se pela total e radical dependência de Deus por parte de todo o existente. Segundo o teólogo Karl Rahner, a acção criadora de Deus faz então parte do dinamismo existencial de cada ser, ainda que não da sua essência (o que seria panteísmo).

Nesse sentido, podemos dizer que é esse ser que cria, num processo em que causa aquilo que é mais do que a sua própria essência, e portanto se auto-supera a si próprio. Mas porque esse seu dinamismo existencial é acção de Deus, é Deus quem primariamente cria.

Terá sido o próprio símio que evoluiu para o homem total (corpo e alma), porque a acção transcendental de Deus, que impulsionou esse evoluir, faz parte do dinamismo existencial do próprio animal, ainda que sem se confundir com a sua essência.

 

Convergência entre ambos

Nesta perspectiva, interpretar o surgir da vida em termos de evolução química da matéria não corresponde, de modo nenhum, a enfraquecer ou eliminar a acção criadora de Deus, mas só a purificá-la do ressaibo miraculoso duma intervenção inesperada por parte da matéria, e a tomá-la, em toda a linha da suas conse-quências, verdadeiramente imanente, enquanto presença existencial criadora.

Para fazer valer a imagem genuína de Deus não é necessário nem acertado mitificar a evolução físico-química com um momento de milagre em que as forças naturais desfaleçam, e no meio da sua inacção, surja palpável a acção de Deus. Ele situa-se e radica-se no universo de um modo mais profundo, ainda que talvez menos espectacular. É em Deus que vivemos, nos movemos e existimos, e só quando não objectivamos refle-xamente esta imanência, exigimos um deus demiurgo que venha visitar miraculosamente a nossa impotência.

É interessante que quando Edward O. Wilson intenta dissolver o fenómeno religioso nos seus parâmetros socio-biológicos, menciona a dado passo o tipo de teologia que temos estado a apontar, a que chama process theology, e reconhece que ela torna ciência e religião intrinsecamente compatíveis. Mas acrescenta que isto nada tem a ver com a verdadeira religião das danças aborígenes ou com o Concílio de Trento (1).

É evidente que esta teologia tem pouco a ver com crenças aborígenes, nem poderia ser expressa no contexto cultural do Concílio de Trento. Mas pertence hoje a uma teologia altamente respeitada nas Igrejas cristãs, e que parece corres-ponder às perspectivas dos Papas. De facto, João Paulo II, numa mensagem em que estimula os teólogos a assimilar as modernas teorias científicas para com elas nos fornecerem (como Tomás de Aquino) novas expressões da doutrina teológica, diz exemplificando: “A perspectiva evolucionista não poderá projectar alguma luz sobre a antropologia teológica, o significado da pessoa humana como imagem de Deus, o problema da Cris-tologia e até mesmo sobre a evolução doutrinal?” (2).

Pe. Luís Archer,

Prémio Nacional de Bioética 2008

 

NOTAS:

(1) Edward O. Wilson, On Human Nature, Harvard University Press, Cambridge, Mass.,U.S.A., 1978, pp.171-172

(2) João Paulo II, Mensagem ao Director do Observatório Astronómico do Vaticano, 1 de Junho de 1988, apud Russel, R. J., Stoeggere, W.R. and Coyne, G.V. editors, John Paul II on Science and Religion, Reflections on the New View from Rome, University of Notre Dame Press, p. M11, 1990.
 
 

 

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